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9/08/2012

Drogas - A Situação Brasileira

Entrevista com Roberto Flores – Conselheiro em Dependência Química 

O embuste do Estado e a criminalização do uso de drogas 



Ao mesmo tempo em que não oferece condições adequadas para o tratamento de dependentes químicos, as gerências de turno continuam incrementando a criminalização do consumo de drogas e o combate violento ao tráfico varejista, instalado em quase todos os bairros pobres do país. O resultado é que o "vício" ou dependência é cada vez mais tratado como crime e não como um problema de saúde pública, como deveria ser. 

Encurralados por um Estado corrupto e falido — que segue militarizando bairros pobres em prol de um suposto método de combate ao tráfico e ao uso de drogas — usuários — entre eles muitos adictos — trabalhadores pobres e traficantes são todos iguais na linha de tiro de uma das polícias mais violentas do mundo. 

Roberto Flores, conselheiro em dependência química e um dos idealizadores dos Narcóticos Anônimos no Brasil, acredita que as drogas atrasam o desenvolvimento sócio-cultural dos indivíduos e da sociedade como um todo, mas que se trata de um problema de saúde pública. 

— Quando a gente pega os dados do Ministério da Saúde, sobre o tratamento de pessoas que tiveram as suas vidas comprometidas e até eliminadas pelo consumo de álcool e de outras drogas, a gente fica estarrecido. Sem contar com as vidas que são cessadas em acidentes de trânsito, crimes passionais, em tragédias domésticas. Entre os jovens e adolescentes e até entre as crianças agora tem essa questão do crack, que anula as possibilidades dessas pessoas se tornarem adulto com condições de assumir responsabilidades. Sendo assim, em uma sociedade que estimula o consumo, onde você vê o álcool na televisão o tempo todo, na internet ‘compre isso’ e ‘compre aquilo’, todos passam a crer que as pessoas normais, até na formação do seu caráter, têm que consumir álcool ou qualquer outro tipo de substância. Esses jovens estão sendo criados em uma cultura na qual a droga é muito presente e isso vem para diminuir o seu potencial — explica. 

Para Flores, o consumo e o tráfico de drogas, assim como a sua criminalização são empecilhos ao tratamento e, em hipótese alguma, a política de extermínio empregada pelo Estado nos bairros pobres do país, principalmente no Rio de Janeiro, pode fazer avançar o debate sobre dependência química. 

— A principal deficiência é essa política de confronto em favelas, que provoca muita violência, muita morte, não reduz o tráfico, não reduz a demanda, não reduz nada. A polícia não vai atrás dos grandes produtores de droga. Isso só acontece no varejo. Assim como eu não vejo "os viciados", como afirmou o governador Sérgio Cabral, como os principais responsáveis pela demanda do tráfico de drogas — afirma. 

Para ele, a saúde e a educação deveriam ser as prioridades, já que a dependência química trata-se de uma doença. 

— A dependência química é uma questão de saúde pública que não foi abraçada por esse governo e por nenhum outro governo anterior. Você pega essas crianças que não têm pais e que vivem nas ruas, o Estado oferece abrigo, mas a permanência dessas pessoas não é garantida. Se o Estado é responsável por essas crianças carentes, porque ele não oferece condições pra que elas fiquem nos abrigos, até pra que os pais sejam procurados. Para saber se elas fugiram de casa, ou se foram expulsas de casa. Por isso eu acho que o Estado é o principal responsável inclusive pelo emprego da mão de obra infantil no tráfico de drogas varejista. E a educação pública também tem relação, já que não se paga bem os professores, eles são uma classe que não é prestigiada por governo nenhum, por político nenhum, as escolas estão cada vez mais sucateadas. Ou seja, a educação pública faliu. Qual o futuro dessa criança? O que ela quer? Quer um tênis da Nike, ou uma camisa da Adidas. A maioria delas quando entra para o tráfico busca o sustento de uma dependência que já existe — explica. 

Flores conta que além de tudo, as condições de tratamento oferecidas pelo Estado na rede pública são nulas e pioram a cada ano, ao mesmo tempo em que se multiplica o aparato repressivo — caveirões, helicópteros, armas e número de policiais. 

— Em termos de saúde, não existem leitos suficientes para o tratamento da dependência química em hipótese alguma. Muito pelo contrário. Por exemplo, o CREDEC [Centro de recuperação de dependência química] foi desativado e agora vai ser reaberto com outra função, a de atender os menores em situação de risco. Com o passar dos anos, o número de leitos diminuiu, ao invés de crescer. Se já eram insuficientes, agora são mais insuficientes ainda. O único avanço nos últimos anos foi por iniciativa da própria sociedade, que criou vários grupos de ajuda para cobrir um buraco deixado pelo Estado, que não possui nenhuma política de prevenção e não oferece nenhum tipo de tratamento eficiente para o povo, que não tem condições de pagar planos de saúde ou uma clínica particular — denuncia. 

Segundo ele, a criminalização do uso acaba confundindo o traficante e o dependente químico, que é portador de uma doença e que alguns dependentes são induzidos pela própria doença a se tornarem traficantes. 

— Ele não pode ser considerado um criminoso, mas precisa de um tratamento diferenciado. O certo seria haver um tratamento público eficiente oferecido pelo próprio Estado, onde o dependente seria acompanhado por um profissional de saúde que diria o momento em que a pessoa poderia voltar ao convívio social — explica Roberto, que também exalta o custo dos tratamentos particulares, aos quais apenas os ricos têm acesso. 

— O preço de um tratamento particular está por volta de 3 a 4 mil reais por semana, incluindo a parte médica, a parte terapêutica, as medicações que a pessoa tem que usar para minimizar os efeitos da síndrome de abstinência. Tudo isso custa em torno de 12 a 15 mil reais por mês. O ideal para o tratamento seria um mês e meio, ou cerca de 20 mil reais. O Estado também não obriga os planos de saúde a cobrir o tratamento para dependência química — revela Flores, mostrando o porquê são tão escassos os leitos oferecidos pela rede pública de saúde.