Poulin, Christiane
Hand, Denise
Boudreau, Brock
Santor, Darcy
Addiction, Volume 100(4), Abril 2005, p 525-535
Este estudo explora as diferenças de gênero na associação entre uso de substâncias e sintomas depressivos em uma amostra de adolescentes da população em geral. Um total de 12.771 estudantes de escolas públicas, com idade média de 15 anos, foi avaliado para esta finalidade.
Os sintomas depressivos foram avaliados a partir da aplicação do questionário CES-D (Centre for Epidemiological Studies-Depression Scale; Radloff 1977). Os autores encontraram uma prevalência de sintomas depressivos muito elevada, ou seja, 8.6% em mulheres e 2.6% em homens. O uso de álcool e cigarro foram preditores de sintomas depressivos em mulheres, mas não em homens; o uso da maconha demonstrou associação com sintomas depressivos intensos em homens e mulheres.
Aproximadamente 10.3% dos adolescentes se disseram potenciais candidatos a tratamento para depressão. Houve associação entre risco de depressão, idade, uso de álcool, tabaco e maconha e tal associação diferiu de acordo com gênero.
Introdução
Uma revisão extensa da literatura científica demonstrou associação entre uso de substâncias psicoativas, gênero e transtornos mentais. Os adolescentes são conhecidos como um subgrupo particularmente em risco para uso de substâncias e em crescente risco para depressão. Além disso, foram observadas diferenças de gênero tanto para a prevalência de depressão quanto para uso de substâncias na população jovem. Porém, o que permanece desconhecido é o papel do gênero em indivíduos que fazem uso de substâncias como um fator predisponente para depressão na adolescência.
Prevalência de depressão na adolescência
Estudos canadenses em jovens mostraram uma prevalência de depressão "na vida" de 21% em mulheres e 11% em homens entre 12 e 19 anos e uma prevalência de depressão "no último ano" de 8% em mulheres e 4% em homens entre 15 e 24 anos de idade. Nos Estados Unidos e Europa, a prevalência de depressão maior "na vida" em adolescentes variou de 13% a 22% em indivíduos com até 18 anos de idade.
A prevalência de humor depressivo é maior do que a prevalência do transtorno depressivo. A prevalência de humor depressivo obtida a partir da aplicação da escala CES-D (Centro de Estudos Epidemiológicos - escala de depressão - Radloff 1977) foi calculada em 9% a 31%. Vale ressaltar que a existência de sintomas depressivos na adolescência é um fator de risco para o desenvolvimento de humor depressivo e transtorno depressivo na vida adulta.
No que diz respeito à diferença de gêneros, numerosos estudos mostraram que adolescentes do sexo feminino estão em maior risco de apresentar sintomas e transtorno depressivo do que os homens. De acordo com estudos anteriores, as mulheres têm um risco duas vezes maior que os homens de desenvolver transtorno depressivo. A vulnerabilidade para depressão em mulheres começa na adolescência e é mantida ao longo de vida (Hankin et al. 1998; Vadeie al de et. 2002; Kuehner 2003). Várias teorias tentam explicar esta diferença: fatores hormonais, sociais e vulnerabilidades pré-existentes.
Depressão e o uso de álcool, cigarros e maconha
A depressão e o uso de álcool parecem coexistir em adolescentes. Um estudo encontrou 23.6% de mulheres depressivas que consumiam álcool pelo menos uma vez por semana comparado a 7.1% de mulheres não depressivas.
Níveis crescentes de uso problemático de álcool são associados com uma probabilidade crescente de transtorno depressivo e sintomas depressivos precoces estão relacionados a problemas relacionados ao uso do álcool na vida adulta.
O uso do tabaco também constitui um fator de risco para humor depressivo atual e futuro. O uso de cannabis, particularmente o uso pesado, esteve associado a maiores índices de depressão na adolescência. Estudo realizado em adolescentes australianos apontou 16% de transtorno depressivo associado ao uso de maconha (pelo menos 1 vez na vida) contra 6% de transtorno depressivo em jovens que nunca tinham feito uso de maconha. Outros estudos também mostraram relação entre uso precoce de cannabis e depressão futura.
Depressão, uso de substâncias e diferenças de gênero
Enquanto as mulheres possuem risco aumentado para o desenvolvimento de sintomas depressivos, homens possuem risco aumentado para uso de substâncias psicoativas. A maior parte dos estudos sobrepõe estes sintomas sem levar em consideração essa diferença de gênero.
Dos poucos estudos realizados na comunidade, verificou-se que as mulheres possuem maior risco do que os homens de apresentar concomitantemente sintomas depressivos e uso de substâncias.
Em adultos, importante estudo realizado na comunidade americana (Nacional Comorbidity Survey - Kessler et al. 1997) verificou que a comorbidade entre transtorno depressivo e transtornos relacionados ao uso de substâncias foi maior em mulheres. Em adolescentes, Acierno e colaboradores encontraram forte associação entre transtorno depressivo e uso pesado de tabaco em mulheres. O mesmo não foi encontrado em homens. Por outro lado, três outros estudos em adolescentes da comunidade não encontraram diferenças entre os gêneros.
Em conclusão, o papel do gênero na relação entre uso de substâncias e o risco de depressão na população adolescente permanece obscuro.
O objetivo principal dos autores deste estudo foi determinar a prevalência de sintomas depressivos na população adolescente de províncias canadenses e explorar as diferenças de gênero na associação entre uso de substâncias e risco de depressão. A hipótese aventada foi que uso de álcool, cigarros e cannabis são preditores de sintomas depressivos em jovens, diferentemente em homens e mulheres.
Métodos
A região do atlântico canadense inclui as províncias de Nova Escócia, Nova Brunswick (NB), Newfoundland e Labrador (NL) e Príncipe Edward Island (PE). A região tem uma população de aproximadamente 2.34 milhões de habitantes. Participaram do estudo 12 771 estudantes avaliados no período de 2002/2003 com idade média de 15.1 anos e 50.1% do sexo masculino. Os sintomas depressivos foram avaliados a partir da aplicação do questionário CES-D (Centre for Epidemiological Studies-Depression Scale; Radloff 1977).
O objetivo principal dos autores foi determinar a prevalência de sintomas depressivos na população adolescente de províncias canadenses e explorar as diferenças de gênero na associação entre uso de substâncias e risco de depressão. Na semana passada, comentamos as justificativas dos autores para a realização deste estudo e a metodologia aplicada. A hipótese testada foi que o uso de álcool, cigarros e cannabis são preditores de sintomas depressivos em jovens, diferentemente em homens e mulheres.
Resultados e Discussão
Estudantes de ambos os gêneros apresentaram diferenças quanto à prevalência de sintomas depressivos e uso de substâncias. As mulheres tiveram uma maior prevalência de sintomas depressivos que os homens (8.6% contra 2.6%, P <0.001) e uma prevalência duas vezes maior de sintomas depressivos graves (24.7% contra 14.5%, P <0.001) que os homens.
Em relação ao uso de álcool, as mulheres referiram "episódios de uso pesado do álcool" menos do que os homens (17.6% contra 12.7%, P <0.001), apesar dos autores não terem encontrado diferença entre os gêneros quanto a "uso pesado de álcool" propriamente dito (32.2% contra 28.8%, P> 0.03).
Em relação ao tabagismo, as mulheres referiram "uso de 10 ou menos cigarros por dia" mais do que os homens (20.2% contra 16.3%, P <0.001), enquanto que os homens informaram 'uso de mais de 10 cigarros por dia" (4.7% contra 3.5%, P <0.01).
Os homens tiveram uma prevalência significativamente maior do que as mulheres para uso de maconha (13.6% contra 7.9%, P <0.001).
Risco de depressão entre estudantes do sexo feminino
Três achados foram mais importantes:
Primeiro: o risco de depressão em estudantes do sexo feminino esteve associado à idade e padrão de consumo de álcool. A prevalência de sintomas depressivos graves foi maior em estudantes do 1º. ano do ensino médio, diminuindo até o 3º. ano. Em termos de idade, a maior prevalência de sintomas depressivos graves (11%) ocorreu em jovens de 15 a 16 anos. Em relação a padrão de consumo de álcool, verificou-se que mulheres que referiram consumo de álcool tiveram 2 vezes mais chances de apresentar sintomas depressivos. "Beber pesado" demonstrou ser um importante fator de risco para sintomas depressivos graves em estudantes do sexo feminino.
Segundo: apesar do risco de depressão em estudantes do sexo feminino ter sido associado a uso de nicotina e cannabis, esta associação ficou bastante diminuída quando todas as variáveis do estudo foram avaliadas simultaneamente. Particularmente, estudantes tabagistas tiveram um risco duas vezes maior de sintomas depressivos do que jovens não tabagistas. Além disto o uso de maconha foi preditor de sintomas depressivos graves em mulheres jovens.
Terceiro, o risco de depressão em estudantes adolescentes do sexo feminino esteve associado a desempenho acadêmico, ou seja, pessoas com baixo nível escolar apresentaram maior risco para depressão.
Risco de depressão em estudantes do sexo masculino
Aproximadamente 17.1% dos estudantes do sexo masculino apresentaram algum sintoma depressivo (14.5%) ou sintomas depressivos graves (2.6%). Os estudantes do sexo masculino que fizeram uso de maconha tiveram um risco 1.5 vezes maior para o desenvolvimento de sintomas depressivos graves quando comparados aqueles que nunca tinham feito uso da droga. Não foi encontrada relação entre uso de álcool e cigarro e risco de depressão.
Por outro lado, indivíduos com baixa escolaridade tiveram maior associação com sintomas depressivos. Este estudo nos trouxe um importante conhecimento a respeito do risco de depressão em jovens. Particularmente, o estudo mostrou que gênero, uso de substâncias e idade são fatores de risco relevantes para o aparecimento de sintomas depressivos graves.
Enquanto o risco de depressão em homens esteve associado unicamente ao uso de maconha, o risco de depressão em mulheres esteve associado às três substâncias (álcool, tabaco e nicotina). Entre os homens o risco de depressão não esteve associado à idade. Entre as mulheres sim.