Jorge BezerraI; Mauro Virgílio Gomes BarrosI; Maria Cecília Marinho TenórioI; Rafael Miranda TassitanoI; Simone Storino Honda BarrosI; Pedro C. HallalII
IUniversidade de Pernambuco, Escola Superior de Educação Física, Grupo de Pesquisa em Estilos de Vida e Saúde, Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Recife (PE), Brasil. Enviar correspondência a Mauro Virgílio Gomes Barros no seguinte endereço: Rua Arnobio Marques 310, Campus HUOC/ESEF, Santo Amaro, CEP 50100-130, Recife, PE, Brasil. Fone: +55-81-3183.3375; e-mail: mauro.barros@pq.cnpq.br
IIUniversidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Pelotas (RS), Brasil
IIUniversidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Pelotas (RS), Brasil
Print version ISSN 1020-4989
Rev Panam Salud Publica vol.26 no.5 Washington Nov. 2009
http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892009001100009
INVESTIGACIÓN ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH
O consumo de álcool e tabaco é um comportamento de risco à saúde que se inicia, geralmente, em idades precoces e se estende por toda a vida, afetando o desenvolvimento e o ajustamento físico, mental e social (1). Estudos realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) indicam que os jovens brasileiros têm experimentado e se tornado consumidores regulares de álcool em idades cada vez mais precoces (2). No último levantamento realizado pelo CEBRID, observou-se que 41,5% dos estudantes na faixa etária de 10 a 12 anos relataram ter consumido álcool pelo menos uma vez na vida (3).
Por sua vez, o fumo entre adolescentes, cuja prevalência relatada em estudos nacionais varia de 5,1% em São Paulo (4) a 9,6% em Salvador (5), tem sido associado a um maior número de faltas à escola (6), à utilização mais frequente de serviços médico-hospitalares (7) e a uma percepção negativa de saúde (8). Além disso, a prevalência de outros comportamentos de risco à saúde é maior entre adolescentes fumantes, por exemplo o baixo nível de atividades físicas (9) e uma dieta pobre em frutas e verduras (10).
As evidências apresentadas na literatura sugerem que a religiosidade e a espiritualidade são fatores associados à saúde e ao bem-estar em adolescentes (11, 12). Muitas investigações procuraram analisar a interrelação entre religiosidade ou espiritualidade e saúde mental (13) ou outros eventos relacionados à saúde, tais como dor crônica (14). Estudos nacionais têm explorado essa interrelação, demonstrando que a "educação religiosa na infância" está associada a menor exposição ao uso de drogas em adolescentes (15, 16). Outra abordagem tem procurado comparar as crenças e as práticas religiosas entre sujeitos de baixa renda classificados como usuários e não-usuários de drogas, tendo sido observado que a religião pode ser um importante modulador da exposição ao consumo de drogas nesse grupo populacional (17).
Uma revisão sistemática examinou as evidências sobre a interrelação entre religiosidade/espiritualidade e condutas de saúde em adolescentes (18). Os autores localizaram 18 publicações que analisaram a associação com consumo de álcool e apenas oito com tabagismo. A maioria dos estudos forneceu evidência de que a religiosidade e a espiritualidade exercem uma influência positiva sobre as condutas de saúde na adolescência. Entretanto, há escassez de estudos de base populacional e, até onde se tem conhecimento, nenhum foi realizado com sujeitos da Região Nordeste do Brasil.
O objetivo do presente estudo foi analisar a associação entre religiosidade e exposição ao consumo de álcool e ao tabagismo em adolescentes do Estado de Pernambuco, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo foi conduzido como parte do projeto denominado "Estilos de Vida e Comportamento de Risco à Saúde do Estudante do Ensino Médio de Pernambuco: do Diagnóstico à Intervenção", que está sendo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Estilos de Vida e Saúde da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Hospital Agamenon Magalhães, na Cidade do Recife, Pernambuco.
A população alvo foi limitada aos estudantes da rede pública estadual de ensino médio. Considerando-se todas as dependências administrativas (federal, estadual, municipal e privada), os sujeitos matriculados na rede pública estadual representam cerca de 80% do total de estudantes do ensino médio em Pernambuco. O dimensionamento da amostra foi efetuado de forma a atender os diversos objetivos do projeto, que incluíam a avaliação da exposição a 10 fatores comportamentais de risco à saúde, dentre os quais o consumo de álcool e o tabagismo.
Para o cálculo do tamanho da amostra foram utilizados os seguintes critérios: população estimada em 353 000 sujeitos, intervalo de confiança de 95% (IC95%), erro amostral de 3 pontos percentuais, prevalência estimada em 50% e efeito de delineamento amostral estabelecido em quatro vezes o tamanho mínimo da amostra. Isso representou uma amostra mínima de 4 217 sujeitos.
Procurou-se garantir que a amostra selecionada representasse a população alvo quanto à distribuição em escolas de pequeno (menos de 200 alunos), médio (200 a 499 alunos) e grande porte (500 alunos ou mais), e ainda quanto à distribuição em turnos de estudo (diurno e noturno). Os alunos matriculados no período da manhã e da tarde foram agrupados numa única categoria (estudantes do período diurno). A distribuição regional levou em conta o número de escolas existentes em cada uma das 17 gerências regionais de ensino (GEREs).
Para a seleção da amostra, recorreu-se a um procedimento de amostragem aleatório estratificado em dois estágios, sendo que a "escola" e a "turma" representaram, respectivamente, as unidades amostrais no primeiro e no segundo estágio. Todas as escolas da rede pública estadual em Pernambuco foram consideradas elegíveis para inclusão no estudo. No primeiro estágio, adotou-se como critério de estratificação para realização do sorteio a distribuição das escolas de pequeno, médio e grande porte em cada microrregião do estado (GEREs). No segundo estágio, considerou-se a densidade de turmas nas escolas sorteadas por período (diurno e noturno) como critério para sorteio das turmas nas quais os questionários seriam aplicados. Todos os estudantes das turmas sorteadas foram convidados a participar do estudo. Os sorteios foram realizados mediante geração de número aleatórios através do programa Epi Info (versão 6).
A coleta dos dados foi realizada no período de abril a outubro de 2006. A aplicação do questionário foi efetuada por seis mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Hebiatria da Universidade de Pernambuco que participaram de uma capacitação prévia para padronização dos procedimentos de coleta de dados. A aplicação dos questionários foi efetuada em sala de aula, sem a presença dos professores, para todos os alunos presentes, independentemente de idade, sendo a participação voluntária. Além disso, os questionários não continham qualquer tipo de identificação pessoal (nome, matrícula). Os alunos foram continuamente assistidos pelos aplicadores (sempre dois por turma), que esclareceram e auxiliaram no preenchimento das informações.
Um termo de consentimento passivo foi usado para obter dos pais de estudantes com idade inferior a 18 anos permissão para que os mesmos participassem do estudo. O termo continha indicação clara do objetivo do estudo e solicitava que os pais comunicassem a escola caso não concordassem com a participação dos filhos. Estudantes com 18 anos de idade ou mais assinavam o próprio termo, indicando a sua concordância em participar do estudo. A participação de todos os sujeitos foi voluntária e todos foram informados de que poderiam desistir em qualquer etapa da fase de coleta de dados.
O questionário utilizado foi uma versão traduzida e previamente testada do Global School-Based Student Health Survey, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (19). Os indicadores de reprodutibilidade (consistência de medidas teste-reteste) foram de moderados a altos na maioria dos itens do instrumento, sendo que os coeficientes de concordância (índice kappa) variaram de 0,52 a 1,00.
As variáveis dependentes do estudo foram a exposição ao consumo de álcool e de tabaco. Foram considerados expostos ao consumo de álcool todos os estudantes que relataram ter utilizado qualquer tipo de bebida alcoólica em pelo menos 1 dos últimos 30 dias. Da mesma forma, foram considerados expostos ao consumo de tabaco todos os sujeitos que relataram ter fumado cigarro em pelo menos 1 dos últimos 30 dias, independentemente da intensidade de exposição (frequência e quantidade de cigarros consumidos).
A afiliação religiosa e a prática religiosa (praticante/não praticante) foram as variáveis independentes. Os potenciais fatores de confusão considerados nas análises multivariadas foram sexo (masculino/feminino), turno das aulas (diurno/noturno), série escolar, idade, cor da pele (branco/não branco), morar com os pais e escolaridade materna (< 8 anos/> 8 anos).
O procedimento de tabulação final dos dados foi efetuado através do programa EpiData, recorrendo-se à entrada dupla e, posteriormente, à comparação dos arquivos de dados gerados a fim de detectar e corrigir erros. Procedimentos eletrônicos de controle de entrada de dados também foram adotados, mediante utilização de critérios para os valores que poderiam ser digitados em cada campo.
A análise foi realizada utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows (versão 11). A análise descritiva enfocou a distribuição de frequências, enquanto a análise inferencial constou da aplicação do teste de qui-quadrado (χ2) e χ2 para tendência. Na análise multivariada, utilizou-se regressão logística binária separadamente para cada desfecho em estudo (exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabaco).
As variáveis com valor P inferior a 0,20 nas análises brutas foram mantidas no modelo hierárquico. A abordagem hierárquica considerou três níveis: a) distal, no qual foram incluídas as variáveis demográficas (sexo, idade e cor da pele); b) intermediário, no qual foram incluídos os fatores socioeconômicos e relacionados à escola (turno, série escolar, morar com os pais e escolaridade materna); e, c) proximal, no qual foram incluídos os fatores que expressam a religiosidade dos sujeitos. No modelo final de regressão foram considerados significativamente associados somente os fatores para os quais P foi inferior a 0,05.
RESULTADOS
Foram visitadas 76 escolas (11% do total de escolas estaduais do estado) em 44 municípios, o que representou 23% do total de municípios pernambucanos. Foram entrevistados 6 031 estudantes, sendo que outros 83 se recusaram a participar (1,3% de recusas).
Após a exclusão dos respondentes com idade superior a 20 anos, a amostra final ficou com 4 210 adolescentes (14 a 19 anos), sendo 59,8% do sexo feminino. A amostra final representou 99,8% do inicialmente previsto. Com o tamanho de amostra alcançado, foi possível analisar a associação entre religiosidade e os dois desfechos, com possibilidade de detectar como significativas razões de chance (odds ratio, OR) de 0,75 ou inferiores, utilizando-se um nível de confiança de 95% (IC95%) e poder de 80%.
A tabela 1 apresenta uma caracterização da amostra segundo fatores demográficos, socioeconômicos e de religiosidade. Dos respondentes, 30,3% (IC95%: 28,9 a 31,7) relataram exposição ao consumo de bebidas alcoólicas, sendo que essa proporção foi significativamente maior entre os rapazes (38,6%) em comparação às moças (24,8%). A distribuição dos sujeitos expostos ao consumo de bebidas alcoólicas segundo variáveis demográficas, socioeconômicas e de religiosidade está apresentada na tabela 2.
Em relação à exposição ao tabagismo, observou-se uma prevalência de 7,8% (IC95%: 7,0 a 8,7), significativamente maior entre os rapazes (9,8%) do que entre as moças (6,2%). A distribuição dos sujeitos expostos ao tabagismo, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas e religiosas está apresentada na tabela 3.
Independentemente do sexo, verificou-se uma tendência de aumento nas prevalências de exposição ao consumo de álcool com o aumento da idade (tabela 2). Em relação à exposição ao tabaco, a tendência de aumento na prevalência de obesidade com aumento da idade foi observada somente entre os rapazes (tabela 3).
As análises brutas evidenciaram que, independentemente do sexo, a exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo foi inversamente associada à afiliação e à prática religiosa (tabelas 2 e 3). As análises de regressão logística permitiram observar que, mesmo após ajuste para fatores demográficos e socioeconômicos, a exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo em adolescentes esteve significativamente associada tanto à afiliação religiosa quanto à prática religiosa (tabela 4).
Mesmo após ajuste para as variáveis de confusão, verificou-se que os adolescentes que relataram ser "evangélicos" apresentaram risco de exposição ao consumo de bebidas alcoólicas 72% inferior em comparação àqueles que declararam não ter religião. Além disso, entre aqueles que relataram ser "praticantes", independentemente da afiliação religiosa, o risco de exposição ao consumo de bebidas alcoólicas foi 29% inferior.
Quando comparados aos adolescentes que referiram não ter religião, observou-se que os católicos (risco aproximadamente 32% inferior) e os evangélicos (risco 67% inferior) apresentaram menor chance de exposição ao tabagismo. Aqueles que se declararam praticantes apresentaram risco 39% inferior de exposição ao tabaco em comparação aos não praticantes, independentemente da denominação religiosa.
DISCUSSÃO
O presente estudo apresenta evidências de que fatores relacionados à religiosidade estão significativamente associados à exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo em adolescentes. Tanto a afiliação religiosa quanto a prática religiosa foram fatores que discriminaram significativamente a exposição a essas condutas de risco à saúde. As análises de regressão logística evidenciaram que, independentemente da afiliação religiosa, os adolescentes que se consideravam praticantes tinham menor chance de exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo.
Este estudo foi conduzido com uma amostra relativamente grande, representativa dos estudantes do ensino médio no Estado de Pernambuco. Os dados foram obtidos mediante utilização de um questionário que foi previamente testado e que apresentou um nível moderado a alto de reprodutibilidade. Todavia, é importante interpretar com cautela as estimativas de prevalência relatadas neste estudo, principalmente em relação a um possível viés de informação. Mesmo com garantia de anonimato, ainda é possível que alguns alunos tenham omitido o consumo de álcool e tabaco por autocensura ou erro de memória, dentre outros motivos.
Até onde sabemos, esta é uma das primeiras investigações no Brasil que analisa a associação entre religiosidade e exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo em adolescentes. Muitas investigações sobre fatores associados a condutas de saúde neste subgrupo populacional não incluíram medidas de religiosidade que permitissem esse tipo de análise. Além disso, nos estudos onde essa associação foi investigada, os autores enfocaram o consumo pesado de álcool e de tabaco, e não a exposição ao consumo (20, 21). É importante salientar ainda o fato de o presente estudo ter explorado conjuntamente dois fatores da religiosidade entre os adolescentes (a afiliação e a prática religiosa), quando, na maior parte dos estudos, conforme salientado por Rew e Wong (17), cada um desses fatores é considerado isoladamente.
No presente estudo, verificou-se que cerca de três em cada 10 estudantes referiram ter consumido bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias, além dos 8% que também referiram exposição ao tabaco. Esses indicadores são similares, porém discretamente mais baixos, do que os relatados por Souza e Silveira Filho (22) na Cidade de Cuiabá em 1998. Naquele estudo, a prevalência de uso recente de álcool e tabaco foi de 37,4 e 9,5%, respectivamente. Por outro lado, os achados do presente estudo foram expressivamente mais baixos do que os resultados relatados por Horta et al. (23) a partir de um levantamento realizado na Cidade de Pelotas em 2002, principalmente em relação à exposição ao tabagismo. Horta et al. identificaram prevalências de 16,3 e 43,2%, respectivamente, para exposição ao consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas.
Em comparação aos resultados de levantamentos internacionais, as prevalências observadas neste estudo foram similares quanto à exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e mais baixas quanto à exposição ao consumo de tabaco. Kelly et al. (24), analisando dados de 2006 de um estudo realizado na Irlanda, verificaram que a prevalência de exposição ao consumo de álcool e de tabaco em jovens irlandeses foi de 26 e 15%, respectivamente.
Como o método empregado para a coleta de dados e a definição operacional de variáveis foi idêntico nesses estudos anteriormente referenciados, as diferenças observadas podem ser decorrentes da distância temporal e geográfica entre os levantamentos. Porém, também é possível supor que a precisão e a representatividade dos estudos possa ser uma explicação plausível para tais diferenças nas estimativas de prevalência de exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo.
Neste estudo, verificou-se que a proporção de sujeitos expostos ao consumo tanto de bebidas alcoólicas quanto de tabaco foi significativamente maior entre os rapazes do que entre as moças. Em relação às diferenças entre os sexos, os estudos vêm relatando achados convergentes aos do presente estudo (22, 25). Uma exceção foi relatada por Horta et al. (23), que identificaram uma proporção significativamente maior de fumantes entre as moças em comparação aos rapazes.
A religiosidade é um construto complexo e multidimensional, com diferentes domínios que podem se configurar tanto em fator de proteção quanto em fator de risco à saúde do adolescente (26). A associação entre religiosidade e condutas de saúde parece ser decorrente, ao menos em parte, das doutrinas adotadas pelas diferentes denominações religiosas, que proíbem a adoção de comportamentos sabidamente danosos à saúde, além de prescrever condutas que podem ter impacto positivo em muitos indicadores de saúde.
Há de se comentar também que as restrições e prescrições impostas por doutrinas religiosas podem se configurar tanto em fator de proteção quanto em fator de risco para muitos dos mais relevantes problemas de saúde pública na atualidade. Exemplos de como essas prescrições podem afetar negativamente a saúde incluem, entre outros, a proibição do uso de preservativos em religiões que prescrevem a abstinência como único método contraceptivo.
Rew e Wong (17) revisaram evidências da interrelação entre religiosidade/espiritualidade e condutas e atitudes de risco à saúde. Foram incluídos todos os estudos que investigaram algum domínio de religiosidade. Dos 43 estudos revisados, após controle para as variáveis de confusão, 33 demonstraram efeitos positivos de fatores de religiosidade/espiritualidade sobre condutas de saúde.
Nos estudos sobre associação entre religiosidade e exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo (7, 14, 17, 18, 25-29), as abordagens de investigação têm enfocado tanto fatores intrínsecos (religiosidade pessoal, fé, acreditar em Deus e ser praticante de uma religião) quanto fatores extrínsecos (educação religiosa na infância, afiliação religiosa e religiosidade dos pais). De uma maneira geral, esses estudos evidenciaram que tanto os fatores intrínsecos quanto os extrínsecos protegem os adolescentes da exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e do tabagismo.
Esse aspecto também ficou evidenciado pelos resultados da presente investigação. Tanto a "prática religiosa" (fator intrínseco) quanto a "afiliação religiosa" (fator extrínseco) foram identificados como variáveis associadas à exposição ao consumo de álcool e de tabaco em adolescentes. Além disso, o efeito protetor da prática religiosa permaneceu mesmo após ajustamento para a afiliação religiosa e outros fatores demográficos e socioeconômicos. Similarmente, observou-se um efeito protetor da afiliação religiosa, mesmo após ajustamento para a variável "prática religiosa", sendo que os evangélicos, quando comparados aos adolescentes que relataram "não ter afiliação religiosa", estiveram expostos a menor risco de exposição ao consumo de álcool e tabaco.
No estudo conduzido por Marsiglia et al. (26), após controle para afiliação religiosa (fator extrínseco) e outras variáveis, verificou-se que o efeito protetor da religiosidade (grau relatado de envolvimento com a própria religião, um fator intrínseco) permaneceu somente em relação ao uso de álcool na vida, mas não explicou significativamente a exposição ao tabaco e à maconha. Uma evidência que parece ser bastante convergente entre os estudos é que os fatores intrínsecos parecem ter maior força de associação com a exposição ao consumo de álcool e de tabaco do que os fatores extrínsecos. A esse respeito convém mencionar o artigo de Kliewer e Murrelle (25), que investigaram a existência de associação entre religiosidade e consumo de bebidas alcoólicas, drogas e tabaco em uma amostra representativa de adolescentes do Panamá, Costa Rica e Guatemala. Esses autores verificaram que "acreditar em Deus" (um fator intrínseco) foi o principal fator de proteção em comparação a outras variáveis religiosas relacionadas ao ambiente familiar (religião dos pais) e escolar (educação religiosa).
Especificamente em relação ao consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo na adolescência, parece haver forte evidência de efeito protetor de fatores relacionados à religiosidade. Todavia, Rostosky et al. demonstraram que esse efeito protetor só ocorre em jovens com orientação heterossexual (29). No mesmo sentido, Van den Bree et al. (30) observaram que o baixo envolvimento religioso é capaz de predizer tanto a progressão em relação ao hábito de fumar quanto o insucesso das tentativas de cessação, embora esse tipo de efeito só tenha sido observado entre os rapazes.
Os achados relatados nesses estudos advertem para a necessidade de cautela ao generalizar as evidências quanto ao efeito protetor da religiosidade em relação ao uso de bebidas alcoólicas e ao tabagismo em pessoas jovens - principalmente porque alguns estudos têm revelado que, em certos subgrupos populacionais, a religiosidade pode não ter associação com condutas de saúde, ou tal associação pode ser mediada por fatores que ainda não foram suficientemente investigados ou esclarecidos.
Conclusões
De forma semelhante ao que vem sendo relatado em investigações congêneres, os resultados deste estudo sugerem que fatores relacionados à religiosidade podem atuar como determinantes da exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabagismo na adolescência. O estudo evidenciou que fatores religiosos intrínsecos (prática religiosa) e extrínsecos (afiliação religiosa) estão associados à exposição ao consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo neste grupo populacional. Estes resultados se confirmaram mesmo após ajustamento das análises para potenciais variáveis de confusão.
Futuros estudos precisam ser conduzidos a fim de estabelecer como esse papel modulador pode ser empregado em intervenções e campanhas de saúde pública. É preciso também esclarecer melhor o papel dos fatores mediadores da associação entre religiosidade e condutas de saúde na adolescência e na transição dessa para a fase adulta da vida.
Agradecimentos. O presente estudo contou com o Apoio a Projetos de Pesquisa (Processo 486023/2006-0) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com bolsas de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE).
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