Lisiane B. Araújo
William B. Gomes
Instituto de Psicologia - UFRGS
William B. Gomes
Instituto de Psicologia - UFRGS
As expectativas em relação aos efeitos do álcool exercem influências importantes no início e manutenção do uso de álcool e na emissão de comportamentos relacionados a este uso (Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989; Cooper, Russell, Skinner, Frone, & Mudar, 1992; Smith, Goldman, Greenbaum, & Christiansen, 1995). Antes mesmo do indivíduo consumir qualquer tipo de bebida alcoólica em sua vida, vão se formando expectativas claras a respeito dos efeitos do álcool (Christiansen, Goldman, & Inn, 1982; Cox, & Klinger, 1988). As expectativas desenvolvem-se através de modelos parentais e do grupo de pares, experiências diretas e indiretas com bebidas alcoólicas, e exposição à propaganda (Donovan, & Marlatt, 1980; Christiansen, Smith, Roehling, & Goldman, 1989).
A importância do estudo das expectativas em relação aos efeitos do álcool entre adolescentes está no impacto das experiências deste período do desenvolvimento sobre as práticas de beber na idade adulta. A comparação de diferentes padrões de uso do álcool na adolescência demonstrou que bebedores mais freqüentes apresentam expectativas mais fortes e mais específicas do que bebedores menos freqüentes. As expectativas de bebedores mais freqüentes, em geral, relacionam-se com os seguintes aspectos: mudanças no comportamento social; aumento da agressividade; mais prazer e melhor desempenho sexual; aumento de poder; e redução de tensão. Por sua vez, bebedores menos freqüentes apresentaram expectativas amplas de aumento de prazer (Brown, Goldman, Inn, & Anderson, 1980; Christiansen, Goldman, & Inn, 1982; Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989).
As peculiaridades de cada história de consumo de álcool trazem, paralelamente, um conjunto de expectativas de efeitos que refletem esta história. Inicialmente, as relações entre o uso do álcool e suas conseqüências são aprendidas vicariamente, existindo antes da experiência direta com bebidas alcoólicas. Estas expectativas de conseqüências influenciam a decisão de beber. Expectativas de confiança e bem-estar podem ser confirmadas pela experiência com o álcool e fortalecer as expectativas previamente existentes, especificando-as. A partir daí, as expectativas passam a influenciar a atenção, de modo que eventos consistentes com as expectativas são selecionados e registrados. Esta influência recíproca entre as expectativas e experiências com álcool é observada em adolescentes com expectativas altas. Eles tendem a beber mais e a experimentar mais conseqüências confirmatórias de suas expectativas, em uma retroalimentação positiva. Indivíduos com baixa expectativa em relação aos efeitos do álcool, especialmente quanto à facilitação social, têm menor probabilidade de serem submetidos a estas influências (Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989; Smith, Goldman, Greenbaum, & Christiansen, 1995).
Os estudos sobre expectativas em relação ao álcool têm utilizado escalas fatoriais. Estas escalas têm sido questionadas quanto à validade discriminativa de suas subescalas e à suposição de que estas subescalas seriam discretas e independentes (Leigh, 1989a e 1989b). Além disso, as escalas foram criticadas por utilizarem uma técnica de escolha forçada, fazendo com que expectativas irrelevantes e não dominantes fossem também submetidas à avaliação do sujeito (Gustafson, 1989).
A importância das expectativas dominantes de cada indivíduo vem sendo ressaltada nos últimos anos como uma possível explicação para as diferenças entre expectativas positivas e negativas na decisão de beber (Goldman, Brown, Christiansen, & Smith, 1991). Esta nova abordagem permite uma variedade de possibilidades teóricas a serem exploradas empiricamente. A direção das pesquisas apontam para a investigação da natureza da relação das expectativas e o comportamento de ingerir álcool, muito mais do que simplesmente afirmar a relação entre estas duas variáveis (Leigh, 1989a).
A presente investigação visou esclarecer como as expectativas em relação aos efeitos do álcool entre adolescentes clarificam-se através de suas histórias pessoais em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, privilegiando as expectativas dominantes de cada indivíduo. Investigou-se como as expectativas estão relacionadas no contexto da experiência de adolescentes com o álcool e quais as funções que o álcool pode desempenhar na adolescência.
A pesquisa utilizou uma abordagem descritiva para tipificar as relações entre diferentes tipos de experiências de adolescentes com o álcool e os efeitos esperados associados a elas. Para isto, obteve-se depoimentos quanto ao tipo de efeito que adolescentes esperam do álcool através de uma metodologia qualitativa. Estudos qualitativos, em geral, requerem um número pequeno de sujeitos participantes. Por conseguinte, uma dificuldade é a escolha destes sujeitos. Para solucionar esta questão, utilizou-se procedimentos semelhantes aos de Buchanan (1992). Inicialmente foi realizado um estudo quantitativo para identificar potenciais participantes e desta forma viabilizar uma escolha sistemática para a composição dos participantes do estudo qualitativo. Assim, esta investigação foi subdividido em dois estudos interdependentes, com questões de pesquisa próprias.
Estudo 1
O objetivo deste estudo foi definir critérios para a seleção de sujeitos para a entrevista do Estudo 2 através da investigação de: 1) quais os tipos de bebida, local de consumo, freqüência de uso, idade de experimentação mais comuns entre adolescentes estudantes de uma escola pública; 2) quais os efeitos mais freqüentes que estes adolescentes esperam experienciar quando ingerem bebidas alcoólicas e como estes efeitos são percebidos (agradáveis ou desagradáveis); 3) quais as relações entre os padrões de uso do álcool no último mês (nenhuma vez, de um a cinco vezes, mais de seis vezes) e as expectativas dos adolescentes quanto aos efeitos do álcool.
Método
Sujeitos
Foram sujeitos 188 estudantes de uma escola estadual de Porto Alegre. As idades variaram de 14 a 22 anos. A média de idade dos sujeitos foi 16 anos, sendo 15 anos a idade mais comum (31,9%). Quanto ao sexo, 66 sujeitos eram do sexo masculino (35,1%) e 122 do sexo feminino (64,9%). A escola encontra-se na área central de Porto Alegre e atende estudantes das classes média e baixa. Os responsáveis pela escola designaram as turmas para a aplicação do instrumento de acordo com a disponibilidade dos alunos no dia da coleta. Participaram sete turmas (quatro do turno da manhã e três do turno da tarde). Os alunos cursavam o primeiro ano (4 turmas) e segundo ano (3 turmas) do segundo grau.
Instrumentos e Procedimentos
Os dados foram obtidos através de um protocolo de seis itens (Tabela 1). Os três primeiros itens do protocolo dizem respeito ao consumo de álcool: idade de experimentação, ocasião em que bebe e tipo de bebida geralmente consumida. Os dois itens seguintes (4 e 5) tratam, de forma interdependente, dos efeitos esperados do álcool. No item 4, o sujeito responde quais efeitos espera que o álcool provoque sobre seu comportamento e emoções. No item 5, ele deve classificar cada um dos efeitos citados em agradável e desagradável e justificar a classificação. O último item (6) investiga o número de vezes que o sujeito consumiu álcool no último mês e tem o objetivo de definir padrões de uso de álcool do seguinte modo: Padrão A quando o sujeito não fez uso de álcool no último mês; Padrão B quando o álcool foi usado de 1 a 5 vezes no último mês; e Padrão C quando o álcool foi usado em 6 ou mais vezes no último mês. Solicitou-se que cada sujeito colocasse apenas seu primeiro nome e sua turma como identificação. Informou-se que alguns sujeitos seriam sorteados para participar de uma segunda parte da pesquisa, que constaria de uma entrevista. Deixou-se claro que a participação na entrevista não era obrigatória para os sorteados.
Tabela 1. Protocolo do Estudo 1
Nós fazemos parte de um grupo de pesquisa da UFRGS e estamos interessados em conhecer mais a opinião de adolescentes a respeito de alguns temas do cotidiano. Este questionário tem o objetivo de saber mais sobre as atitudes das pessoas em relação às bebidas de álcool. Para isso, estamos precisando da participação de vários adolescentes. Queremos deixar claro que as informações desta folha só serão vistas pelas pessoas envolvidas na pesquisa. As perguntas são bem simples e rápidas. Elas não tem certo nem errado. Responda o que tu pensas. Queremos saber tua opinião. Alguma dúvida? Pergunte ao aplicador (a) do questionário. | |||
Nome: ......................................................................................................................................................... | |||
Turma.................... | Idade ................................ | Sexo | |
( ) F | ( ) M | ||
1. Tu já experimentaste alguma bebida alcoólica? Se a resposta for "sim", diga com que idade tu tomaste uma bebida de álcool pela primeira vez? | |||
2. Tomas alguma bebida alcóolica? Se a resposta for "sim" , diga em que ocasiões tu geralmente tomas bebidas alcoólicas? | |||
3. Qual o tipo de bebida que geralmente tu bebes? | |||
4. Cite três efeitos que tu acreditas que uma quantidade moderada de álcool (nem muito, nem pouco) produz no teu comportamento e nas tuas emoções. | |||
1o - | |||
2o - | |||
3o - | |||
5. Quais destes efeitos que tu citaste são agradáveis e quais são desagradáveis pra ti? | |||
1o - Agradável ( ) | Desagradável ( ) | Por Que? ................................................... | |
2o - Agradável ( ) | Desagradável ( ) | Por Que? .................................................. | |
3o - AGRADÁVEL ( ) | DESAGRADÁVEL ( ) | a | |
6. De um mês para cá, quantas vezes tu tomaste alguma bebida alcoólica? | |||
( ) Nenhuma Vez | ( ) De 1 A 5 Vezes | ( ) De 6 Ou Mais Vezes |
Resultados
A idade e o sexo dos sujeitos, bem como suas respostas aos itens 1 a 3 foram analisadas utilizando estatística descritiva das freqüências simples bem como porcentagens. Os efeitos citados pelos sujeitos no item 4 foram separados em duas categorias (agradáveis e desagradáveis), com base na classificação produzida pelos sujeitos no item 5 e submetidos à análise de conteúdo, que determinou subcategorias de efeitos. O qui-quadrado (c2) com um alfa de 5% foi usado para verificar a ocorrência de associações entre os itens de 1 a 5 e os padrões de uso de álcool definidos pelo item 6.
Dada a importância das respostas do item 6 para a análise dos resultados cabe informar, inicialmente, que a classificação dos padrões de uso de álcool obtidas foi a seguinte: Padrão A (aqueles que não beberam no último mês) contou com 70 estudantes (37,2%); o Padrão B (aqueles que beberam de 1 a 5 vezes neste período) apresentou maior número de sujeitos, ou seja, 78 (41,5%), enquanto o Padrão C (aqueles que beberam seis ou mais vezes) teve 40 sujeitos (21,3%).
Levando-se em conta a idade dos sujeitos, o Padrão A distribuiu-se da mesma forma em todas as idades (40%), mas com um percentual menor entre adolescentes de 15 anos (23%). O Padrão B foi encontrado em 55% dos sujeitos de 15 anos. Já o Padrão C foi encontrado em mais de 20% dos 14 aos 16 anos, mas diminuiu este percentual entre os sujeitos de 17 (12%) e 18 (16%) anos. A classificação das respostas do item 1 do protocolo de acordo com o Padrão de uso do álcool no último mês (Padrão A, B ou C) mostrou que a idade média de experimentação de bebidas alcoólicas foi de 14 anos para o Padrão A e de 12 anos para os Padrões B e C.
Quanto ao sexo, as mulheres apareceram em maior número no Padrão C (beberam mais de 6 vezes no último mês). Dos 40 sujeitos do Padrão C, 32 (80%) são mulheres. Estes dados, no entanto, podem ser decorrentes de distorções da amostra. Não foi encontrada diferenças entre sexos quanto aos padrões de consumo de álcool (c2 = 5,1) gl = 2 a <0,1).
As festas foram mencionadas como ocasiões de maior consumo de álcool (item 2). Ressalve-se, contudo, que o item não foi específico e as respostas nem sempre distinguiram o tipo de festa. Assim, estão incluídos como festas as comemorações familiares, aniversários, festividades e encontros com amigos. As bebidas citadas no item 3 foram classificadas quanto ao teor alcoólico do seguinte modo: baixo teor para bebidas com até 5% de álcool como, por exemplo, cerveja, chope e coolers; médio teor para bebidas entre 10% e 18% de álcool como, por exemplo, vinho e champanhe; e alto teor para bebidas acima de 20% como, por exemplo, uísque, cachaça, vodca, licor, caipirinha e coquetéis contendo destilados (cuba libre, hi-fi, gim-tônica, batidas).
Nem todos os sujeitos, contudo, citaram as bebidas alcoólicas que costumam beber. Indivíduos do Padrão A não citaram qualquer tipo de bebida alcoólica (23 sujeitos) ou citaram refrigerante como bebida geralmente usada (12 sujeitos). Sendo assim, 35 sujeitos citaram 39 bebidas. Já no Padrão B, apenas um sujeito deixou de citar a bebida que geralmente consome. Sendo assim, 77 sujeitos citaram 126 bebidas. No Padrão C todos os sujeitos citaram bebidas alcoólicas, totalizando 139. Cada sujeito do Padrão C citava, em média, três bebidas, sendo que um sujeito chegou a citar nove bebidas diferentes. Considerando-se apenas se um tipo de bebida foi citado ou não, sem levar em conta o número de vezes que foi citado, observou-se que este também variou conforme o padrão de uso: o Padrão A citou cinco tipos de bebidas diferentes; o Padrão B citou 12 e o Padrão C citou 18. Isto indica um maior número de bebidas diferentes experimentadas e regularmente consumidas por aqueles que beberam com maior freqüência no último mês. A festa foi a ocasião de consumo mais citada, independentemente do sexo ou Padrão de uso. A alta freqüência de uso do álcool no último mês (Padrão C) associou-se a um consumo mais elevado de bebidas de alto teor alcoólico em detrimento do consumo de bebidas de baixo teor (Tabela 2). Os padrões A e B consomem mais bebidas de teor alcoólico médio e baixo e menos bebidas de alto teor.
Tabela 2. Número de vezes que bebidas de diferentes teores alcoólicos foram citadas como geralmente usadas pelos sujeitos Padrões A, B e C.
Padrão | Teor Baixo | Teor Médio | Teor Alto | Total |
A | 24 (16,80) | 13 ( 7,69) | 2 (14,49)* | 39 |
B | 68 (54,29) | 26 (24,86) | 32 (46,83)* | 126 |
C | 39 (59,89)* | 21 (27,43) | 79 (51,66)* | 139 |
Total | 131 | 60 | 113 | 304 |
*c2 = 48,9 gl = 4 a < 0,001
Lembrem-se que após citar os efeitos que esperava do álcool no item 4 do protocolo, o sujeito deveria classificar cada um como agradável ou desagradável para si, no item 5. Dos 188 sujeitos, 154 (82%) responderam estes itens de maneira completa. Dos 406 efeitos citados, 42,4% foram classificados pelos sujeitos como agradáveis e 57,6% como desagradáveis. A comparação do número de efeitos agradáveis e desagradáveis, citados pelos Padrões de consumo de álcool no último mês, mostrou que o número de efeitos agradáveis esperados era significativamente menor para o Padrão A do que para os padrões B e C (c2 = 21,5 gl = 2 a <0,001).
A justificativa apresentada para indicação dos efeitos esperados do álcool mostrou que os mesmos efeitos podiam ser percebidos como agradáveis ou desagradáveis. Assim observou-se que enquanto sentir-se alegre era agradável para alguns, para outros a alegria provocada pelo álcool parecia falsa, fazendo com que a sentissem sem motivo. Do mesmo modo, a desinibição pareceu agradável quando permite que a pessoa fale e faça o que quiser e desagradável quando este falar ou este fazer são inconvenientes, levando ao arrependimento por estas ações. A sonolência e a tontura não são efeitos diretos sobre o comportamento como a alegria e a desinibição. São efeitos sobre o próprio corpo. Alguns indivíduos perceberam o efeito da sonolência como agradável pois o álcool facilitaria a conciliação do sono. No entanto, para outros a sonolência pareceu desagradável, como por exemplo sentir sono em ocasiões sociais ou durante uma festa. Já a tontura enquanto efeito agradável aparece ligada a uma sensação de leveza. Quando tontura é considerada desagradável, geralmente é justificada por uma perda de controle dos movimentos, com dificuldade para andar ou enxergar (Tabela 3).
Tabela 3. Efeitos do álcool categorizados em agradáveis e desagradáveis
Agradáveis: a) Alegria: divertimento, festa; prazer de viver; qualidade ou estado de alegre; contente, satisfeito. b) Desinibição: ato ou efeito de desinibir-se. Desinibir é fazer cessar a inibição, o acanhamento a timidez. c) Sonolência: sono imperfeito, disposição para dormir, sopor, soneca, sono; transição entre o sono e a vigília, entorpecimento, inércia, inatividade, lombeira (moleza de corpo, quebrantamento de forças). d) Tontura: estado de tonto, de zonzo. e) Sentir-se diferente: mudanças na percepção de estímulos originados no interior do próprio organismo. Estranhamento, mudanças na faculdade de conhecer, perceber, apreciar; noção, senso. f) Esquecer problemas: distrair-se de coisas desagradáveis. g) Normal: beber sem perceber alterações no comportamento e nas emoções. | Desagradáveis: a) Alegria: idem b) Desinibição: idem c) Sonolência: idem d) Tontura: idem e) Sentir-se diferente: idem f) Tristeza: qualidade ou estado de triste, falta de alegria. g) Dor de cabeça: cefaléia h)Mal-estar: indisposição ou perturbação orgânica; incômodo; mal do estômago, enjôo. i)Agressividade: disposição para agredir alguém; brigar, ofendendo ou machucando outros |
A seguir as respostas foram agrupadas conforme o Padrão de uso de álcool do sujeito no último mês, ou seja, Padrão A (não bebeu nenhuma vez), Padrão B (bebeu de uma a cinco vezes) e Padrão C (bebeu mais de seis vezes). O objetivo deste agrupamento foi traçar um perfil mais preciso a respeito de que tipo de efeitos cada padrão de consumo espera e como os três padrões expressam-se em relação a este aspecto.
Todos os padrões consideraram alegria e desinibição como agradáveis. Sentir-se diferente e sonolento são efeitos mais freqüentemente citados pelo Padrão C. Esquecer problemas destacou-se como uma categoria citada apenas pelos padrões B e C (9% e 6%, respectivamente). O Padrão C não apontou como desagradáveis os efeitos alegria, tristeza e sentir-se diferente, enquanto os padrões A e B o fizeram. Já dor de cabeça e agressividade foram classificados como efeitos desagradáveis. A indicação destes efeitos decrescia conforme aumentava o consumo de álcool no último mês.
Um perfil de efeitos típicos e atípicos citados em cada categoria - agradáveis e desagradáveis - para cada Padrão de uso do álcool no último mês, mostra que: 1) para aqueles que não beberam no último mês (Padrão A), os efeitos agradáveis tipicamente esperados foram alegria e desinibição e os principais efeitos desagradáveis citados foram tontura, dor de cabeça e desinibição; 2) entre os indivíduos do Padrão B (que beberam de 1 a 5 vezes no último mês), além de alegria e desinibição, tontura e esquecer problemas são os efeitos agradáveis mais tipicamente citados. Entre os efeitos desagradáveis, os mais freqüentes foram tontura, desinibição, dor de cabeça e mal estar; 3) para o Padrão C, ou seja, indivíduos que beberam mais de 6 vezes no último mês, alegria, desinibição, sonolência e sentir-se diferente foram as subcategorias da categoria agradáveis mais citadas. Os principais efeitos desagradáveis para o Padrão C foram tontura, sonolência, desinibição, mal estar e o efeito atípico, agressividade.
Observou-se, portanto, que os indivíduos do Padrão A experimentaram bebidas alcoólicas mais tarde, preferem consumir bebidas de baixo teor alcoólico e têm menos expectativas positivas em relação aos efeitos do álcool se comparados com os sujeitos dos Padrões B e C.
Em relação aos efeitos esperados, verificou-se também que 76% dos efeitos agradáveis esperados pelo Padrão A foram alegria e desinibição. Estas subcategorias respondem por apenas 68% dos efeitos citados pelos Padrões B e C, pois estes Padrões citaram tontura, sentir-se diferente e esquecer problemas com percentuais entre 5 e 10%. Sendo assim, o padrão A contrastou com os demais Padrões quanto ao uso do álcool e quanto às expectativas positivas em relação aos seus efeitos.
Discussão
Evidenciou-se uma diferença importante entre os Padrões quanto ao consumo de bebidas de alto teor alcoólico, sendo este progressivamente maior quanto mais freqüente o uso de álcool no último mês. Estes resultados são semelhantes aos de Pechansky (1993). O autor verificou que as bebidas de alto teor alcoólico são mais consumidas por aqueles que beberam mais no último mês, e são preferidas em situações de consumo excessivo e porres.
Quanto à idade de experimentação, o grande percentual de meninas no Padrão C (80%) pode ser responsável pela observação da experimentação tardia. Pechansky (1993) registrou uma experimentação mais precoce entre meninos. Somente quando a idade de experimentação ultrapassa os 13 anos esta diferença entre os sexos diminui.
Em relação às expectativas, o número reduzido de efeitos agradáveis esperados (expectativas positivas) no Padrão A confirmou o estudo de Araujo, Rushel, Lima e Costa (1994). As subcategorias de efeitos agradáveis demonstraram que possivelmente expectativas positivas mais específicas de tontura, esquecer problemas e sentir-se diferente diferenciam os padrões B e C do Padrão A, que tem apenas expectativas gerais de Alegria e Desinibição. A literatura sobre expectativas aponta para uma tendência de desenvolvimento de expectativas mais específicas entre bebedores freqüentes (Brown, Goldman, Inn, & Anderson, 1980; Christiansen, Goldman, & Inn, 1982; Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989).
Estudo 2
Os dados obtidos através do protocolo foram utilizados na seleção dos sujeitos para o Estudo 2, que investigou: 1) o conteúdo das expectativas em relação ao álcool, e 2) as combinações entre o uso e as expectativas dos efeitos do álcool no contexto da experiência de adolescentes.
Método
Sujeitos
Neste estudo, entrevistou-se nove dos 188 estudantes, selecionados com base em: 1) idades de 14 a 16 anos; 2) freqüência de uso do álcool no último mês, e 3) respostas dadas aos itens 4 e 5 do protocolo. A freqüência de uso do álcool no último mês foi utilizada para a definição de Padrões de uso do álcool no mês: Padrão A (nenhuma vez); Padrão B (de uma a cinco vezes) e Padrão C (mais de seis vezes). A estratégia de escolha dos sujeitos foi selecionar três estudantes de cada Padrão de uso do álcool no último mês com expectativas típicas e atípicas de seu respectivo Padrão. Isto produziu uma amostra heterogênea, ressaltando contrastes e ampliando as singularidades entre os entrevistados e entre os Padrões (Gomes, 1989). O fato de um sujeito expressar um efeito atípico pode indicar que ele é mais sensitivo ou perceptivo, ou mais hábil em expressar-se e não significa que seja um caso pouco representativo de seu grupo (Buchanan, 1992). Este tipo de depoimento é justamente aquele que dificilmente é apanhado por questionários padronizados ou entrevistas com representantes da maioria. O grupo de entrevistados foi composto por dois homens e sete mulheres (duas mulheres e um homem dos Padrões A e B e três mulheres do Padrão C). O número maior de mulheres deve-se à proporção de praticamente duas mulheres para um homem na amostra do Estudo 1. O grande percentual de sujeitos do sexo feminino (80%) no Padrão C resultou na escolha de apenas um sujeito do sexo masculino, que não quis ser entrevistado. Desta forma, apenas mulheres foram entrevistadas no Padrão C.
Instrumentos e Procedimentos
Este estudo utilizou uma entrevista semi-estruturada e flexível quanto à ordem dos tópicos a serem abordados. Em média, a duração da entrevista foi de 30 minutos. No momento da entrevista, a entrevistadora desconhecia as informações do protocolo do sujeito no Estudo 1, visando-se minimizar a influência destas informações. O roteiro foi composto de seis seções, divididos em tópicos. Um aspecto importante deste roteiro foi a criação de situações hipotéticas, que possibilitaram variações imaginárias produzidas pelo próprio sujeito (Tabela 4).
Tabela 4. Roteiro da entrevista do Estudo 2
I TIPO DE BEBIDA - Vamos imaginar que tu tenhas na tua frente um cardápio cheio de bebidas para escolher. O que te faria escolher um tipo e não outro? Que bebidas tu já experimentaste? Como foram as primeiras vezes que tu bebeste? II OCASIÃO EM QUE BEBE - Em geral, como são os momentos em que tu bebes? (Lugar - companhia - tempo - como se sente.) - Tu te lembras de alguma vez em que tu ou outra pessoa bebeu e que te marcou de alguma forma? Como foi? - Na tua casa tem algum tipo de costume em relação a beber, ou seja, tem determinadas ocasiões em que vocês bebem em família? (Ex.: nos churrascos, nos fins de semana, antes ou durante as refeições, etc.) [SE SIM PERGUNTAR: tu já pensaste a respeito deste costume? Como são estes momentos?] - E com os teus amigos? Vocês têm algum costume ou modo de beber? (Ex.: sempre antes de saírem, na casa de alguém ou algum bar, tipo de bebida) [SE SIM PERGUNTAR : Como estes costumes se formaram? Como são estes momentos? São sempre os mesmos que participam?] - Como seria uma festa sem que ninguém tenha bebido? (Não haveria bebida alcoólica porque o pai da moça que daria a festa não conseguiu comprar e estava oferecendo apenas suco de laranja - o estoque do clube ou casa noturna acabou e só havia refrigerante para vender.) - E se todo mundo bebesse, menos tu, como tu te sentirias? O que tu farias? (Não poderia beber porque estava tomando um medicamento - chegou atrasado para a festa e todos já estavam bebendo antes.) III. EFEITOS E QUANTIDADE DE BEBIDA (Tentar construir uma situação hipotética em que tu estejas bebendo - perguntar sobre os efeitos.) - Como é que tu decides a quantidade de bebida que tu vais beber? IV. BEBIDA E COMPORTAMENTO - Como é que tu ficas quando bebes demais? - Como é que tu percebe quando uma pessoa que bebeu demais? O que muda? - A bebida atrapalha alguma coisa? - A bebida ajuda em alguma situação V. CONVENCER QUEM NÃO BEBE A BEBER - O que os outros pensam de um guri que não bebe? E de uma guria que não bebe? - O que tu dirias para um amigo ou amiga tua que não costuma beber se tu quisesses convencer ele ou ela a beber (experimentar)? (Ex.: Estar em um bar com um amigo que não bebe, mas tu queres dividir uma bebida com ele.) VI LEI - Tu sabias que existe, há muitos anos, uma lei que proíbe a venda de bebidas com álcool para quem tem menos de 18 anos? Como tu achas que seria se essa lei fosse cumprida e os menores não pudessem mais comprar bebida? |
Resultados
A análise dos depoimentos obtidos nas entevistas consistiu de três fluxos de atividades: redução dos dados, exposição dos dados e conclusão/verificação, como mostra a Tabela 5 (Ablamowicz, 1992; Gomes, 1989; Miles, & Huberman, 1994).
Tabela 5. Fases da análise estrutural
FASE I: REDUÇÃO 1. Organizar a transcrição das entrevistas. 2. Utilizando a transcrição das entrevistas, identificar e separar os temas abordados nos relatos em unidades de sentido. 3. Selecionar e agrupar os temas emergentes em categorias ou tipologias gerais. FASE II: EXPOSIÇÃO 4. Refletir a respeito dos temas para descobrir suas relações com as expectativas em relação ao álcool. 5. Selecionar trechos das entrevistas que tipifiquem os diferentes temas emergentes. Estes tipos ideais permitem ao pesquisador ilustrar modos particulares de pensamento a respeito de uma categoria descritiva utilizando fragmentos de diferentes pontos de uma ou mais entrevistas (Buchanan, 1992). 6. Traçar uma estrutura organizada e condensada das informações para permitir conclusões (quadros ou redes por exemplo). FASE III: CONCLUSÃO VERIFICAÇÃO 7. Gradualmente, elaborar um conjunto de generalizações que abarquem as consistências emergentes dos dados. 8. Confrontar estas generalizações com o corpo de conhecimentos existentes, para chegar a uma descrição fundamental das expectativas de adolescentes em relação ao álcool. |
Fase I: Redução
As entrevistas foram gravadas, transcritas em um editor de textos e tiveram suas linhas numeradas. Após a numeração das linhas, identificou-se os temas abordados em unidades de sentido, pontuando manualmente observações ao lado das linhas específicas. Os temas emergentes foram então agrupados em tipologias gerais, utilizando-se a numeração das linhas. Um programa de computador agrupou as linhas selecionadas em arquivos com o nome das tipologias gerais.
Trinta e oito temas emergentes foram agrupados em seis tipologias gerais: 1) Beber com a família e a experimentação; 2) Beber com os amigos e embriagar-se; 3) Beber para parecer adulto; 4) O álcool como facilitador da sexualidade; 5) Uso do álcool como medicamento; e 6) O álcool ajuda a esquecer problemas.
Fase II: Exposição
A exposição traz a narrativa das seis categorias. Enquanto narrativa, tem como núcleo central o universo contextual do adolescente. A descrição de cada categoria revela, gradativamente, como a família e o grupo de pares influenciam as expectativas do adolescente em relação a bebida.
1) Beber com a família e a experimentação
As primeiras experiências com o álcool ocorrem tardiamente no Padrão A e em ocasiões festivas com a família. Os adolescentes do Padrão B experimentaram álcool ainda na infância, oferecido pelos pais em refeições. O Padrão C apresentou uma experimentação tardia em companhia dos amigos. Estas diferenças no tipo de experimentação podem estar ligadas ao tipo de uso de álcool que faz a família. As famílias do Padrão A raramente consomem bebidas alcoólicas e, portanto, as oportunidades de experimentação são menores. No Padrão B, as famílias bebem com maior freqüência - nos fins de semana, por exemplo - e consomem bebidas de baixo teor alcoólico. As famílias do Padrão C bebem também com maior freqüência, mas bebidas de médio ou alto teor alcoólico. O teor alcoólico da bebida consumida pode influenciar no tipo de exposição da criança ou adolescente propiciada pela família.
A experimentação tardia, entretanto, não assegura um uso moderado do álcool nas primeiras experiências, especialmente se o adolescente está exposto a um modelo inadequado em sua iniciação. O sujeito AM33 exemplifica peculiarmente uma experimentação recente - aos 16 anos - em companhia do pai, um alcoolista. Entraram em um bar e o pai pediu um Samba (mistura de bebida de cola com cachaça) para cada um. A seguir AM3 conta a sua história:
Daí o pai pediu um copão cheio, né. Daí tomei, né. Um atrás do outro. Ligeiro. Quando eu vi já tava tonto, né? Podia caí no chão, não sentia nada; dor, nada. Aí foi a primeira vez que eu fiquei tonto na vida mesmo. (89-95)
O fato dos adolescentes beberem com suas famílias propiciou um aprendizado sobre os limites para parar de beber. Estas famílias dão pistas verbais a respeito das mudanças que observam no comportamento do adolescente que está bebendo, orientando-o para evitar a embriaguez. Beber com a família pode ser uma preferência, pois é uma forma segura de consumo.
BF1: E pra falar sério, com meus amigos eu não gosto de bebê. Só quando tem alguém da minha família. Não sei. Daí todo mundo fala 'ah, não sei o quê, só com a mamãe, a mamãe não deixa'. E eu: não, mas nada a vê. Acho que eu me sinto mais livre, sabe, quando tem alguém da minha família junto comigo e eu tô bebendo. E... Ah, porque depois fica xarope, vão dizê que eu tô bebendo longe. Ah, sempre tem uns papo, sabe? Geralmente quando tá a minha mãe eu bebo. Ela também me ajuda, né: não, vamo pará, não sei o que. Coisa de mãe. (217-234)
2) Beber com os amigos e embriagar-se
A experiência de embriagar-se é percebida como desagradável pelos adolescentes do Padrão B, que temem a reação dos pais e não consideram prazerosos os efeitos como tontura e desinibição excessiva. A tontura foi um limite escolhido pelos Padrões B e C como aquele em que se deve parar de beber. Entretanto, notou-se que a tontura para o Padrão B é diferente da tontura para o Padrão C. Por exemplo, o limite citado por BF2 é:
É mais dentro de mim, (...) quando eu sinto assim, ó, um pouquinho de tontura assim aí eu paro, dá um tempinho ela passa. Aí eu não bebo mais porque eu sei que se eu bebê mais aí sim eu vô acabá ficando tonta mesmo, entendeu? Eu acho que, não sei, de repente é psicológico, se é meu mesmo. (255-269)
Já CF2 refere-se à tontura como mais intensa:
Quando eu começo a ficá tonta, assim, que eu vejo que tá girando e os meus olho na hora que se mexem tá cheio de areia, que eu vô me levantá que eu sinto que vô ficá tonta, aí eu paro. Eu sento, fico sentada. Tomo uma tônica... (306-312)
O uso do álcool em maior quantidade no Padrão C é compartilhado pelo grupo de amigos. Beber faz parte da amizade, como disse CF3:
Quando a gente costuma se juntar, sempre a gente bebe alguma coisa. Nós vamos nos encontrá, a gente bebia. Nas festa, a gente bebia. Tudo a gente bebia. No meio dos meus amigos aí a bebida rola bastante. Sempre amigos. Sempre. (901-910)
Nas atividades sociais dos adolescentes, especialmente as festas com os amigos, a bebida alcoólica está presente. Para o Padrão A, uma festa sem bebida seria melhor, porque assim poderiam ficar conversando mais com seus amigos, destacando os efeitos indesejáveis da bebida sobre aqueles que bebem. Os sujeitos do Padrão B não consideraram que uma festa sem bebida fosse diferente. Já para o Padrão C, uma festa sem bebida não seria uma festa. A festa perderia a graça, as pessoas não se aproximariam e as pessoas iriam embora ou sairiam para comprar bebida:
CF3: Eu acho que é uma situação desesperadora. Realmente, festa sem bebida acho que não é festa. Por isso que diz festa: onde tem bebida, onde tem isso, tem aquilo. (729-735)
Os adolescentes que bebem com freqüência têm dificuldades para recusar bebida ou dizer que não beberam. Na situação hipotética de uma festa em que não tivessem bebido, as entrevistadas do Padrão C preocuparam-se em como resistir ao oferecimento de bebida. A entrevistada CF3 não gostaria de dizer que não bebeu nada, pois beber faz parte de sua identidade:
É uma coisa muito transparente, não é o que sou eu. (745-747)
O álcool pode atuar como facilitador da aceitação pelo grupo de amigos, especialmente para as adolescentes do Padrão C:
CF1: É que eu não gosto de bebê. Mas eu só bebo pra acompanhá meus amigo, senão me sinto mal, sabe. Ah, eu tomo refrigerante e eles bebendo. Então aí eu tomo. Só assim. (...) Aí só pra não ficá diferente bebendo refrigerante, tá, eu bebo um golinho. Não vai fazê mal. Mas aí, quando eu saio com os meus amigos é bom porque esqueço um pouco a vida assim e aí fico... a gente conversa bastante e bebe bastante. Só que eles bebem mais. (178-185)
3) Beber para parecer adulto
Aqueles que não bebem com os amigos, como os sujeitos do Padrão A, sofrem alguma pressão, principalmente quando se trata dos rapazes. O uso de álcool aparece como uma prova de maturidade, um ritual de passagem para a idade adulta:
BM3: A gente bebe por duas coisas: pra sair da rotina e pra aparecê um pouco também. E por gostá da bebida também. Tudo sempre moderado. (...) saí da rotina porque não é uma coisa que a gente faz todo dia. E aparecê... como é que eu posso dizê... como se fosse... um querê aparecê pro outro... como é que eu vô dizê... já tá crescendo, já tá ficando velho. E assim vai indo, sempre manerando. (147-160)
Os depoimentos em relação ao possível cumprimento da lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores produziu um consenso entre os entrevistados. Mesmo para aqueles que não bebem, o cumprimento desta lei seria difícil de aceitar. O consumo poderia diminuir, mas estratégias seriam desenvolvidas para burlar a lei. O consumo de álcool está tão incorporado na vida dos adolescentes menores de 18 anos que, se não pudessem comprar bebidas alcoólicas, "ficariam revoltados".
4) O álcool como facilitador da sexualidade
Quando um rapaz não bebe, sua virilidade é questionada e sua maturidade também.
BF1: ...porque guri sempre tem aquilo, né. Ah, não faz isso, ah, tem algum problema, mamãe não deixa, é viadinho, sempre aquelas coisa idiota de guri mesmo. (474-478)
CF1:... a gente pensa assim. Eu não penso muito, sabe, minhas amigas mais que são mais cheinha, sabe? Aí assim "ah, ele é santo. Ele não vai fazê nada. Ele não vai passá a mão em mim. Eu não vô ficá com esse cara. Não vô nem conhecê", sabe. É assim. (63-74)
Para as garotas que não bebem, por sua vez, não há pressão para beber. Mesmo entre os jovens, as garotas que não bebem são vistas como virtuosas, pois cuidam de sua saúde. Já a garota que resolve beber, pode fazer escândalo ou ficar assanhada. A opinião de CF1 clarifica estas posições. Ela diz que a guria que não bebe é "santa" e explicita o que acredita ser a opinião dos rapazes sobre a garota que não bebe e a que bebe:
Ai, eu não sei. É porque depende bastante do gosto deles... É que eu não convivo muito com guri porque a minha mãe não deixa, sabe. Minha mãe é aquelas general, sabe. Então... eu não sei direito. Mas eu acho que assim, ó, quanto mais vagabunda a guria, mais eles ficam com ela. Mas é que os guri assim, ó, quanto mais vagabunda, eles só querem ela pra comê, né. E quanto mais santinha, eles querem ela pra casamento. Pra uma coisa séria. Sendo que... na bebida acho que eu não sei. Depende. Só uma guria que fica muito bêbada assim, sabe (...) aí sim que eles pegam pra se aproveitá, né. Agora, quando eles sabem que aquela, aqueles rotulo, aquela só bebe um pouquinho, só pra acompanhá, ou aquela que nem bebe, eles já sabem que aquela guria se dá ao respeito. (84-108)
Esta vinculação do álcool com a sexualidade do adolescente apareceu fortemente na relação das moças com os rapazes, que hoje podem cortejá-los, usando o álcool como um bode expiatório dos comportamentos considerados socialmente inadequados e também para desinibir, especialmente entre as adolescentes do Padrão C. Para CF3, o álcool tem o poder de desinibir, modificando o comportamento da pessoa:
É que tem vários tabus na sociedade. Que quando bebe pode até ultrapassar esses tabus, de chegá, falá com o cara. Hoje, acho que acontece isso, de uma mulher chegá pra um cara, rasgá ele, a mulher querê ficá com ele, mulher se oferecê pra homem. Isso acontece. E a bebida, ela ultrapassa os tabus. Ela não vê tabu. Uma pessoa que é... bebe muito, ela qué fazê... ela qué se descontraí, acontece alguma coisa a mais com ela e ela bebe, então, pela cabeça dela a bebida vai fazê o efeito que ela se libere cada vez mais. (263-246)
As amigas de CF1 prometem para uma menina apaixonada, mas com vergonha de abordar o rapaz que:
Ah, não, tu vai ficá com ele, se tu bebê, tu vai ficá com ele, com certeza. (454-456)
5) Uso do álcool como medicamento
Se CF2 tivesse que dizer que a bebida ajuda em alguma coisa, esta coisa seria o raciocínio. A entrevistada enfatizou dois efeitos antagônicos do álcool, ou seja, estimulante e calmante, que ajudariam a pessoa a raciocinar. Explicou que o álcool seria como um estimulante, como o guaraná. Ajudaria, por exemplo, a fazer uma prova, mas esclareceu:
Ah, mas não tomá em cima, sabe, ir tomando, assim. (...) Como se fosse um medicamento, sabe? Vai fazendo um efeito. Não assim só na hora da prova, mas pra te ajudá, te ajudá a raciociná. (493-509)
Enquanto calmante, o álcool serviria para não deixar a pessoa nervosa. Durante uma prova, a pessoa pode ficar nervosa, atrapalhar-se e esquecer tudo.
Outra entrevistada do Padrão C respondeu que o álcool ajuda a ficar mais feliz, destacando um efeito euforizante do álcool. Uma utilidade desta euforia seria fazer amizades quando uma pessoa não está animada e bebe. O álcool pode, também, ajudar a esquecer problemas quando a pessoa está triste.
6) O álcool ajuda a esquecer problemas
Outro aspecto importante é o uso do álcool para esquecer problemas. Este foi um uso do álcool mencionado por todos os Padrões, quando questionados sobre o que a bebida ajuda. Entretanto, os Padrões A e B condenam este uso:
BF2: Ela não ajuda. Acho que não ajuda pra nada. Acho que tem gente, tem gente que diz 'ai, quando tu tá na fossa é bom tomá um porre'. Eu acho até que de repente na hora tu pode esquecê, mas depois tu vai continuá com ele, com fossa, entendeu? Eu acho que ela não ajuda pra nada. É muito... desculpa de quem qué bebê mesmo. (322-329)
Entre as entrevistadas do Padrão C, este efeito é uma utilidade do álcool naturalmente aceita:
CF1: (Ajuda) a ficá mais feliz (...) É que eu acho que ela ajuda a esquecê. É tipo um... drogas, né? Esquece.... (391-407)
Enfim, o uso do álcool nos Padrões A e B está vinculado a experiências de uso moderado e/ou experimentação com a família, com expectativas amplas de desinibição e um uso do álcool como prova de maturidade. A história de uso do álcool no Padrão C está ligada a um uso com os amigos, também como prova de maturidade, e com expectativas de um melhor desempenho em comportamentos sociais e sexuais.
Fase III: Conclusão
Como última fase da análise, os dados receberam uma releitura baseada nos conhecimentos existentes sobre o tema e foram especificadas algumas implicações possíveis. Estas considerações serão combinadas com as do Estudo 1 em uma discussão final.
Os depoimentos obtidos indicaram uma divisão dos efeitos esperados do álcool em relação ao corpo e em relação ao comportamento. Os efeitos sobre o corpo relacionam-se com a fase disfórica, compondo-se de tontura, sonolência, mal estar, dor de cabeça e ressaca. Observou-se que o Padrão B evita estes efeitos, considerando a embriaguez indesejável. O Padrão C é mais tolerante com os efeitos sobre o corpo e a embriaguez. As expectativas de efeitos sobre o comportamento, referem-se aos acontecimentos da fase inicial de euforia. Efeitos amplos de alegria e desinibição foram abordados por todos os Padrões.
O Padrão A não espera nada além de rir, ficar alegre, falar besteiras. Não relataram porres e, quando bebem, são apenas alguns goles.
O Padrão B relatou o uso do álcool como uma prova de maturidade. Sua experimentação precoce do álcool através da família aponta para uma tendência destas famílias em introduzirem as bebidas alcoólicas como parte da educação ou do desenvolvimento natural das crianças e pré-adolescentes. As famílias orientam o beber, no sentido de evitar a embriaguez. Como resultado, quando eventualmente embriagam-se, os entrevistados do Padrão B preocupam-se com a opinião e a reação dos pais.
O Padrão C foi aquele que mais especificou suas expectativas. As entrevistadas esperaram facilitar relacionamentos sociais, especialmente com amigos. A experimentação de bebidas alcoólicas com os amigos faz com que estas adolescentes não apresentem um controle eficiente sobre a quantidade consumida e um limite frouxo em relação à embriaguez. O porre não é relatado como experiência desagradável. Ao contrário, é ao beber demais que outras expectativas, como esquecer problemas e incremento da sexualidade, validam comportamentos de desabafo dos problemas e sedução, respectivamente.
Outra expectativa específica do Padrão C é que o álcool facilita o raciocínio, como um medicamento. Este tipo de uso do álcool pressupõe um modo de ingestão para obter o efeito desejado e uma crença no poder do álcool de provocar este efeito. Desta forma, o álcool poderá ser responsabilizado pelo comportamento que vier a ocorrer (Critchlow, 1986).
A especificação das expectativas e o tipo de expectativas, encontrados nos bebedores freqüentes (efeitos sobre comportamento social, sexualidade, raciocínio e esquecer problemas) foram verificados também pela literatura de expectativas em relação ao álcool (Brown, Goldman, Inn, & Anderson, 1980; Christiansen, Goldman, & Inn, 1982; Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989; Cooper, Russell, & George, 1988). Estes contrastes das expectativas em relação ao álcool entre diferentes perfis de bebedores são bastante conhecidos (Leigh, 1989a) Em contraste, a proposta destes dois estudos foi examinar as relações entre a história de consumo de álcool e as expectativas.
A seguir, os resultados do Estudo 1 serão utilizados para ilustrar o contexto no qual os dados do Estudo 2 estão inseridos, em uma discussão mais ampla. A discussão será feita em três enfoques. O primeiro trata das diferenças entre os Padrões quanto à história de uso de álcool. O segundo, focaliza as expectativas em relação aos efeitos do álcool e o quanto estas influenciam e são influenciadas pelo tipo de uso que o adolescente faz. O terceiro enfoque procura esclarecer qual o papel do uso de álcool na adolescência.
Discussão
A experimentação de bebidas alcoólicas com a família e o uso posterior com os amigos parece fazer parte da transição ao comportamento adulto. Os grupos de Padrões de uso do álcool no último mês diferenciaram-se quanto à idade de experimentação de bebidas alcoólicas. No Estudo 1, verificou-se que a experimentação do álcool foi tardia para o Padrão A e precoce para os Padrões B e C, sendo que o Padrão B experimentou bebidas alcoólicas ainda mais precocemente do que o Padrão C. O Estudo 2 confirmou esta tendência e mostrou que a experimentação de bebidas alcoólicas é vivenciada de modo contrastante entre os Padrões A, B e C.
Os resultados do Estudo 2 mostraram que o uso atual do álcool com os amigos é contrastante entre os Padrões. No Padrão A, os entrevistados disseram que saem com amigos que não bebem, freqüentam festas de amigos, a família raramente bebe e as relações com o sexo oposto não são citadas na entrevista. Por sua vez, no Padrão C as entrevistadas têm amigos que bebem, freqüentam bares e festas em clubes ou casas noturnas, a família consome álcool regularmente e "ficar" com os rapazes foi relacionado ao uso de álcool. O Padrão B apareceu como intermediário.
Os três Padrões apresentam-se como um processo contínuo, que vai da abstinência ou consumo ocasional até o uso freqüente. Paralelamente, pode-se observar uma passagem das vivências típicas de adolescentes para aquelas típicas de jovens adultos. Neste sentido, pode-se interpretar o típico uso de álcool do Padrão C como precoce, pois antecipa tanto o uso freqüente do álcool quanto as experiências de jovens adultos. Esta transição do abstinente para o bebedor foi demonstrada também por Jessor e Jessor (1975). Os autores consideraram que aqueles que se tornam bebedores antes dos abstinentes da mesma idade estariam em um nível de desenvolvimento posterior, ou seja, teriam um desenvolvimento precoce. Uma propensão à transição da adolescência para a idade adulta é vista pelos autores como uma propensão psicossocial ao consumo abusivo de álcool. Desta forma, a precocidade no desenvolvimento pode achar no álcool não só um reflexo, mas também um apoio para lidar com estas novas experiências. Resultados semelhantes foram encontrados por Smith, Canter e Robin (1989).
A rede de categorias de temas emergentes sugere uma divisão das expectativas em efeitos sobre o corpo e efeitos sobre o comportamento. Os efeitos sobre o corpo correspondem à fase sedativa de efeitos do álcool. Eles foram tomados pelos entrevistados como sinal que indica o momento de parar de beber, principalmente a tontura. A sonolência, o mal-estar e a dor de cabeça estavam ligados ao beber excessivo, ou ao "dia seguinte". No Estudo 1, mostrou-se que estes efeitos são principalmente expectativas negativas em relação ao álcool, sendo citados mais como desagradáveis do que como agradáveis. Deve-se considerar que o impacto das expectativas negativas sobre o comportamento de beber é inexpressivo, pois referem-se a conseqüências tardias da ingestão de álcool, não estando tão acessíveis na memória no momento de beber quanto as expectativas positivas (Rosenow, 1983; Stacy, Widaman, & Marlatt, 1990).
A tontura apresentou-se como o limite escolhido pelos Padrões B e C para parar de beber. Entretanto, houve entre estes dois grupos um entendimento diferente do que seria tontura, conforme demonstrou o Estudo 2. Para o Padrão B, tontura é acompanhada de rir e falar demais e precede um estado de tontura "mesmo". No Padrão C, a tontura que limita o beber é mais intensa, tudo parece girar e é necessário que a pessoa fique sentada, para não cambalear, ou seja, estes sujeitos tendem a beber mais.
As expectativas de efeitos sobre o comportamento estão, em grande parte, próximas à fase dos efeitos estimulantes do álcool. O Estudo 1 mostrou que Alegria e Desinibição foram as subcategorias de efeitos agradáveis mais citadas nos três Padrões. O Padrão A, entretanto, diferiu no percentual da categoria agradáveis em relação aos Padrões A e B. Isto confirma a importância das expectativas positivas para a decisão de beber (Stacy, Widaman, & Marlatt, 1990). No Estudo 2, novamente estas expectativas apareceram, semelhantes para os Padrões A e B.
Em contraste, o Padrão C apresentou expectativas mais definidas e específicas quanto aos efeitos do álcool. Na opinião das entrevistadas, além de produzir desinibição e alegria, o álcool facilita comportamentos sociais, influi sobre o raciocínio, libera a sexualidade e ajuda a esquecer problemas. Resultados semelhantes foram obtidos por Christiansen, Smith, Roheling e Goldman (1989) e por Rather, Goldman, Roherich e Brannick (1992).
O uso de álcool faz parte da identidade das entrevistadas do Padrão C, pois a freqüência com que bebem faz com que continuem bebendo para manter seu papel no grupo, em geral um grupo de bebedores. Estes dados são consistentes com a teoria de Jessor (1987), que vincula o uso do álcool ao processo de desenvolvimento do adolescente, podendo-se encarar os Padrões A, B e C como etapas deste processo.
As entrevistadas do Padrão C relataram situações em que o álcool aparece como indispensável, como sendo aquilo que dá graça à festa, que faz com que todos fiquem amigos, entrem em harmonia com o ambiente. A teoria das expectativas pressupõe que se um efeito comportamental segue-se ao consumo de álcool, os indivíduos tendem a atribuir a causa deste comportamento ao álcool e esperam o mesmo efeito no uso futuro (Brown, Goldman, Inn, & Anderson, 1980). Embora o álcool seja incapaz de fazer com que a festa fique alegre, ou a moça e o rapaz fiquem juntos, seu uso, seguido destes fatos, faz com que ele adquira um poder mágico. Não só o álcool em si mesmo, mas também as quantidades e diferentes tipos de bebidas adquirem características de efeitos próprios. Verificou-se que, quanto maior a experiência com álcool, maior o número e a especificidade das expectativas. Bebedores menos experientes têm expectativas mais globais, enquanto os mais experientes têm expectativas específicas, concordando com os achados da literatura (Brown, Goldman, Inn, & Anderson, 1980; Christiansen, Goldman, & Inn, 1982; Christiansen, Smith, Roheling, & Goldman, 1989).
A precocidade do desenvolvimento do Padrão C não se refere apenas ao uso do álcool, mas a um conjunto de experiências vividas precocemente. O álcool, assim como as drogas ilegais e o cigarro, torna-se o ponto central quando usado como instrumento para lidar com todas as novas experiências. Isto pode fazer do adolescente um usuário freqüente do álcool com este fim, de acordo com as expectativas de efeitos. O risco de dependência está na incapacidade de enfrentar um grande número de situações sem o álcool, pois ele passa a ser visto como o verdadeiro agente, responsável pelo bom desempenho e culpado pelas falhas. No Padrão B, a experimentação orientada pela família parece minimizar ou desqualificar expectativas de modificação de comportamento e emoções através do álcool.
A literatura já apontou e os nossos dois estudo reafirmam que regras explícitas sobre a bebida são mais eficientes na prevenção do alcoolismo. Pais que não expressam normas reguladoras a respeito do álcool têm mais probabilidade de ter filhos que bebam do que aqueles que as expressam (Biddle, Bank, & Marlin, 1980). Pechansky (1993) também mostrou que a permissividade ou o interesse dos pais pelo consumo de álcool de seus filhos influenciam os hábitos alcoólicos dos adolescentes.
O Padrão C também caracterizou-se por uma ausência de orientação familiar para o beber responsável. As famílias das entrevistadas contava com consumidores regulares de bebidas alcoólicas, principalmente as de médio e alto teor alcoólico. Mesmo com a bebida disponível, os adolescentes não experimentaram bebida com a família. Uma explicação seria que a família não considera as bebidas de alto teor alcoólico adequadas para crianças ou adolescentes experimentarem. Estas famílias usam o álcool em maior quantidade, ou seja, exibem um modelo abusador. Ao mesmo tempo, os adolescentes não bebem com a família porque não podem consumir o mesmo tipo de bebida e a mesma quantidade que os familiares, ou seja, a família não tolera a embriaguez nos adolescentes. Desta forma, a família se contradiz quanto ao uso de regras. Através destas experiências indiretas, os adolescentes formaram suas expectativas e elas foram bastante diferentes daquelas aprendidas com a família no Padrão A.
O Padrão C tem também uma precocidade geral em seu desenvolvimento, ficando mais cedo exposto ao tipo de uso do álcool que os amigos costumam fazer. Sem normas para regular o beber, o adolescente segue o padrão do grupo, bebendo até sentir-se mal. Estes resultados apóiam o estudo de Biddle, Bank e Marlin (1980), que sugere que os adolescentes influenciam-se uns aos outros, modelando o comportamento de beber mais do que estabelecendo normas, pois o grupo é uma fonte de entretenimento, gratificação e validação de status para adolescentes que lutam por aceitação no mundo adulto.
A aceitação do álcool como uma droga legitimamente usada por adolescentes reflete o quanto nossa sociedade é tolerante e, muitas vezes, instigadora deste uso. A conseqüência disto é que o uso precoce expõe o jovem aos efeitos do álcool mais rapidamente, em um momento de seu desenvolvimento em que o álcool pode facilitar o enfrentamento de novas situações.
A prevenção poderia focalizar as expectativas em relação ao álcool voltadas às vivências dos adolescentes e, especialmente, questionar as expectativas positivas dos adolescentes sem enfatizar o alcoolismo, distante temporalmente. É necessário enfatizar as vantagens de não beber (ou, pelo menos, não se embriagar) e não as desvantagens de beber. A literatura aponta que a prevenção ao abuso do álcool deve iniciar preferencialmente na infância, mas concentrar-se entre os 12 e 15 anos, continuando até a idade adulta, pois até os 15 anos as expectativas positivas aumentam, estabilizando-se depois (Gustafson, 1992).
Programas de prevenção baseados nas expectativas só serão efetivos se levarem em conta as características de desenvolvimento psicológico da adolescência. Não basta ensinar aos adolescentes que o álcool pode ter efeitos placebo e ensiná-los a obter os efeitos sem a bebida, como propõem Christiansen e Goldman (1983). A principal expectativa desta fase do desenvolvimento psicológico é parecer adulto. Esta abordagem, no entanto, não vem sendo abordada pelos estudos de expectativas.
Ao mesmo tempo, os adultos têm um papel fundamental na formação e consolidação das expectativas. A família, que provê a experimentação, deve orientar não só o beber do jovem, mas o seu próprio beber. O pai que pede um uísque "pra relaxar", uma caipirinha para "abrir o apetite" e a mãe que bebe um licor "pra fazer a digestão", a cerveja "pra refrescar", o conhaque "pra esquentar" estão colocando funções ou indicações de uso nas bebidas. Seguir esta regra geral formulada pelos pais não é diferente de seguir as regras do grupo de amigos: "pra ter coragem", "pra mostrar que é macho", "pra ficar com o cara", "pra chegar na guria", "pra esquecer", "pra aproveitar melhor a festa", etc. A criança vai observando e aprendendo a respeito destes efeitos, o adolescente testa estas expectativas. Para alguns, elas são confirmadas pelo uso do álcool e permanecem, fortalecendo-se e especificando-se mais, enquanto algumas caem em desuso. Para outros, elas permanecem sempre gerais, devido à pequena experiência com o álcool e à inadequação dos efeitos por ele provocados.
Os esforços preventivos envolvem a aplicação das pesquisas sobre expectativas, tendo em vista que as expectativas são modificáveis e esta modificação parece trazer mudanças no consumo de álcool (Darkes, & Goldman, 1993). Mas a prevenção não envolve somente a intervenção na escola, o controle da propaganda ou a aplicação da lei que proíbe a venda de bebidas para menores. Estas medidas não farão diferença na opinião dos adolescentes sobre a bebida se o modelo adulto não se modificar (Keller, 1980). É necessária uma modificação das expectativas dos adultos para que eles apresentem um modelo de uso do álcool com menores riscos para o beber abusivo na adolescência.
Esta pesquisa apontou para a importância de uma integração da teoria de expectativas em relação ao álcool com teorias da Psicologia do Desenvolvimento na interpretação de estudos sobre expectativas de adolescentes. Mais do que a comparação das expectativas em relação ao álcool dos três Padrões, foi possível observar como a experiência do adolescente influencia na construção das expectativas e como estratégias de prevenção poderiam beneficiar-se destes resultados.
A abordagem das expectativas como inseridas no desenvolvimento do adolescente foi possível porque a proposta do estudo era contextualizar as expectativas em relação ao álcool. Na interpretação dos resultados, evidenciou-se uma falta de teorização a respeito da adolescência nos estudos sobre expectativas de adolescentes em relação ao álcool. Isto produz um distanciamento dos resultados destes estudos das questões pertinentes à adolescência como um todo, que não podem ser minimizadas em um programa de prevenção ao abuso do álcool.
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