Como distinguir um neurocientista de um filósofo
Outro dia me questionava
sobre a interpretação pseudofilosófica feita pelo brilhante neurocientista
português Antônio Damásio em seu livro “O Erro de Descartes”. Digo pseudo
porque na verdade percebi ao ler o livro que o brilhante autor meio que deixou
passar aspectos importantes da visão filosófica de Descartes e, em momentos em
que mais me incomodava, tinha a impressão de que o fazia de uma maneira senão
proposital, por desconhecimento do tema que escolheu para escrever.
Sempre me perguntava: mas
porque diabos Descartes, porque o autor não atacou um pensamento filosófico,
mas um pensador. Porque não o erro de Aristóteles, de Kant, Jung ou Nietzsche?
Porque não questionar dogmas ao invés de questionar postulados científicos.
Confesso que apesar de admirar a obra do autor no campo das Neurociências,
creio que algo de vaidade ou algum interesse pouco prudente levaram-no a se
emaranhar em assuntos filosóficos. Digo emaranhar, pois essa é a impressão que
me fica.
Contesta Descartes, mas não
apresenta argumentos sólidos para tal, confunde-se em definições e teorias,
atrapalha-se ao não ser capaz de sustentar suas hipóteses, mas, brilhantemente
consegue talvez o que foi o real objetivo da obra. Um imenso sucesso da obra.
Não sei bem porque, mas pensando no Dr. Damásio me vem à mente a figura do
Paulo Coelho, que me recuso a sequer discutir. Algumas semelhanças haverá entre
os dois. Uma eu percebo claramente. Nem um nem outro entendem nada de
Filosofia.
Resulta que pesquisando
sobre o tema e outras visões sobre o livro, deparei-me com um texto de 1995,
escrito por uma filósofa portuguesa que, além de conhecer muito bem o tema,
daria sem sombras de dúvidas uma excelente defensora pública. Coisas que a mim
me encantam. Chama-se a senhora “Maria de Jesus Fonseca” e o texto por ela escrito
“A concepção de ciência e o paradigma mecanicista que subjaz à ciência moderna”
de 1994 e este, que transcreverei a seguir de 1995 cujo título resolvi adotar
nessa pequena reflexão.
Adorei a argumentação da filósofa portuguesa e,
que me desculpem os neurocientistas entre os quais me incluo, muito melhor do
que qualquer coisa que um de nós já tenha escrito sobre o tema. Que nos ajude
Jorge Bucay brilhante argentino tão ou mais famoso que Damásio na defesa dessa
senhora e por meio dela, na defesa de Descartes. Diz ela:
Situar-me-ei, nessa
análise, a partir do ponto de vista de Descartes e daquela que é a
interpretação consensual da filosofia cartesiana. De algum modo me considero,
portanto, advogada de defesa de Descartes. Não me coloco simultaneamente como
advogada de acusação de Damásio - o que é, aliás, manifestamente impossível no
âmbito dos códigos legais.
O que está em análise é a
obra, esta obra, e não o autor. Mas analisar o texto ou a obra implica sempre
um diálogo a três: o autor, o texto ou a obra, o leitor. Por isso, por vezes, é
muito difícil manter a análise na obra sem passar pelo autor, já que o texto
interpela-nos, nós interpelamos o texto e, às vezes, interpelar o texto é
também interpelar o seu autor.
O título
Curioso o título para um
livro que, confessadamente, não trata de Descartes nem sequer da filosofia
"embora tenha sido por certo acerca da mente, do cérebro e do corpo",
(Damásio (1995): 20) daquilo que o autor designa, numa palavra, por
neurociência. Isto mesmo é confirmado pela contagem (não muito rigorosa
evidentemente) do número de vezes que aparece o nome de Descartes. Vinte e
cinco vezes Descartes. Seis vezes cartesiana. Trinta e uma vezes no
total em duzentas e setenta e umas páginas!
Ora, se assim é, a primeira
questão que coloco é esta: Porque não inverteu o autor o título? O subtítulo
passa a título principal e o título a subtítulo:
EMOÇÃO, RAZÃO E CÉREBRO
HUMANO. O erro de Descartes.
E por que O Erro de
Descartes e não de Platão ou Kant, por exemplo? Autores a que o texto faz
referência. “Mas há quem possa perguntar por que motivo incomodar Descartes e
não Platão cujas ideias sobre o corpo e a mente são muito mais
exasperantes." (Damásio (1995): 255) Infelizmente o autor não responde à
sua própria pergunta!
A única resposta que
encontrámos é indireta e é aquela que o autor dá para justificar o título e a
escolha de Descartes. Descartes é "a figura emblemática que moldou a
abordagem mais difundida respeitante à relação mente-corpo." (Damásio (1995):
20) Ora, desta opinião não são os profissionais e os especialistas da
filosofia, que consideram, precisamente, que essa figura emblemática é Platão e
não Descartes.
Sendo assim, parece, desde
logo, que o título é inadequado. O próprio autor parece Ter consciência disto,
porquanto afirma que, de fato, o livro não é sobre Descartes e, assim,
Descartes é meramente um pretexto. Por que, então, este título? Por que,
então, Descartes?
Poderia propor algumas
explicações, entre outras: Por marketing? Para chamar a atenção? Por moda? Atentemos
à última hipótese. Não deixa de ser curioso que títulos deste gênero que direta
ou indiretamente evocam Descartes, tenham ultimamente vindo à luz e nada tenham
a ver com a filosofia. Curioso também que vão já a várias reimpressões.
O próprio livro de Damásio
que já vai, nesta data, na 12ª edição e todas publicadas entre Maio de 1995 e
Agosto do mesmo ano. Indubitavelmente, Descartes está hoje na ordem do dia. É
um autor pleno de atualidade. E, de facto, quem não conhece Descartes e o seu
famoso “penso, logo existo"? E toda a gente conhece o Discurso: todos
o lemos quando passamos pela escola.
O homem comum, com uma
cultura geral média, conhece melhor Descartes que Platão ou Kant. Quem não sabe
que o "penso, logo existo" é uma afirmação cartesiana? Quanto a
Platão ou Kant, que afirmações famosas lhes pode atribuir o homem comum?... O
próprio Damásio considera que o "penso, logo existo" é uma afirmação
"talvez mais famosa da história da filosofia." (Damásio (1995): 254).
Tiremos então a ilação que
parece óbvia. O título não podia ser outro senão O Erro de Descartes porque
Descartes é mais conhecido que qualquer outro filósofo e isso, aliado ao facto
de que Descartes, afinal, e a crer em Damásio, errou, é garantia de
sucesso ou, pelo menos, desperta a nossa atenção.
Os Erros de Descartes
Descartes errou, segundo
Damásio. Mas afinal em que errou Descartes? Qual foi então o Erro de
Descartes? Para dizer a verdade, foram vários os erros de Descartes na
perspectiva de Damásio. Enunciemo-los:
Primeiro, o mais
fundamental, sob o ponto de vista de Damásio, aquele que vai ser alvo de todas
as críticas, é o erro do dualismo.
Segundo: Mas Descartes
cometeu outros erros, aliás "bem mais espetaculares"! (Damásio
(1995):255). Por exemplo, os erros presentes na explicação que dá para a
circulação do sangue (o calor é que faz circular o sangue) ou para a explicação
do movimento dos músculos (por recurso aos "espíritos animais"). (Cf.
Damásio (1995):255). No que diz respeito a estes últimos, Damásio não lhes
atribui qualquer importância, porquanto "há muito tempo que sabemos que
ele estava errado nestes aspectos concretos." (Damásio (1995):255)
Restam os outros dois, o
erro do dualismo e o do mecanicismo.
Destes, o erro mais grave e
decisivo é o erro do dualismo, pois o dualismo "continua a
prevalecer" e a influenciar a ciência e a cultura hodierna. (Cf. Damásio
(1995):255).
Apresentados os erros de
Descartes, segundo Damásio, cumpre agora apreciá-los, saber se Descartes efetivamente
errou e se Damásio tem ou não razão.
O(s) Erro(s) de Descartes
O Erro do Dualismo
Comecemos pela análise
daquele que é, na perspectiva de Damásio, o único erro autêntico - o do
dualismo. Em que consiste este erro? Na radical separação e diferença entre
corpo e alma, res cogitans e res extensa, matéria e espírito.
Erro patente, desde logo, e
segundo Damásio, no "penso, logo existo" - que é a formulação que
aparece no Discurso do Método (publicado em 1637). Mas Descartes dá
outras formulações desse mesmo princípio, formulações essas que mutuamente se
esclarecem. "Cogito, ergo sum” nos Princípios da Filosofia (publicada
em 1644) e "sum res cogitans" nas Meditações Metafísicas (publicada
em 1642).
Sou. Sou o quê? Sou uma
coisa que pensa, existo porque penso e enquanto penso, eis o que significam
essas formulações. Se deixar de pensar, deixo de existir porque deixo de ter
garantia, a certeza e a consciência da minha existência. Por isso, pensar e
existir são, no fundo, uma só e mesma coisa e Descartes pode falar de intuição na
apreensão desta única verdade.
Mas o grande problema, para
Damásio, reside no facto de “como sabemos que Descartes via o ato de pensar
como uma atividade separada do corpo, esta afirmação celebra a separação da
mente, a 'coisa pensante' (res cogitans) do corpo não pensante, o qual tem
extensão e partes mecânicas (res extensa)." (Damásio (1995:254) E se isso
é, de algum modo, pelo menos na aparência, verdade, tenho, contudo, algumas
objeções a propor).
1ª objeção - O
dualismo patente na acusação de Damásio e Descartes é uma consequência do
sistema, não é uma opção primeira do sistema cartesiano. Isto é, Descartes não
parte do dualismo, ele chega ao dualismo, resultando isso da forma como
Descartes põe os problemas.
Por outro lado, o dualismo
nunca satisfez o próprio Descartes que, por isso, o tentou ultrapassar, até
porque como explicar que no homem a res cogitans (a mente) coexista e
se relacione com a res extensa (o corpo). Daí o recurso cartesiano à
glândula pineal - atual hipófise - (a que Damásio alude algumas vezes) como
forma de explicar a intersecção e a inter-relação entre a mente e o corpo.
E se a explicação pela
glândula pineal mereceu algum louvor, o próprio Damásio o atesta quando afirma
"curiosamente essa interligação [do corpo com a mente, a razão, o
sentimento, a emoção] ocorre de forma intensa não muito longe da glândula
pineal" (Damásio (1995):138), também é verdade que tal explicação não
satisfaz ninguém nem o próprio Descartes.
Ouçamo-lo: "é necessário saber
que a alma está verdadeiramente unida a todo o corpo, e que em rigor não se
pode dizer que exista numa das suas partes com exclusão das outras, pois o
corpo é uno e de certo modo indivisível". (Descartes (1968):115) Ao ouvir
este texto quase se diria que estávamos a ouvir Damásio!...
2ª objeção - Damásio
engana-se na interpretação que faz de Descartes.
Primeiro erro de
interpretação - Descartes procura uma resposta para uma questão metafísica
e não para uma questão de origem, como Damásio afirma. Ora Descartes não se
questiona de onde vem ou provem a mente. Interroga-se pelo SER.
O que é que existe? E
responde: Existe o pensamento (primeira existência e primeira verdade fora de
toda a dúvida), existe Deus (Segunda existência e Segunda verdade) e existe o
Mundo (terceira existência e terceira verdade). Mas estes primeiro, segundo e
terceiro não aparecem por ordem de importância ou por ordem de origem.
Correspondem meramente à ordem da fundamentação do sistema. E por isso a uma só
questão - o que é que existe? - um só resposta: existe o pensamento, Deus e o
Mundo.
Segundo erro de
interpretação - Descartes não procurava uma fundação lógica para a
filosofia, como Damásio afirma, procurava, quando muito, uma fundação
lógico-metodológica e gnoseológica - e isto é verdade ao nível do Discurso. Mas
a autêntica fundamentação que Descartes busca é uma fundação ontológica e
metafísica, que só ela garante a outra fundamentação lógico-gnoseológica,
porquanto se quero conhecer, quero conhecer coisas que realmente existam, caso
contrário o meu conhecimento seria ilusão, falsidade, mentira, fantasmagoria,
porque conhecimento de nada, de algo que não existia.
Mas mais. Quando se procura
um primeiro princípio fundante - como é o caso de Descartes - é evidente que
esse princípio, como qualquer princípio, é indemonstrável. É que o princípio
funda mas não é fundado. Os princípios, portanto, não se provam, aceitam-se (ou
não). São fruto, em última análise, de uma opção/decisão e objeto de uma
crença.
Ora como pode Damásio
considerar errado o primeiro princípio cartesiano se, como princípio que é, não
se pode demonstrar a sua verdade ou falsidade?
Para mais, Damásio faz a
mesma coisa que Descartes, aparentemente sem se aperceber disso, radicando a
confusão no sentido indiscriminado que Damásio dá ao tempo origem, que
considera sinônimo de princípio. Ora, na terminologia filosófica, tais termos
não são, de modo nenhum, equivalentes.
Princípio é fundamento e
origem é causa. E, de facto, Damásio não se pergunta apenas pela origem (causa)
da mente, pergunta também, antes de mais, pelo princípio. E na resposta que dá,
onde, aliás, está bem patente a confusão terminológica referida, coloca-se nos
antípodas de Descartes. "Para nós, portanto, no princípio foi a existência
e só mais tarde chegou o pensamento. E para nós, no presente quando vimos ao
mundo e nos desenvolvemos começamos ainda por existir e só mais tarde pensamos
na medida em que existimos, visto o pensamento ser, na verdade, causado
por estruturas e operações do ser." (Damásio (1995):254)
Damásio a formular o seu
próprio princípio metafísico! A existência! No princípio era a existência e é a
existência que na sua própria evolução, desenvolvimento e complexificação
permite o aparecimento do pensamento. E o que é verdade para a perspectiva
filogenética, também o é na perspectiva ontogenética.
Portanto, primeiro
existimos. Existimos sem pensar. Depois, mais tarde , pensamos, existimos e
pensamos. À existência acrescentou-se o pensamento. E, tal como é posta, a
afirmação é também uma afirmação dualista. Porque primeiro existe uma coisa e
depois outra diferente da primeira.
Parece, portanto, que
Damásio sofre do mesmo mal de que acusa Descartes: uma doença chamada dualismo
agudo... ou crônico, dependendo da perspectiva.
3ª objeção - Um dos
aspectos cruciais da argumentação de Damásio contra Descartes consiste em
considerar que este erro do dualismo é imperdoável, porquanto é uma concepção
errada que perdura até hoje e determina ainda hoje o modo como conhecemos as
relações mente-corpo.
Ora a minha objecção vai no
sentido de considerar que o dualismo já estava presente em concepções
anteriores a Descartes - por exemplo em Platão que distingue matéria e forma, Kosmos
aisthetos e Kosmos noetos, corpo e razão. E que dizer do
Cristianismo que, mais que nenhuma outra força cultural, marcou decisivamente a
nossa tradição ocidental? E que distingue alma de corpo, espírito de matéria,
bem e mal... E só o primeiro polo destas dicotomias é valorizado! Por que,
pois, atribuir a Descartes a culpa do dualismo, se ele não foi o primeiro nem
sequer o último dos dualistas?
O Erro do Mecanicismo
O segundo erro de
Descartes: o mecanicismo. Erro que, tal como o anterior, ainda não foi refutado
e continua a perdurar nos nossos dias. Muito curioso que, relativamente a este
erro, Damásio só o enuncie, parecendo que, de repente, foi atacado por algum
ataque de amnésia que o fez esquecer-se de refutá-lo.
Primeira conclusão: o erro
do mecanicismo perdura e, neste caso, pode perdurar já que Damásio não o
desfaz. Última conclusão: o mecanicismo, afinal, não é um erro! Há aqui,
indubitavelmente, uma contradição em Damásio.
De qualquer forma, também o
mecanicismo não é apenas uma concepção cartesiana. Ele é o modelo que preside à
interpretação do mundo e da natureza na moderna concepção de ciência, desde os
seus inícios no século XVII e já antes de Descartes, com Kepler, Copérnico e
Galileu.
Consiste o mecanicismo em
considerar que tudo na natureza se explica analogamente ao funcionamento de uma
máquina, em que tudo acontece sempre da mesma maneira, as mesmas causas
provocando sempre os mesmos efeitos. Logo, a hipótese do mecanicismo é
indissociável da hipótese da causalidade. E se o mecanicismo é um erro então a
ciência é um erro!
Podemos compreender, então,
o súbito ataque de amnésia de que parece ser vítima Damásio e porque é que ele
não desfaz este pretenso erro. É que Damásio é ele mesmo um mecanicista! Aliás,
como cientista, não podia deixar de o ser.
Por isso só posso concluir
que não foi Descartes o culpado de "os biólogos adotarem até hoje, uma
mecânica de relojoeiro como modelo dos processos vitais" (Damásio
(1995):253-254), como afirma Damásio. E posso mesmo concluir mais: que Damásio
adota "uma mecânica de relojoeiro como modelo dos processos vitais"
(Damásio (1995):254) e neurológicos ou não afirme ele que o cérebro é causa da
mente!
Diz Damásio:
"Poderíamos começar com um protesto e censurá-lo [a Descartes] por Ter
convencido os biólogos a adotarem até hoje uma mecânica de relojoeiro como
modelo dos processos vitais. Mas talvez isso não fosse muito justo."
(Damásio (1995):253-254) Convenhamos que, de facto, não é nada justo! E Damásio
sabe-o bem!
“No Post-Scriptum (Damásio
(1995):258-271) dirige uma última crítica a Descartes.” A negligência
cartesiana da mente, por parte da biologia e da medicina ocidentais, tem tido
duas consequências principais. A primeira situa-se no campo da ciência. O
esforço para compreender a mente em termos biológicos em geral atrasou-se
várias décadas e pode dizer-se que só agora começa. “(...) A Segunda
consequência negativa relaciona-se com o diagnóstico e com o tratamento eficaz
das doenças que nos confrontam” (Damásio (1995): 261), a saber, as doenças da
mente.
Ora mais uma vez sou
obrigada a contradizer Damásio. Mas aqui Descartes nem sequer precisa que o
defendam. Ele próprio se defende e contradiz Damásio quando no Discurso afirma
"De maneira que esse eu, isto é, a alma pela qual sou o que sou é mais
fácil mesmo de conhecer que o corpo" (Descartes (1968):40) ou quando
afirma nas Meditações, e é o título da Segunda Meditação "Da
natureza do espirito humano: que se conhece melhor que o corpo".
(Descartes (1976):117) E não resisto a citá-la como ela foi escrita
originalmente pelo próprio Descartes em latim "De natura mentis humanae:
quod ipsa sit notior quam corpus." (Descartes (1970):36)
E provando que a mente é
mais simples e fácil de conhecer que o corpo, Descartes aventura-se no estudo
da alma ou da mente escrevendo o Tratado das Paixões da Alma, publicado
em 1649. Não parece, de modo nenhum, a não ser por um erro muito grosseiro ou
má-fé, que possamos acusar Descartes de ter esquecido a mente e de, por essa
razão, ser igualmente culpado pelo atraso no estudo da mente!
Posto isto, não estejam à
espera de uma conclusão, não me peçam uma conclusão, não me podem sequer pedir
que conclua. De facto, é uma impossibilidade concluir. Há muito ainda por
explicar, nada está fechado e, portanto, concluído. Tudo está aberto e
permanece, ainda, em aberto.
Nota em alegação final - A
única "conclusão" que posso "concluir", em resposta ao
repto que me foi lançado no início, é que, em face do exposto, julguem os
senhores, distintos jurados! E penso que não podem proferir outro veredicto no
caso que esteve presente neste Tribunal de Damásio versus Descartes,
a não ser o do réu, o acusado, não é culpado, mas inocente!
Aliás, é essa a minha
profunda convicção ou não teria aceitado esta defesa quando me foi proposta. O
veredicto de inocência que espero, já está, por isso, implícito num dos títulos
que vos propus.
É, como diz o ditado,
presunção e água benta, cada um toma a que quer, eu adjunto, cada macaco no seu
galho. É mais prudente.
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