Por quase três décadas, o alcoolismo foi protagonista na história da família Leme. Entrou na vida do patriarca Paulo em 1963 e só saiu de cena em 1996, após quase abater seu filho mais velho.
Paulo de Abreu Leme, 74, médico, e Paulo Filho, 43, advogado, estão sem ingerir bebida alcoólica há 26 e 19 anos, respectivamente.
O álcool entrou na vida de Paulo pai no fim da adolescência, nas festas com os amigos. "Ficava desinibido, era bom perder a autocrítica."
A dependência ficou clara a partir dos 30 anos. Na época, tinha três empregos: auditor do Ministério da Saúde, plantonista na Penitenciária do Estado de SP e médico do trabalho em empresas como Philips, Danone e Monsanto.
As duas ou três doses de uísque por noite foram aumentando gradativamente até atingir dois litros diários. A mulher foi embora com os três filhos menores. Paulo Filho quis ficar ao lado do pai.
"Não sabia mais o que estava fazendo. Pedi demissão da Danone, da Monsanto e abandonei o emprego do Estado. Continuei bebendo até que a Philips me demitiu."
O desemprego o sacudiu. Com apoio da mulher, que havia voltado para casa, internou-se em uma clínica para desintoxicação, em 1989.
Lá acabou conhecendo o grupo AA (Alcoólicos Anônimos), cujas reuniões passaria a frequentar diariamente, por 15 anos. "Passei a estudar a doença do alcoolismo, a entender a dependência e a evitar o primeiro gole."
Recuperou os empregos e, desde então, dá palestras gratuitas sobre o tema. Não teve recaídas. "Hoje eu não bebi. Amanhã não sei", diz.
Em 1987, dois anos antes de o pai iniciar a recuperação, o álcool já aliciava o filho mais velho. Paulo, à época com 16 anos, cursava o segundo ano do ensino médio no colégio Bandeirantes (SP).
Há evidências de que fatores genéticos aumentam o risco do alcoolismo. A doença tende a ocorrer com mais frequência em certas famílias, entre gêmeos idênticos, e mesmo em filhos biológicos de pais alcoólicos adotados por famílias de pessoas que não bebem.
"Matava aula para beber e jogar truco. Bebia 'espremidinha' [pinga com limão], bombeirinho [pinga com groselha], cerveja." Ainda assim, no ano seguinte entrou na Faculdade de Direito da USP.
"Lá eu descobri o paraíso. No colegial, tinha que beber escondido. Na faculdade, o bar era dentro do centro acadêmico. Só fui assistir às aulas após uma semana."
O ano acadêmico de 1990 foi perdido. "O bar eu frequentava com uma regularidade beneditina. As festas também não perdia."
Incomodado por ver os amigos avançando no curso, Paulo decidiu frequentar as aulas sem, contudo, abandonar o álcool e as drogas (maconha e cocaína, que consumia quando alcoolizado). Começou a estagiar no segundo ano da faculdade.
Mas em 1994, antes de terminar o curso, abandonou a faculdade e o trabalho.
"Acordava em qualquer lugar porque bebia até desmaiar. Passava muito mal nas primeiras três ou quatro horas do dia. Não conseguia segurar uma xícara de café, tamanha a tremedeira. Logo depois voltava a beber até apagar de novo", lembra.
No pior período, que duraria dois anos, dirigiu bêbado e provocou cinco acidentes. Em um deles, bateu em um táxi parado. "Não morri ou não matei por sorte."
No final de 1996, os pais o chamaram. "Eles disseram: 'Você é alcoólatra, está doente e tem que se tratar. Se não quiser, vá morar em outro lugar'. Só me restava a rua."
Passou a frequentar regularmente as reuniões do AA e parou com o álcool e as drogas.
Sobre o preconceito, ambos dizem que é comum as pessoas acharem que os alcoólatras não irresponsáveis, não doentes. Eles também veem estigma mesmo depois do tratamento. "Mas nem um pouquinho?" é uma das frases que Paulo Filho mais ouve. Quando está em jantar com amigos e pede refrigerante zero enquanto todos estão bebendo, há quem diga: "Vai pedir brigadeiro também?"
Sócio de um grande escritório de advocacia na Avenida Paulista, Paulo Filho diz que abstinência do pai foi a sua principal motivação. "Tive a certeza de que conseguiria."
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