Podemos dizer que a demência pode se relacionar ao
alcoolismo de várias formas:
1. Alcoolistas de longa data que, pela exposição
continuada do SNC aos efeitos neurotóxicos do etanol, iniciam paulatinamente
distúrbios cognitivos e comportamentais, geralmente irreversíveis, e que
tenderão a evoluir progressivamente, a não ser que o uso do etanol seja
descontinuado.
2. Alcoolistas que desenvolvem encefalopatias
agudas a partir de deficiências metabólicas ou hidreletrolíticas e que cursam
com alterações cognitivas e comportamentais. encefalopatia de Wernicke e depois
a psicose de Korsakoff, mielinólise pontina central (relacionada a distúrbio da
concentração de sódio plasmático), doença de Marchiafava-Bignami (relacionada à
necrose das porções centrais do corpo caloso).
3. Outras formas de demência (demência
frontotemporal, doença de Alzheimer etc.), que se iniciam com alterações da
ingestão alcoólica (num contexto de alteração orgânica da personalidade ou
hiperoralidade) em pacientes sem antecedentes pessoais de alcoolismo.
4. Etilistas que apresentam encefalopatia hepática
ou que foram vítimas de traumatismos cranianos ou ainda aqueles que, em virtude
de TCE, apresentam hematomas subdurais crônicos.
Em alguns casos, torna-se difícil estabelecer se o
alcoolismo é conseqüência ou causa do quadro comportamental observado. Isto
porque sabemos que a hiperoralidade (comportamento caracterizado pela tendência
aumentada de levar à boca itens comestíveis ou não), que pode se apresentar
como um aumento na ingestão de álcool, é um dos manifestados pelas demências.
Também a mudança de personalidade, a perda de insight,
do controle emocional e da empatia, que inclusive podem levar a atos de
violência, são características tanto do alcoolismo quanto de diversas formas de
demência.
De outro lado, sabemos que a dependência alcoólica
crônica pode acarretar perda sináptica nas lâminas corticais frontais
superiores, bem como perda neuronal significativa no córtex frontal traduzida
por atrofia observada no exame anatomopatológico, bem como na neuroimagem e
esta atrofia pode ser correlacionada com a presença de sintomas negativos e
"hipofrontalidade" nestes pacientes, o que colaboraria para a
conformação de um quadro clínico muito parecido com o que observamos nas
demências. Snowden et aL (1996), defendem que uma história clínica
cuidadosa geralmente é suficiente para se esclarecer se o consumo abusivo de
álcool é anterior ou posterior à eclosão da demência.
A presença de complicações neurológicas do
alcoolismo (neuropatias, ataxia cerebelar etc.), como também de conseqüências
sistêmicas sobre o fígado e tubo digestivo, contrastam com a boa condição
física geralmente apresentada pelo paciente com demência pura (por exemplo,
doença de Alzheimer e demência frontotemporal), porém esta diferenciação pode
não ser tão clara, principalmente se considerarmos a dificuldade em definirmos
um ponto de corte entre as manifestações cognitivas e comportamentais do
alcoolismo e aquelas da demência alcoólica, até porque parece existir um continuum
entre ambas as condições. Diga-se de passagem, esta dificuldade em
estabelecer um divisor de águas entre as duas condições constitui a principal
responsável pela relativa indefinição do que vem a ser a "demência
alcoólica".
A literatura reconhece os seguintes sintomas como
fazendo parte da demência alcoólica:
- Confusão mental ou delirium,
- Confabulação.
- Alucinações.
- Distúrbios de memória.
- Falta de insight
· Entre as alterações de observadas na demência
alcoólica, podemos ressaltar, segundo diferentes estudos:
- Déficits na recuperação tardia e imediata de material narrativo.
- Dificuldades relacionadas à associação de símbolos com números ou de números com uma localização particular numa linha horizontal.
- Desempenho ruim em testes de memória sensorial/táctil.
- Desempenho pior da memória visual que da memória para material verbal
- Dificuldades graves em testes de memória espacial.
Tais dados fazem supor a possibilidade de que os
danos no hemisfério direito possam ser maiores que no esquerdo na demência
alcoólica, indicando talvez uma maior vulnerabilidade deste hemisfério aos
efeitos neurotóxicos do álcool. Cabe ressaltar, entretanto, que tal diferença
não é. confirmada pelos exames de neuroimagem, que apontam para um
comprometimento bilateral.