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8/10/2011

O tratamento de adolescentes usuários de álcool e outras drogas: uma questão a ser debatida com os adolescentes?

Marilia Mastrocolla de Almeida1, Márcia Aparecida de Oliveira2, Paula Hayasi Pinho3


Introdução
A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas foi criada recentemente, no ano de 2004, uma vez que a questão do uso de álcool e drogas na população brasileira tomou proporção de grave problema de saúde pública.
Os principais limites da não-priorização, por parte do Ministério da Saúde, de uma política específica para o enfrentamento ficaram evidentes:
a partir do impacto econômico e social que tem recaído para o Sistema Único de Saúde, seja por seus custeios diretos, seja pela impossibilidade de respostas de outras pastas governamentais voltadas para o efeito positivo sobre a redução do consumo de drogas; isto também ocorre no que se refere ao resgate do usuário do ponto de vista da saúde (e senso comum tão-somente moralista legalista), e em estratégias de comunicação que reforçam o senso comum de que todo o consumidor é marginal e perigoso para a sociedade. (Ministério da Saúde, 2004, p. 7)

Para que haja um avanço na forma de enfrentar essa questão, está posto na Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas de 2004 que o tema “álcool e outras drogas” necessita de uma ação não apenas ampliada, mas também composta por diferentes saberes e aportes teórico-técnicos. Isso significa a definição de diretrizes, ações e metas de forma integrada e diversificada quanto às estratégias terapêuticas, preventivas, reabilitadoras, educativas e promotoras de saúde (Ministério da Saúde, 2004).
Especificamente sobre a questão do tratamento da dependência de álcool e outras drogas em adolescentes e crianças, são poucos os trechos encontrados em documentos oficiais.
No documento denominado “Marco legal – saúde um direito de adolescentes”, produzido pelo Ministério da Saúde1, está colocado que:
O uso e o abuso de álcool e outras drogas têm sido uma das principais causas desencadeadoras de situações de vulnerabilidade na adolescência e juventude, a exemplo dos acidentes, suicídios, violência, gravidez não planejada e a transmissão de doenças por via sexual e endovenosa, nos casos das drogas injetáveis. Não fosse o consumo de drogas um problema suficientemente grave, temos ainda a problemática do tráfico, o qual representa, no Brasil e em outros países, uma séria ameaça à estabilidade social. (Ministério da Saúde, 2005, p. 10)
Em julho de 2005, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Atenção a Saúde/Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas/Área de Saúde do Adolescente e do Jovem, disponibilizou pela internet um documento para consulta pública referente à criação de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens. No que se refere ao uso de álcool e outras drogas, o documento aborda a questão como um grande desafio a ser enfrentado pelos gestores e profissionais de saúde, mas não apresenta estratégias e políticas de enfrentamento.
Em âmbito nacional, alguns pesquisadores têm contribuído com a questão do tratamento de adolescentes dependentes de álcool e outras drogas. Por meio de um levantamento dessas produções nos últimos dez anos, foi possível perceber que há uma concentração de publicações entre os anos de 2002 e 2007, o que demonstra como essa discussão é recente no país, o que também justifica o fato de que todos os autores tenham embasado suas discussões por meio da leitura de relatos internacionais sobre o tema.
Estudo como o de Marques e Cruz (2000) demonstrou que por intermédio dos estudos de metanálise internacionais sobre a efetividade dos diferentes tipos de tratamento psicoterápico para adolescentes, foram encontrados em torno de 400 tipos de terapia para essa população. O estudo demonstrou também que a escolha do tratamento depende de fatores extrínsecos (disponibilidade de tratamento mais próximo ao local da residência e compatível com sua condição socioeconômica e familiar) e fatores intrínsecos (motivação, gravidade do diagnóstico, tipo de droga utilizada e freqüência do uso). Opinião essa também defendida por Silva et al. (2003) e complementada pelos seguintes fatores: procedimentos terapêuticos, equipe e setting.
Outros fatores intrínsecos também foram relatados por Castro e Passos (2005), como o funcionamento global do adolescente antes do uso da droga e a presença de comorbidade psiquiátrica.
A necessidade do acompanhamento familiar para o resultado satisfatório do tratamento de adolescentes usuários de álcool e outras drogas foi investigada por Schenker e Minayo (2004) mediante uma revisão bibliográfica sobre o tema. Segundo as autoras, os estudos investigados contribuíram para o entendimento de como a família está implicada no desenvolvimento saudável e não saudável dos adolescentes. Em conjunto com a escola e os grupos de amigos, a família exerce grande influência na manifestação do uso de drogas. Portanto, há um consenso sobre a necessidade de se tratar o sistema familiar.
Silva et al. (2003) e De Micheli et al. (2004) enfatizam a importância de serem realizadas reflexões sobre os tipos de propostas de intervenção e a efetividade destas como uma forma de auxiliar no processo de adesão dos adolescentes ao tratamento, uma vez que ainda são escassas as produções sobre esse tema.
Assim, na tentativa de contribuir com essa questão, pretende-se realizar um levantamento sobre diferentes propostas de intervenção para o tratamento de adolescentes dependentes de álcool e outras drogas descritas em artigos científicos disponibilizados na base de dados Adolec, que contém referências bibliográficas da literatura internacional na área da saúde de adolescentes e jovens.
Metodologia
A revisão bibliográfica foi realizada na base de dados Adolec, que extrai artigos das bases de dados MEDLINE e LILACS. Para a realização do levantamento, definiram-se como limite os artigos publicados nos últimos 10 anos (1997 a 2007), utilizando os seguintes descritores: “adolescentes”, “tratamento”, “álcool e drogas”, “resultados de tratamento”, “uso de substâncias psicoativas”. Foram encontrados 29 artigos; destes, 23 foram excluídos pelos seguintes critérios: a) outros temas (onze); b) tratamento adultos (dois); c) não disponíveis on-line (nove); d) idioma não inglês (um). Dos seis selecionados, 90% foram publicados principalmente entre os anos de 2000 e 2005, cinco publicados em periódicos norte-americanos e um no Brasil.
Resultados
A realização deste estudo possibilitou observar que, primeiramente, há um predomínio de resultados referentes à aplicação de escalas para a avaliação de técnicas e/ou tratamentos, cujos dados, analisados estatisticamente, fornecem informações sobre a efetividade das ações.
Em segundo lugar, foi identificado que os autores estrangeiros também apontam para a necessidade de serem descritos mais estudos cujo foco seja a efetividade do tratamento de adolescentes dependentes de álcool e outras drogas (Hser et al., 2001; Battjes et al., 2004, como também a publicação das experiências de forma que possibilite sua replicação (Battjes et al., 2004).
Segundo Hser et al. (2001), a aplicação de escalas de avaliação dos resultados de tratamento de adolescentes em comparação aos adultos tem demonstrado que, embora haja uma redução no consumo de álcool e drogas após o tratamento, um grande número de adolescentes retoma o uso. Portanto, as peculiaridades no padrão de uso dos adolescentes, que os diferem dos adultos, demandam estratégias de intervenção mais específicas (Hser et al., 2001; Ken et al., 2000) e, conseqüentemente, com maior detalhamento.
Hser et al. (2001) relatam a experiência do “Drug Abuse Treatment Outcome Studies (DATOS-A)”, que é um instrumento designado especialmente para estudar tratamento de adolescentes. Por meio desse estudo, foram entrevistados 1.732 adolescentes atendidos em 23 programas nas quatro maiores cidades dos Estados Unidos de 1993 a 1995. As modalidades de tratamento incluídas foram: programas residenciais, tratamento intensivo diário e tratamento com intervenção breve. Foram definidas as seguintes variáveis para análise: sexo, etnia, envolvimento legal e severidade do problema. O estudo buscou a resposta para as seguintes questões: (1) Quais eram os padrões de consumo de drogas e os problemas de comportamento dos adolescentes antes de iniciarem o programa de tratamento DATOS-A? (2) Existiram mudanças no padrão de uso da droga e no comportamento após o tratamento? (3) Qual o tempo de permanência no tratamento em relação aos resultados após o tratamento?
Os resultados demonstraram que, na comparação entre antes e um ano após o tratamento, houve uma significativa mudança nos padrões de consumo (uso de maconha semanal passou de 80,4% antes do tratamento para 43,8%; beber pesado passou de 33,8% para 20,3%), ajustamento psicológico (pensamentos suicidas diminuíram de 18,4% para 10,1%; auto-estima melhorou de 30,4% para 34%), desempenho escolar (médias escolares passaram de 53,2% para 85,2%) e atividades ilícitas (houve uma redução nos casos de detenção de 74% para 35,3%). Quando comparadas as três modalidades de tratamento, o autor relata que os tratamentos de longa duração apresentam melhores resultados quanto à diminuição do uso de drogas e da freqüência de prisões. Quando o período de tratamento foi curto, como inferior a três meses, houve uma manutenção de comportamentos negativos (beber pesado, consumo de cocaína, cometimentos de crimes).
Lynsky et al. (1999) e Kamon et al. (2005) estudaram os fatores que devem ser considerados durante a elaboração das propostas de intervenção para tratamento de adolescentes usuários de álcool e outras drogas.
Segundo Lynsky et al. (1999), para avaliar e executar intervenções com o objetivo de auxiliar os adolescentes a interromperem o uso de drogas, é necessário conhecer como essa população define suas escolhas, ou seja, como o adolescente decide o que é melhor para ele. Segundo o autor, existem várias teorias que descrevem componentes do comportamento, como intencionalidade, convicções ou habilidades em controlar comportamentos. São citadas três teorias (self-efficacy, reasoned action, planned behavior), sendo a primeira a que embasou a elaboração de um programa de sentença alternativa para jovens que praticaram atos infracionais nas áreas criminal, de trânsito e civil em San Bernardino County (EUA). O programa intitulado “Youth Alternative Sentencing Program” (YASP) oferece uma intervenção breve dividida em cinco componentes:
(1) orientação com protocolo de avaliação física, psicossocial e da história de vida; (2) visita ao Centro de Traumas;
(3) visita à delegacia especializada; (4) workshops em grupo na modalidade do Programa dos 12 passos para álcool e drogas; (5) redação de um texto sobre a experiência. Foram analisados os resultados do trabalho de 1996 e 1997, com um total de 209 jovens entre 12 e 19 anos. De acordo com os relatos dos próprios jovens, que aceitaram participar voluntariamente de uma avaliação qualitativa, eles ficaram surpresos com a proposta, uma vez que ela não trabalhava na perspectiva de impor a abstinência, falando sobre os danos causados pelas drogas, mas sim com o intuito de ajudá-los a fazer a escolha sobre querer ou não usar drogas. Identificou-se também que houve um aumento no desejo de mudança de vida, e os jovens foram mais capazes de se perceber em situação de risco, principalmente quando visitaram o Centro de Trauma e a delegacia especializada.
No estudo realizado por Kamon et al. (2005), cujo objetivo foi avaliar a abordagem de “Contingency Management Intervention”, são apresentados três fatores que devem ser considerados: 1o) os adolescentes raramente buscam tratamento por conta própria; em geral, são trazidos por familiares. O adolescente apresenta dificuldade de interromper o uso, pois não o percebe como um problema; 2o) os pais consideram o uso de maconha algo problemático e se encontram motivados para resolver a questão, porém não possuem conhecimento suficiente sobre as estratégias para ajudar o filho a mudar o comportamento; 3o) os problemas de conduta geralmente estão presentes em adolescentes usuários de drogas; portanto, os programas devem priorizar ações nesse sentido.
A abordagem relatada por Kamon et al. (2005) é composta por seis estratégias de intervenção. A primeira é a fase de estruturação do programa, na qual os adolescentes e familiares, separados e conjuntamente, são avaliados no início do tratamento durante sessões semanais de terapia e testes toxicológicos. A segunda estratégia corresponde ao monitoramento das substâncias por meio de exames de urina durante e entre as sessões de terapia, somados ao teste do bafômetro. A terceira estratégia é o programa de entrega de vale (voucher), para os adolescentes que se mantiverem em abstinência, com direito a roupas, passeios em restaurantes, teatros e/ou cinemas. A quarta estratégia é específica para o atendimento de familiares e tem como objetivo dar suporte para que estes consigam identificar e enfrentar melhor a situação, além de oferecer uma premiação para aqueles que conseguirem realizar todas as orientações fornecidas e solicitadas pelo serviço; essa premiação é semelhante à oferecida aos adolescentes. A última estratégia é formada por sessões individuais com os adolescentes para avaliação e reavaliação sobre fatores de risco, resultado dos testes toxicológicos, sintomas de recaída e demais aspectos. Os profissionais realizam também intervenções com a família e a comunidade, para que o adolescente seja acompanhado por outros serviços após a finalização do tratamento no programa “Contingency Management Intervention”.
Alguns resultados foram apresentados pelos autores e demonstraram a efetividade da intervenção, como: 74% dos testes de urina foram negativos no final do tratamento, em comparação com 37% do início; 74% dos adolescentes não consumiram álcool no último mês de tratamento e o teste do bafômetro foi negativo, comparado com 47% realizado no início do tratamento. Um mês após o término do tratamento, 71% dos adolescentes que tiveram resultado negativo no teste de urina ainda estavam em abstinência, considerando o novo resultado de urina testado no período.
Os autores atribuíram a boa participação dos adolescentes e familiares aos seguintes fatores: oferecimento dos vales para os adolescentes e familiares e procura constante dos profissionais pelos pais que não compareciam e/ou necessitavam realizar tarefas em casa como parte do tratamento (Kamon et al., 2005).
O estudo realizado por Winters et al. (2000) buscou avaliar a abordagem de 12 passos, também conhecida como Modelo Minnesota, uma vez que existem poucos estudos sobre essa forma de tratamento, mas que apresentam resultados positivos. Foram entrevistados 179 adolescentes em tratamento e 66 em lista de espera.
O grupo em tratamento foi distribuído em dois programas, residencial e não residencial, e a forma de tratamento previa a abstinência e entendia a dependência química como uma doença primária. As estratégias de intervenção são variadas, como atendimento individual, familiar, leitura dos 12 passos e avaliação escrita, atividades escolares, de recreação e de terapia ocupacional.
Para análise dos resultados, foram definidas as seguintes variáveis: intensidade, setting, gênero e idade. Os resultados indicaram que houve uma queda de 20% na taxa de abstinência, comparando um ano após o tratamento por seis meses. Não foram observadas diferenças estatisticamente relevantes sobre setting, gênero e idade.
Autores como Battjes et al. (2004) e Andretta e Oliveira (2005) descreveram técnicas específicas de intervenção sem definir um programa de tratamento específico. Os primeiros autores descreveram a técnica “Group-Based Treatment for Adolescent Substance Abuse (GTB)”, utilizada com 194 jovens em cinco clínicas localizadas em Baltimore County (EUA), de julho de 2000 a dezembro de 2001. O programa tem a duração de 20 semanas e conta com aconselhamentos individuais e familiares e grupos semanais. A proposta do estudo foi comparar a efetividade de duas abordagens utilizadas para que o adolescente inicie o tratamento, sendo elas a entrevista motivacional e o encontro para aconselhamento. A efetividade das intervenções foi avaliada em três momentos (início, após seis meses e após um ano) e teve como parâmetro o resultado obtido por meio da aplicação de três escalas específicas, que forneceram informações biopsicossociais sobre motivação e satisfação com o tratamento.
Os resultados apresentados, estatisticamente significantes, demonstraram que a média de dias de consumo de maconha, após 90 dias da finalização dos atendimentos, passou de 27,7 dias para 13,6 dias após 6 meses, e 18,4 dias após 12 meses. Adolescentes com história de abuso emocional apresentaram diminuição do consumo de maconha (de 27,72 para 5,86) nos primeiros 6 meses, mas com um aumento para 17,11 após 12 meses. Esse aumento nos 12 meses em relação aos 6 meses esteve presente na análise de quase todas as demais variáveis, com exceção daqueles que não sofreram abuso emocional, freqüentam escola com bom rendimento e com baixa satisfação familiar (Battjes et al., 2004).
Andretta e Oliveira (2005) realizaram uma revisão teórica sobre a técnica da Entrevista Motivacional e seus benefícios no tratamento de adolescentes. Segundo as autoras, essa técnica está sendo muito utilizada no acompanhamento de adolescentes que não analisaram o hábito de usar drogas e, conseqüentemente, não foram incluídos nos critérios diagnósticos para dependência. Outra característica importante da técnica é o foco na ambivalência, que é a essência dos problemas de comportamento dos dependentes. As autoras utilizaram autores que avaliam positivamente essa técnica para o atendimento de adolescentes, em virtude da não-confrontação, da não-imposição dos resultados, à manutenção da liberdade de escolha e por ajudar o adolescente a perceber os danos causados pelo uso. O profissional, nessa relação, é visto como um parceiro, e não como uma figura de autoridade.
O número de sessões pode variar de um a cinco e elas devem contemplar o atendimento familiar. É uma intervenção breve, com baixo custo financeiro e de fácil acesso e treinamento dos profissionais.
Discussão
Em todos os artigos analisados, há uma tentativa de adequar os programas às características dos adolescentes e não simplesmente aplicar as propostas utilizadas no tratamento de adultos para o atendimento dessa faixa etária. Porém, há uma questão a ser investigada que é de fundamental importância quando se discutem estratégias de intervenção: qual é a concepção que os programas têm sobre a adolescência? (Raupp e Milnitsky-Sapiro, 2005).
Com exceção do artigo de Andretta e Oliveira (2005), nos demais artigos analisados, não há uma discussão sobre a concepção do que é a adolescência, como também ser esse mais um dos aspectos a serem considerados durante a elaboração e execução dos programas.
A importância dessa questão está colocada no artigo produzido por Raupp e Milnitsky-Sapiro (2005) ao citar um estudo realizado no Brasil que demonstra como os programas destinados a adolescentes os concebem como uma população em “fase de risco” (desprovidos de autocontrole e não totalmente socializados nas normas e regras sociais), e como esse entendimento exerce influência no planejamento das ações; se há uma relação direta entre adolescente e risco, as ações também devem se voltar para a prevenção ou o tratamento de algum tipo de risco (gravidez indesejada, DST/Aids, uso de drogas).
Essa visão sobre a fase da adolescência como um período de risco tem sido reforçada pela mídia, principalmente no que se refere ao assunto violência (Raupp e Milnitsky-Sapiro, 2005). Segundo as autoras, essa inquietação também está presente em outros países, como Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália, e acaba interferindo diretamente nas práticas.
Segundo Muza e Costa (2002), a realização de ações efetivas depende da mudança na forma de olhar o adolescente, não mais com estereótipos desqualificadores (preguiçosos, drogados, violentos etc.), mas sim como parte da solução. As autoras complementam dizendo que o protagonismo juvenil em ações de saúde é uma realidade em vários países da América Latina.
É importante ressaltar que, dos seis artigos analisados, três consideraram a opinião/satisfação dos adolescentes em relação ao programa. Desses três artigos, um único apresenta dados qualitativos como forma de discussão dos resultados, relatando de forma literal a opinião dos adolescentes sobre o programa, sem necessariamente se apoiar em escalas predeterminadas. Já os demais artigos utilizaram-se de análises quantitativas, com escalas de medição de variáveis diversas que, estatisticamente comprovadas, demonstravam a efetividade das ações.
Como coloca Scivoletto (1998), são muito mais freqüentes os estudos epidemiológicos com metodologias quantitativas sobre uso de drogas na adolescência do que sobre a característica desses jovens que buscam tratamento ou que descrevem o tipo de tratamento, sua efetividade e a evolução.
A utilização de indicadores e estudos epidemiológicos é, segundo Ayres (1993), um mecanismo utilizado para ordenar finalidades e instrumentos para ação. Além disso, esses instrumentos auxiliam também na construção do próprio objeto do programa, uma vez que permitem recortar no conjunto da população um grupo com características específicas dos perfis relativos à saúde. Porém, para o autor, será necessário trabalhar com indicadores considerando as características sociais da adolescência. Nesse caso, então, é fundamental a compreensão:
(a) de que não existe uma perspectiva única, nem privilegiada, para a formulação de juízos acerca de necessidades de saúde de adolescentes, mas de que esses juízos são cambiantes e dependentes dos sujeitos que os formulam; b) de que os adolescentes de uma dada comunidade não constituem uma massa homogênea de interesses, mas um conjunto de individualidades em interação não isenta de conflitos e contradições; c) de que os critérios técnicos nunca recobrem a totalidade dos significados e interesses da saúde para os adolescentes. (Ayres e Júnior, 2000, p. 67)
A aplicação de metodologias participativas de avaliação e planejamento em saúde tem sido uma maneira de provocar mudanças sociais (Bursztyn e Ribeiro, 2005). Com o objetivo de elaborar uma metodologia adequada aos programas de saúde do Rio de Janeiro, as autoras realizaram um levantamento das metodologias preexistentes de avaliação participativa. Dos resultados apresentados, após a aplicação da metodologia elaborada pelas autoras, destacaram-se a percepção, por parte dos profissionais da equipe, das parcerias como pontos fortes do programa, e, como pontos fracos, a participação dos adolescentes e a equipe multiprofissional (Bursztyn e Ribeiro, 2005).
A exemplo de estudos que avaliam programas sob outra perspectiva, temos o de Muza e Costa (2002), que investigou a adesão de adolescentes ao Programa de Saúde da Família, pela aproximação com os conteúdos subjetivos dos atores sociais envolvidos, no caso, profissionais, familiares e adolescentes. As pesquisadoras optaram pela realização de grupos focais, buscando, assim, as opiniões, os sentimentos e os saberes dos diferentes grupos (Muza e Costa, 2002).
Segundo as autoras, os adolescentes colocaram que “o contexto social não atende às necessidades materiais, mina as relações afetivas e impede uma adequada expressão de papel de pais” (p. 327). Eles apontam também para a necessidade de atuarem como agentes de transformação dessa realidade.
Assim, “firmar a legitimidade de políticas gestadas por formas mais democráticas, sensíveis à diversidade de juventudes, e ao direito de representação dos próprios jovens no desenho e na gestão de políticas que lhes tenham como sujeitos” (Castro e Abramovay, 2002, p. 7) pode contribuir para que haja uma reorientação das práticas em torno das necessidades daquele a quem o serviço se destina, resultando, assim, em uma maior efetividade das ações.
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1 Terapeuta ocupacional, pós-graduanda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP).
2 Professora doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da EEUSP. Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Álcool e Drogas (GEAD) do
Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da EEUSP.
3 Psicóloga, pós-graduanda da Escola de Enfermagem da EEUSP.
Instituição: Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP).
Endereço para correspondência: Marilia Mastrocolla de Almeida.
Rua Luis Anhaia, 53, Vila Madalena – 05433-020 – São Paulo, SP. E-mail: ma.mastrocolla@terra.com.br

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