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5/26/2012

Efeitos agudos de abuso de drogas




Thompson, JP 

Clinical Medicine (The Journal of the Royal College of Physicians), vol 3 (2), 123-126, 2003 

Este artigo, elaborado por John Thompson, professor titular da disciplina de Farmacologia Clínica da Universidade Wales College of Medicine no Reino Unido discute os principais efeitos agudos das drogas de abuso e o manejo clínico na intoxicação aguda e overdose destas substâncias. Esta semana falaremos da heroína e cocaína e na próxima semana o ecstasy, o LSD, o GHB e o cannabis serão discutidos em detalhes. 
Os efeitos adversos das drogas de abuso podem ser agudos ou crônicos. Estes efeitos incluem tanto os riscos associados à droga propriamente dita quanto à via de administração utilizada pelo usuário. As infecções associadas ao uso de drogas incluem hepatites, HIV, endocardite bacteriana e infecções no local da injeção. 
Muitas das estratégias utilizadas no tratamento de abusadores de drogas visam a "redução de danos" (por ex. a mudança de uma droga por outra menos potente ou prejudicial) ao invés de tentar fazer com que o indivíduo pare totalmente de utilizar qualquer substância. Mesmo a redução de danos não é isenta de complicações, por exemplo, a metadona, utilizada na substituição da heroína já foi responsável por alguns casos de morte. 
Em casos de overdose, um bom tratamento de suporte continua sendo a melhor conduta. O médico do atendimento de emergência deve obter a história mais detalhada possível e manter as vias aéreas, respiratórias e circulatórias monitoradas e funcionantes. 

HEROÍNA (diacetilmorfina, diamorfina) 
A heroína é um opióide analgésico, pouco utilizado no Brasil. Nos países em que é bastante utilizada, é geralmente comercializada em sua forma impura contendo aproximadamente 40% dos ingredientes ativos e diluída com outras substâncias como açúcares ou talcos. No entanto, sua concentração pode variar muito, o que contribui muito para casos de overdoses acidentais. Ela é injetada pelas vias intravenosa, intramuscular ou subcutânea ou pode ser fumada. 
A heroína é rapidamente convertida em morfina. Efeitos desagradáveis incluem náusea, vômitos e depressão respiratória. O uso regular da heroína pode levar a uma rápida tolerância a seus efeitos levando o indivíduo a utilizar doses cada vez maiores para se obter os mesmos efeitos. Sintomas de abstinência incluem: ansiedade, agitação, mialgia, vômitos, diarréia, "fissura" e rinorréia. 
Os sintomas de overdose pelos opióides estão descritos na tabela 1 e podem ser potencializados pela co-ingestão de álcool e outros depressores do sistema nervoso central (SNC). 
Descrição: http://apps.einstein.br/alcooledrogas/novosite/imagens/shim.gif
Tabela 1. Sintomas agudos da overdose por opióides
  • ·       Respiração lenta
  • ·       Depressão do sistema nervoso central
  • ·       Miose
  • ·       Pneumonia aspirativa
  • ·       Hipotensão
  • ·       Taquicardia
  • ·       Edema pulmonar não cardiogênico
  • ·       Rabdomiólise
  • ·       Alucinações

Descrição: http://apps.einstein.br/alcooledrogas/novosite/imagens/shim.gif

Tratamento da overdose 
Se o indivíduo estiver em coma ou depressão respiratória, a naloxona, que é um antagonista opióide específico, pode ser administrada, preferivelmente intravenosamente, em quantidade suficiente para retomar o padrão respiratório e elevar o nível de consciência. 
As doses geralmente utilizadas são de 400 ug a 2 mg no adulto ou 10 ug /kg em crianças. A naloxona é um antagonista competitivo e grandes quantidades podem ser necessárias para reverter o quadro clínico de indivíduos seriamente intoxicados. A naloxona deve ser administrada com muito cuidado, pois ela pode precipitar crises de abstinência em indivíduos dependentes. A droga apresenta uma meia-vida mais curta (1-2 horas) que a morfina (3-4horas) e pacientes podem necessitar de um monitoramento bem cuidadoso já que os efeitos da naloxona cessam antes dos efeitos dos opiáceos. 
Alguns pacientes podem precisar de uma administração contínua de naloxona por meio de bomba de infusão. A administração de 2/3 da dose/ hora que seria capaz de "acordar o indivíduo" é uma estimativa razoável para a quantidade do medicamento que será necessário, porém, esta não substitui o monitoramento contínuo destes pacientes. A não-resposta a doses adequadas de naloxona sugere que o opióide não é a causa do rebaixamento do nível de consciência, portanto outras causas devem ser investigadas. Os pacientes devem ser observados por pelo menos 6 horas da última dose de naloxona administrada. Na presença de edema pulmonar a ventilação mecânica pode ser necessária. 

COCAÍNA (benzoilmetilecgonina) 
A cocaína pode ser utilizada em três vias: fumada, cheirada ou injetada. A cocaína é um alcalóide natural que além de sua ação anestésica pelo bloqueio dos canais de sódio, inibe a recaptação de dopamina e catecolaminas. A cocaína também aumenta a agregação plaquetária e tem um efeito sobre o epitélio vascular. O seu uso crônico pode levar a uma perfuração do septo nasal devido a vasoconstrição local e rinorréia. Casos de granuloma pulmonar, edema, pneumotórax e pneumomediastino também foram descritos. 
Tratamento da toxicidade 
Os sintomas da overdose aguda pela cocaína são descritos na tabela 2. O tratamento é de suporte. Convulsões devem ser controladas com o uso de benzodiazepínicos (BZD) que também diminuem a agitação. A hipertensão e taquicardia geralmente diminuem após a administração do BZD, porém, se a hipertensão persistir, nitratos e bloqueadores de canal de cálcio devem ser utilizados. 
Os betabloqueadortes devem ser evitados ou utilizados com cuidado já que o beta-bloqueio na presença de uma intensa estimulação catecolaminérgica pode levar a uma super alfa-vaconstrição com conseqüente piora da hipertensão. Alguns beta-bloqueadores também têm efeitos alfa-antagonistas e são preferidos aos beta-bloqueadores cardio seletivos. Seus efeitos beta-antagonistas são mais potentes, portanto cuidados ainda tem de ser tomados. Alguns autores recomendam tratamento com um betabloqueador cardio seletivo em combinação com um vasodilatador direto, como nitroprussiato. Este é um tratamento especializado, portanto deveria ser realizado apenas por profissionais com treinamento anestésico elou cardiológico. 
A acidose metabólica deve ser corrigida utilizando-se bicarbonato de sódio. O dantrolene pode ser administrado em pacientes com hipertermia que falham em responder às medidas convencionais de resfriamento. 
Tabela 2. Sintomas agudos de overdose pela cocaína
  • ·       Agitação
  • ·       Delirium
  • ·       Taquicardia
  • ·       Hipertensão
  • ·       Arritmia cardíaca
  • ·       Dor no peito
  • ·       Infarto do miocárdio
  • ·       Sudorese
  • ·       Convulsões
  • ·       Hiperpirexia (febre extrema)
  • ·       Acidose metabólica


ECSTASY (3,4-metilenedioximetanfetamina) 
O Ecstasy é uma anfetamina semi-sintética, particularmente popular em ambientes noturnos que tocam músicas eletrônicas. O ecstasy é habitualmente consumido em comprimidos ou cápsulas, contendo cerca de 30 a 150 mg de MDMA, porém, análises mais detalhadas têm mostrado que muitos outros produtos estão geralmente presentes. 
Intoxicação 
Os efeitos da intoxicação aguda pelo ecstasy são decorrentes dos efeitos adrenérgicos e serotoninérgicos (5HT) centrais e periféricos. O ecstasy produz um quadro de euforia e bem-estar, sensação de intimidade e proximidade com os outros. Outros efeitos são diminuição do apetite, taquicardia, tensão maxilar, bruxismo e sudorese. A duração dos efeitos é 4 a 6 horas e o desenvolvimento de tolerância rápida impede o uso compulsivo e aditivo. 
Crises hipertensivas, precordialgias, arritmias cardíacas, hepatites tóxicas, hipertermia, convulsões, rabdomiólise e morte já foram relatadas. Mortes súbitas podem ocorrer em decorrência de arritmias cardíacas supraventriculares ou ventriculares, e mortes tardias podem ocorrer em decorrência de hipertermia, síndrome neurolética malígna ou falência hepática. Casos de hemorragia cerebral, infarto e falência hepática já foram relatados. A hiponatremia ocorre devido a uma secreção inapropriada do hormônio anti diurético somada a uma ingestão insuficiente de líquidos. 
Sintomas ansiosos e psicóticos agudos e crônicos (em indivíduos predispostos) podem aparecer. Relatos de casos também demonstraram alterações importantes no humor e cognição de usuários crônicos. 
Tratamento 
O tratamento para a intoxicação pelo ecstasy é sintomático e suportivo. Um ECG deve ser obtido, o médico deve solicitar um hemograma, provas de função renal e hepática, uréia e creatinina e em casos graves deve-se descartar a presença de coagulação intravascular disseminada (CIVD). Para intoxicações moderadas, a pressão arterial e a temperatura devem ser monitoradas por pelo menos 12 horas e agitações e convulsões devem ser controladas com benzodiazepínicos. A hipertensão pode ser tratada com nitratos ou antagonistas de canais de cálcio e a hipotensão com fluidos intravenosos. 
Em casos graves, a dopamina pode ser necessária, uma vez que os fluidos já foram repostos. Se a temperatura exceder 39º, o organismo deve ser resfriado com água morna e o dantrolene pode ser necessário para diminuir a produção de calor conseqüente à hiperatividade muscular. Se estas manobras forem insuficientes para controlar a hiperpirexia (elevação acentuada da temperatura corpórea), a ventilação mecânica com agentes que paralisam a musculatura pode ser necessária. O ciproheptadine que é um antagonista do 5HT também pode ser utilizado. 
Tabela 3. Efeitos agudos da intoxicação pelo ecstasy
DOSES MODERADAS
DOSES ALTAS
  • ·       Agitação
  • ·       Ansiedade
  • ·       Insônia
  • ·       Boca seca
  • ·       Dilatação pupilar
  • ·       Hipertensão

  • ·       Delirium
  • ·       Nistagmo
  • ·       Tremor
  • ·       Coma
  • ·       Hiperreflexia
  • ·       Convulsões
  • ·       Hiperpirexia
  • ·       Rabdomiólise
  • ·  Síndrome da fadiga respiratória do adulto
  • ·       Hipertensão seguida de hipotensão


LSD (ácido lisérgico dietilamida) 
O LSD é usualmente ingerido através de papéis, comprimidos ou cápsulas. É um potente agonista de receptores 5HT1 e 5HT2. Os efeitos agudos incluem confusão, agitação, alucinações visuais, dilatação pupilar e ocasionalmente aumento da temperatura. O LSD possui baixa toxicidade, porém a overdose pode levar à acidose metabólica, coma e dificuldade respiratória. Ansiedade, despersonalização, paranóia e hiperacusia também podem ocorrer. Ilusões são comuns porém alucinações francas são raras. Usualmente, os pacientes melhoram em poucas horas, embora alguns casos levem até dois dias para obter melhora. 
A síndrome neuroléptica malígna pode ocorrer. Reações crônicas incluem flashbacks, depressão severa, reações psicóticas prolongadas e exacerbações de doenças mentais pré-existentes. A tolerância ocorre rapidamente. 
Tratamento na intoxicação 
Geralmente o tratamento é sintomático e suportivo. Pacientes devem ser colocados em ambientes calmos com o menor número de estímulos possível. Os benzodiazepínicos são considerados o tratamento de escolha para sedação. Fenotiazinas devem ser evitadas em função de casos de colapso cardiovascular anteriormente relatados. 
GHB (gamahidroxibutirato) 
O GHB foi originalmente desenvolvido como um agente anestésico, mas que deixou de ser usado por desencadear irritabilidade intensa após a cessação de seus efeitos. Atualmente é utilizado como uma droga psicodélica, administrada em sua forma líquida. 
Embora os efeitos da intoxicação sejam dose dependentes, há uma variabilidade individual para tais efeitos. Seus efeitos clínicos (listados na tabela 4) são potencializados pelo álcool, benzodiazepínicos e outros depressores do sistema nervoso central. 
Tipicamente seus efeitos iniciam após uma hora da ingestão da droga ou após poucos minutos da droga injetada. Pacientes inconscientes geralmente retomam o nível de consciência após 2 a 3 horas. Usuários crônicos podem desenvolver sintomas de abstinência como: tremores, confusão, agitação, insônia, náusea e vômitos. 
Tabela 4. Efeitos da intoxicação pelo GHB
LEVE
MODERADO/GRAVE
  • ·       Euforia
  • ·       Náusea
  • ·       Sonolência
  • ·       Cefaléia
  • ·       Ataxia
  • ·       Confusão
  • ·       Agitação
  • ·       Hiponatremia

  • ·       Bradicardia
  • ·       Hipotensão
  • ·       Depressão respiratória


Tratamento da intoxicação 
Pacientes assintomáticos devem ser observados por pelo menos 2 horas. A naloxona pode ser utilizada para reverter os efeitos do GHB e pode ser considerada em casos de coma e depressão respiratória. Os benzodiazepínicos podem ser utilizados para sintomas de abstinência ou crises convulsivas. A bradicardia severa pode responder à atropina. 
CANNABIS 
O cannabis é uma droga muito utilizada no mundo e que produz um estado de excitação seguida de relaxamento. É usualmente fumada, porém também pode ser ingerida oralmente. Receptores canabinóides específicos foram identificados recentemente. Mortes decorrentes dos efeitos agudos do cannabis são raras, muito embora, acidentes possam ocorrer em função do prejuízo psicomotor desencadeado pela substância. 
Agudamente, os efeitos do cannabis podem causar prejuízo da coordenação, euforia, ansiedade, hipotensão, taquicardia, prejuízo do julgamento, hiperemia conjuntival, taquicardia, boca seca e estimulação do apetite. 
Efeitos a longo prazo 
Os efeitos do uso intenso do cannabis incluem a síndrome amotivacional (desânimo intenso e contínuo) e os efeitos decorrentes do cannabis fumado são semelhantes aos do tabaco, como doença pulmonar obstrutiva crônica, carcinomas pulmonares e doenças cardiovasculares. Ainda se discute muito se o cannabis causa doenças psiquiátricas crônicas ou se meramente desencadeia condições predisponentes ou piora quadros subclínicos pré-existentes.