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1/22/2012

Teoria do Caos, Gestalt e Neuropsicologia

Gestalt 


Palavra alemã que não tem tradução exata para o português; refere-se ao processo de dar forma de compreender o que se apresenta diante dos olhos. É a percepção de uma entidade concreta, individualizada, que existe e se destaca das demais pela sua forma e seus atributos. Essa teoria, também conhecida como psicologia da forma, surgiu no começo do século vinte e tem sua estrutura científica apoiada em dois conceitos: supersoma e transponibilidade. 

De acordo com a teoria gestáltica, não se pode ter conhecimento do "todo" por meio de suas partes e sim das partes pelo todo, pois o todo é maior que a soma de suas partes. A esse aspecto se dá o nome de supersoma. O segundo aspecto considerado pela gestalt é a transponibilidade; independentemente dos elementos que constituem um objeto, reconhece-se ali uma forma (gestalt). Admite-se, por exemplo, que uma mesa é uma mesa, seja ela redonda, retangular ou quadrada, feita de plástico, metal, madeira ou qualquer outra matéria-prima. Em outras palavras, a forma sobressai. 

Wertheimer provou que diferentes maneiras de organização perceptiva são percebidas de forma organizada e com significado distinto por cada pessoa. Assim, as letras r, o, s, a não constituem apenas uma palavra; em nossas mentes elas evocam a imagem de uma pessoa ou da flor, seu cheiro sua cor e seu simbolismo - propriedades não exatamente relacionadas às letras. 

Outra escola que estudava a mesma teoria identificou dois processos distintos na percepção sensorial. O primeiro é a sensação, a percepção física pura dos elementos de uma configuração (o formato de uma imagem ou as notas de uma música), inerente ao objeto percebido; o segundo é a representação, um processo independente dos sentidos por meio do qual os elementos agrupados excitam a percepção e geram uma nova compreensão. 

Segundo a Gestalt, existem sete princípios que interagem na percepção: a tendência à estruturação, a segregação figura-fundo, a forma e sua pregnância ou qualidade, a constância perceptiva, a semelhança, a proximidade e o fechamento. 

Caos 

Poucas décadas depois do surgimento da teoria da gestalt, enquanto pesquisava as variáveis de previsão do tempo, Lorenz desenvolveu uma seqüência numérica que utilizava no computador. Percebeu que depois de algum tempo, a seqüência se modificava e gerava um padrão diferente. Esse efeito, que ficou conhecido por Efeito Borboleta, mostrava que aquilo que era uma diferença muito pequena ao início de uma seqüência numérica, aumentava no tempo e gerava mudanças nos padrões numéricos. 

Ele afirmou, de maneira metafórica, que uma pequena alteração atmosférica como o bater das asas de uma borboleta, poderia gerar, depois de algum tempo, um furacão em qualquer outra parte do mundo. Claro que ele não podia predizer com certeza se o furacão ocorreria ou não, o que o levou a outro princípio da teoria; o princípio da incerteza. 

Assim, pode-se definir um sistema caótico como aquele que demonstra grande sensibilidade às condições iniciais; onde as mudanças nas condições do ambiente não são tão importantes quanto as pequenas alterações iniciais que conduzem a condições posteriores, mais significativas e imprevisíveis, tornando cada vez mais difícil prever os acontecimentos futuros decorrentes da perturbação inicial. Essa teoria tem várias aplicações na psicologia, particularmente na terapia baseada na fenomenologia. 

Um sistema caótico não é aleatório e nem desordenado, pois existe uma ordem e um padrão no sistema como um todo. É o chamado caos determinístico, onde o comportamento do sistema pode ser representado por equações matemáticas. A Teoria do Caos permite que as pessoas passem a ver ordem e padrão onde antes, por conta de uma visão reducionista de mundo, só se observava a aleatoriedade, a irregularidade e a imprevisibilidade. Pode-se assim dizer que, com a visão complexa de mundo, a realidade tem uma irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível e uma desordem ordenada. 

O caos pode ainda ser definido como um processo complexo (no qual tudo está relacionado) – qualitativo e não-linear – caracterizado pela (aparente) imprevisibilidade de comportamento e pela grande sensibilidade a pequenas variações nas condições iniciais de um sistema dinâmico. Os estados deste processo podem ser perfeitamente quantificáveis e previsíveis pela utilização de modelos matemáticos, analíticos ou numéricos que descrevem o sistema. 

Sistemas simples podem apresentar comportamento complexo. Sistemas complexos podem dar origem a comportamentos simples. As relações de causa e efeito não são proporcionais e nem imediatas. A saída gerada por um ciclo do sistema pode ser iterativa e alimentar o ciclo seguinte. 

Caos x Gestalt 

O ser humano é um organismo (sistema) que reage às perturbações do meio e aos efeitos dessas sobre sua vida. O caos aparece quando o tipo de vida e as suas relações já não lhe servem, pois causam danos e, portanto, dor. 

Assim como na climatologia, onde a teoria do caos se origina a partir dos estudos de previsão do tempo, dos padrões aleatórios e imprevisíveis das nuvens, por exemplo, também nas relações humanas a teoria se aplica, desvendando um caos subjacente aos comportamentos teoricamente ordenados. Nesse caso, a incerteza aparece nas relações, quando os indivíduos se opõem às mudanças (internas e externas) e tentam controlá-las. 

Existem inúmeros dogmas, paradigmas e tabus presentes em todas as sociedades, criados para não permitir o fluxo natural do relacionamento entre as pessoas. À sua vez, cada indivíduo busca significados que, de maneira subjetiva, são ordenados de forma a obter respostas aos seus questionamentos, baseando-se nas experiências anteriores e, inconscientemente, buscando manter o equilíbrio conhecido e evitando as incertezas que podem perturbar a zona de conforto estabelecida. 

Imagine-se, por exemplo, uma pessoa dizendo à outra - eu te amo – esse contato absolutamente espontâneo gera na outra, muito provavelmente, um sentido de distúrbio interior (caos), levando a um re-ordenamento quase imediato, para chegar às respostas adequadas à declaração percebida, segundo os padrões de um sistema comportamental desenvolvido na mais tenra infância. 

Isto é o que sugere a teoria do caos. As sensações e as percepções migram de um sistema a outro (indivíduos) fazendo com que as pessoas se sintam um pouco “caóticas” (perturbadas) e, quase imediatamente, tentem “viver” este caos, buscando voltar a se sentirem cômodas (ou equilibradas). O problema desse comportamento é que, ao se reorganizar a relação com o mundo da mesma “velha maneira” (ou utilizando o mesmo padrão), muito provavelmente serão obtidos resultados já conhecidos e deixar-se-á de alcançar uma nova homeostase que poderia ter acontecido no momento em que se estabeleceram os contatos interpessoais. 

Nota: Homeostase ou Homeostasia é a propriedade de um sistema aberto, seres vivos especialmente, de regular o seu ambiente para manter uma condição estável, mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados. Segundo a teoria do caos, se o indivíduo amplia o contexto (campo do sistema), permanece no processo sistêmico e tende a encontrar uma nova ordem ou equilíbrio definido a partir do caos. 

Na gestalt, o ser humano é entendido como um fenômeno natural e não como um portador de enfermidades que devem ser tratadas ou curadas. Ao contrário, ajuda a compreender, a dar-se conta de como esse fenômeno (o ser humano) vive, cresce e muda, não quando deseja, mas de maneira natural e no momento em que o sistema e seu ambiente possibilitem essas mudanças. 

A aplicação da gestalt na psicologia nasce dos estudos sobre humanismo e existencialismo. Aplica métodos que tratam de servir, cuidar, assistir e se comunicar com indivíduos que buscam compreender sua existência. Por outro lado, ao ajudar o outro aplicando os conceitos do caos à terapia, o profissional imerge no caos da vida de cada indivíduo e busca auxiliá-lo a descobrir as respostas para tudo o que lhes causa desconforto ou dor que indica, portanto, um desequilíbrio do sistema individual. 

Todo o trabalho desenvolvido com indivíduos ou grupos se conforma segundo processos caóticos permeados pela incerteza que conduz a outras experiências caóticas de tal forma que a cada novo evento apresenta-se um sem número de possibilidades de interferência no sistema individual ou grupal. Entendendo-se o princípio do caos desde a primeira perturbação inserida no sistema e estando-se aberto às opções imprevisíveis decorrentes dessa interferência, o terapeuta estará mais bem preparado para trabalhar com precisão e, em princípio, menos contaminado pela informação aprendida anteriormente. 

Quando se trabalha com grupos, esse pode ser representativo de uma comunidade ou sociedade. Assim, ao ajudar o grupo a encontrar o balanço, o equilíbrio e, portanto, a forma de sair do caos, deve-se ter em mente que também se está intervindo na sociedade ou comunidade. 

A aplicação da teoria do caos em trabalhos com grupos pode ser considerada de duas maneiras: 

- Cada sessão é incerta até que aconteça. A despeito de treinamento, educação, habilidades e experiências, o grupo está submetido a um número enorme de variáveis que não podem ser definidas. 

- Não há segurança de que o emprego das técnicas, dos métodos ou da aproximação traga os resultados desejados. Embora se possa partir de premissas bastante acuradas para a observação de resultados semelhantes em grupos diferentes, cada grupo é regido pelos princípios da incerteza dentro e fora do ambiente terapêutico. Vale ressaltar que o terapeuta como membro do grupo, é o indivíduo mais caótico, pois é ele que toma as decisões cruciais que conduzem aos processos de reação do grupo; qualquer decisão contribui com o caos ou com a dinâmica de mudanças comportamentais que visam a restabelecer o equilíbrio. 

O ser humano é treinado a perceber que existe uma ordem natural e espontânea que emerge do caos evidente – situação de distúrbio – à qual tende a tentar controlar ou modificar. O profissional precisa lidar com o grupo desfazendo-se desse vício de comportamento, visto que não pode predizer ou estar seguro dos resultados exatos que decorrerão do trabalho terapêutico. 

A gestalt conta com inúmeros métodos e técnicas para explorar o fenômeno do caos e sua ordem natural subjacente. O caos é o componente dominante do universo, dentro ou fora de cada indivíduo, de tal forma que é importante criar novas possibilidades quando se identifica um acontecimento caótico. O profissional que compreende a incerteza utiliza o seu potencial para a mudança. Ao fazer pequenas intervenções ele pode facilitar processos de auto-regulação que se manifestem no lugar e no momento desejado, embora não possa conhecer os resultados. Uma das formas de intervir de maneira adequada num universo incerto é abrir mão de regras rígidas e contextos fiáveis e seguros que o colocam numa zona de conforto muito perigosa para o sucesso do trabalho. 

Nas palavras de Fritz Perls: “abre a tua mente e deixa aflorar teus sentidos” com o objetivo de libertar-se dos condicionamentos criados ao longo da vida e utilizar de forma completa a intuição, o conhecimento e caminhar pelos meandros caóticos da existência. 

Neuropsicologia 

Atualmente, a definição mais aceita para a neuropsicologia clínica a conceitualiza como uma ciência que se ocupa da avaliação e estudo da expressão comportamental de uma disfunção cerebral (M. Lezak 1983). As relações entre comportamento e disfunção se apóiam no conhecimento científico que fundamenta que todas as condutas comportamentais, desde a mais simples até as mais complexas, estão permeadas por um processo fisiológico de características neuroquímicas e bioelétricas que ocorrem no sistema central (K. Heilman e E. Valesntein 1985). Sendo sistema, está regido pela teoria do caos; enquanto comportamental se explica pelos princípios gestálticos. 

Essa forma de definir a neuropsicologia provavelmente tem sua origem nas primeiras pesquisas realizadas por Broca e Wernicke que, baseando-se na análise dos transtornos de linguagem expressiva e receptiva, conseguiram diagnosticar a localização de uma lesão cerebral. Tal descoberta sinalizou claramente que um comportamento disfuncional (caótico?), tal como as dificuldades de compreensão da linguagem falada ou a expressão da mesma (cognição e percepção?) têm uma correlação orgânica cerebral (M. Quinteros Rountree, 1995). 

Pode-se assim afirmar que a neuropsicologia se situa na zona de sobreposição entre a neurologia e as neurociências por um lado e a psicologia por outro criando o substrato que tenta explicar a base material sobre a qual repousam os fenômenos da psique humana (V. Feld 1998). Outros autores colocam esse substrato na origem social do desenvolvimento das funções cerebrais. 

Nesse caso, consideram de forma relevante o intercâmbio que o indivíduo realiza com seu ambiente onde se produz um movimento de aprendizagem, mediante a internalização adaptativa do mundo que o circunda. Neste processo, e unicamente pelo fator social determinante, o cérebro desenvolve suas potencialidades e, dessa forma, adquire as capacidades que estavam, desde o princípio, em sua estrutura. Essa é uma visão sistêmica fascinante, regida pelos pressupostos caóticos e apoiada nos fundamentos da Gestalt. 

A rápida evolução da neuropsicologia como disciplina independente teve como contrapartida o crescente interesse por parte dos psicólogos e médicos clínicos que vêem nesses estudos um valioso aporte aos problemas práticos de diagnóstico, avaliação e reabilitação de pacientes com dano ou funcionamento cerebral anômalo, constituindo-se assim em um instrumento muito importante para a psiquiatria.