Thompson, JP
Clinical Medicine (The
Journal of the Royal College of Physicians), vol 3 (2), 123-126, 2003
Este artigo, elaborado por John Thompson, professor
titular da disciplina de Farmacologia Clínica da Universidade Wales College of
Medicine no Reino Unido discute os principais efeitos agudos das drogas de
abuso e o manejo clínico na intoxicação aguda e overdose destas substâncias.
Esta semana falaremos da heroína e cocaína e na próxima semana o ecstasy, o
LSD, o GHB e o cannabis serão discutidos em detalhes.
Os
efeitos adversos das drogas de abuso podem ser agudos ou crônicos. Estes
efeitos incluem tanto os riscos associados à droga propriamente dita quanto à
via de administração utilizada pelo usuário. As infecções associadas ao uso de
drogas incluem hepatites, HIV, endocardite bacteriana e infecções no local da
injeção.
Muitas
das estratégias utilizadas no tratamento de abusadores de drogas visam a
"redução de danos" (por ex. a mudança de uma droga por outra menos
potente ou prejudicial) ao invés de tentar fazer com que o indivíduo pare
totalmente de utilizar qualquer substância. Mesmo a redução de danos não é
isenta de complicações, por exemplo, a metadona, utilizada na substituição da
heroína já foi responsável por alguns casos de morte.
Em
casos de overdose, um bom tratamento de suporte continua sendo a melhor
conduta. O médico do atendimento de emergência deve obter a história mais
detalhada possível e manter as vias aéreas, respiratórias e circulatórias
monitoradas e funcionantes.
HEROÍNA
(diacetilmorfina, diamorfina)
A
heroína é um opióide analgésico, pouco utilizado no Brasil. Nos países em que é
bastante utilizada, é geralmente comercializada em sua forma impura contendo
aproximadamente 40% dos ingredientes ativos e diluída com outras substâncias
como açúcares ou talcos. No entanto, sua concentração pode variar muito, o que
contribui muito para casos de overdoses acidentais. Ela é injetada pelas
vias intravenosa, intramuscular ou subcutânea ou pode ser fumada.
A
heroína é rapidamente convertida em morfina. Efeitos desagradáveis incluem
náusea, vômitos e depressão respiratória. O uso regular da heroína pode levar a
uma rápida tolerância a seus efeitos levando o indivíduo a utilizar doses cada
vez maiores para se obter os mesmos efeitos. Sintomas de abstinência incluem:
ansiedade, agitação, mialgia, vômitos, diarréia, "fissura" e
rinorréia.
Os
sintomas de overdose pelos opióides estão descritos na tabela 1 e
podem ser potencializados pela co-ingestão de álcool e outros depressores do
sistema nervoso central (SNC).
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Tratamento
da overdose
Se
o indivíduo estiver em coma ou depressão respiratória, a naloxona, que é um
antagonista opióide específico, pode ser administrada, preferivelmente
intravenosamente, em quantidade suficiente para retomar o padrão respiratório e
elevar o nível de consciência.
As
doses geralmente utilizadas são de 400 ug a 2 mg no adulto ou 10 ug /kg em
crianças. A naloxona é um antagonista competitivo e grandes quantidades podem
ser necessárias para reverter o quadro clínico de indivíduos seriamente
intoxicados. A naloxona deve ser administrada com muito cuidado, pois ela pode
precipitar crises de abstinência em indivíduos dependentes. A droga apresenta
uma meia-vida mais curta (1-2 horas) que a morfina (3-4horas) e pacientes podem
necessitar de um monitoramento bem cuidadoso já que os efeitos da naloxona
cessam antes dos efeitos dos opiáceos.
Alguns
pacientes podem precisar de uma administração contínua de naloxona por meio de
bomba de infusão. A administração de 2/3 da dose/ hora que seria capaz de
"acordar o indivíduo" é uma estimativa razoável para a quantidade do
medicamento que será necessário, porém, esta não substitui o monitoramento
contínuo destes pacientes. A não-resposta a doses adequadas de naloxona sugere
que o opióide não é a causa do rebaixamento do nível de consciência, portanto
outras causas devem ser investigadas. Os pacientes devem ser observados por
pelo menos 6 horas da última dose de naloxona administrada. Na presença de
edema pulmonar a ventilação mecânica pode ser necessária.
COCAÍNA
(benzoilmetilecgonina)
A
cocaína pode ser utilizada em três vias: fumada, cheirada ou injetada. A
cocaína é um alcalóide natural que além de sua ação anestésica pelo bloqueio
dos canais de sódio, inibe a recaptação de dopamina e catecolaminas. A cocaína
também aumenta a agregação plaquetária e tem um efeito sobre o epitélio
vascular. O seu uso crônico pode levar a uma perfuração do septo nasal devido a
vasoconstrição local e rinorréia. Casos de granuloma pulmonar, edema,
pneumotórax e pneumomediastino também foram descritos.
Tratamento
da toxicidade
Os
sintomas da overdose aguda pela cocaína são descritos na tabela 2.
O tratamento é de suporte. Convulsões devem ser controladas com o uso de
benzodiazepínicos (BZD) que também diminuem a agitação. A hipertensão e
taquicardia geralmente diminuem após a administração do BZD, porém, se a
hipertensão persistir, nitratos e bloqueadores de canal de cálcio devem ser
utilizados.
Os
betabloqueadortes devem ser evitados ou utilizados com cuidado já que o
beta-bloqueio na presença de uma intensa estimulação catecolaminérgica pode
levar a uma super alfa-vaconstrição com conseqüente piora da hipertensão.
Alguns beta-bloqueadores também têm efeitos alfa-antagonistas e são preferidos
aos beta-bloqueadores cardio seletivos. Seus efeitos beta-antagonistas são mais
potentes, portanto cuidados ainda tem de ser tomados. Alguns autores recomendam
tratamento com um betabloqueador cardio seletivo em combinação com um
vasodilatador direto, como nitroprussiato. Este é um tratamento especializado,
portanto deveria ser realizado apenas por profissionais com treinamento
anestésico elou cardiológico.
A
acidose metabólica deve ser corrigida utilizando-se bicarbonato de sódio. O
dantrolene pode ser administrado em pacientes com hipertermia que falham em
responder às medidas convencionais de resfriamento.
Tabela 2. Sintomas agudos de overdose pela cocaína
- · Agitação
- · Delirium
- · Taquicardia
- · Hipertensão
- · Arritmia cardíaca
- · Dor no peito
- · Infarto do miocárdio
- · Sudorese
- · Convulsões
- · Hiperpirexia (febre extrema)
- · Acidose metabólica
ECSTASY
(3,4-metilenedioximetanfetamina)
O
Ecstasy é uma anfetamina semi-sintética, particularmente popular em ambientes
noturnos que tocam músicas eletrônicas. O ecstasy é habitualmente consumido em
comprimidos ou cápsulas, contendo cerca de 30 a 150 mg de MDMA, porém, análises
mais detalhadas têm mostrado que muitos outros produtos estão geralmente
presentes.
Intoxicação
Os
efeitos da intoxicação aguda pelo ecstasy são decorrentes dos efeitos
adrenérgicos e serotoninérgicos (5HT) centrais e periféricos. O ecstasy produz
um quadro de euforia e bem-estar, sensação de intimidade e proximidade com os
outros. Outros efeitos são diminuição do apetite, taquicardia, tensão maxilar,
bruxismo e sudorese. A duração dos efeitos é 4 a 6 horas e o desenvolvimento de
tolerância rápida impede o uso compulsivo e aditivo.
Crises
hipertensivas, precordialgias, arritmias cardíacas, hepatites tóxicas,
hipertermia, convulsões, rabdomiólise e morte já foram relatadas. Mortes
súbitas podem ocorrer em decorrência de arritmias cardíacas supraventriculares
ou ventriculares, e mortes tardias podem ocorrer em decorrência de hipertermia,
síndrome neurolética malígna ou falência hepática. Casos de hemorragia
cerebral, infarto e falência hepática já foram relatados. A hiponatremia ocorre
devido a uma secreção inapropriada do hormônio anti diurético somada a uma
ingestão insuficiente de líquidos.
Sintomas
ansiosos e psicóticos agudos e crônicos (em indivíduos predispostos) podem
aparecer. Relatos de casos também demonstraram alterações importantes no humor
e cognição de usuários crônicos.
Tratamento
O
tratamento para a intoxicação pelo ecstasy é sintomático e suportivo. Um ECG
deve ser obtido, o médico deve solicitar um hemograma, provas de função renal e
hepática, uréia e creatinina e em casos graves deve-se descartar a presença de
coagulação intravascular disseminada (CIVD). Para intoxicações moderadas, a
pressão arterial e a temperatura devem ser monitoradas por pelo menos 12 horas
e agitações e convulsões devem ser controladas com benzodiazepínicos. A
hipertensão pode ser tratada com nitratos ou antagonistas de canais de cálcio e
a hipotensão com fluidos intravenosos.
Em
casos graves, a dopamina pode ser necessária, uma vez que os fluidos já foram
repostos. Se a temperatura exceder 39º, o organismo deve ser resfriado com água
morna e o dantrolene pode ser necessário para diminuir a produção de calor conseqüente
à hiperatividade muscular. Se estas manobras forem insuficientes para controlar
a hiperpirexia (elevação acentuada da temperatura corpórea), a ventilação
mecânica com agentes que paralisam a musculatura pode ser necessária. O
ciproheptadine que é um antagonista do 5HT também pode ser utilizado.
Tabela 3. Efeitos agudos da intoxicação pelo ecstasy
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DOSES MODERADAS
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DOSES ALTAS
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LSD
(ácido lisérgico dietilamida)
O
LSD é usualmente ingerido através de papéis, comprimidos ou cápsulas. É um
potente agonista de receptores 5HT1 e 5HT2. Os efeitos agudos incluem confusão,
agitação, alucinações visuais, dilatação pupilar e ocasionalmente aumento da
temperatura. O LSD possui baixa toxicidade, porém a overdose pode levar à
acidose metabólica, coma e dificuldade respiratória. Ansiedade,
despersonalização, paranóia e hiperacusia também podem ocorrer. Ilusões são
comuns porém alucinações francas são raras. Usualmente, os pacientes melhoram
em poucas horas, embora alguns casos levem até dois dias para obter melhora.
A
síndrome neuroléptica malígna pode ocorrer. Reações crônicas incluem
flashbacks, depressão severa, reações psicóticas prolongadas e exacerbações de
doenças mentais pré-existentes. A tolerância ocorre rapidamente.
Tratamento
na intoxicação
Geralmente
o tratamento é sintomático e suportivo. Pacientes devem ser colocados em
ambientes calmos com o menor número de estímulos possível. Os benzodiazepínicos
são considerados o tratamento de escolha para sedação. Fenotiazinas devem ser
evitadas em função de casos de colapso cardiovascular anteriormente relatados.
GHB
(gamahidroxibutirato)
O
GHB foi originalmente desenvolvido como um agente anestésico, mas que deixou de
ser usado por desencadear irritabilidade intensa após a cessação de seus
efeitos. Atualmente é utilizado como uma droga psicodélica, administrada em sua
forma líquida.
Embora
os efeitos da intoxicação sejam dose dependentes, há uma variabilidade
individual para tais efeitos. Seus efeitos clínicos (listados na tabela 4) são
potencializados pelo álcool, benzodiazepínicos e outros depressores do sistema
nervoso central.
Tipicamente
seus efeitos iniciam após uma hora da ingestão da droga ou após poucos minutos
da droga injetada. Pacientes inconscientes geralmente retomam o nível de
consciência após 2 a 3 horas. Usuários crônicos podem desenvolver sintomas de
abstinência como: tremores, confusão, agitação, insônia, náusea e vômitos.
Tabela 4. Efeitos da intoxicação pelo GHB
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LEVE
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MODERADO/GRAVE
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Tratamento
da intoxicação
Pacientes
assintomáticos devem ser observados por pelo menos 2 horas. A naloxona pode ser
utilizada para reverter os efeitos do GHB e pode ser considerada em casos de
coma e depressão respiratória. Os benzodiazepínicos podem ser utilizados para
sintomas de abstinência ou crises convulsivas. A bradicardia severa pode
responder à atropina.
CANNABIS
O
cannabis é uma droga muito utilizada no mundo e que produz um estado de
excitação seguida de relaxamento. É usualmente fumada, porém também pode ser
ingerida oralmente. Receptores canabinóides específicos foram identificados
recentemente. Mortes decorrentes dos efeitos agudos do cannabis são raras,
muito embora, acidentes possam ocorrer em função do prejuízo psicomotor
desencadeado pela substância.
Agudamente,
os efeitos do cannabis podem causar prejuízo da coordenação, euforia,
ansiedade, hipotensão, taquicardia, prejuízo do julgamento, hiperemia
conjuntival, taquicardia, boca seca e estimulação do apetite.
Efeitos
a longo prazo
Os
efeitos do uso intenso do cannabis incluem a síndrome amotivacional (desânimo
intenso e contínuo) e os efeitos decorrentes do cannabis fumado são semelhantes
aos do tabaco, como doença pulmonar obstrutiva crônica, carcinomas pulmonares e
doenças cardiovasculares. Ainda se discute muito se o cannabis causa
doenças psiquiátricas crônicas ou se meramente desencadeia condições
predisponentes ou piora quadros subclínicos pré-existentes.