Alegres, inteligentes, companheiros e, acima de tudo, dotados de uma qualidade que nós, humanos, ainda não fomos capazes de desenvolver: dispostos a amar incondicionalmente a qualquer um, independente da aparência física, estado psicológico ou humor.
Os cachorros são assim mesmo - vão chegando e distribuindo afeto ao menor sinal de interação. E é com base neste comportamento que a Terapia Assistida por Cães auxilia na recuperação de diversos públicos, como crianças internadas, com distúrbios psicológicos ou cognitivos, idosos em asilos e dependentes químicos em reabilitação.
Companheiros e dispostos a dar afeto a quem quer que seja, os cães terapeutas ajudam a melhorar o bem-estar de crianças, idosos e dependentes químicos
A técnica é muito difundida em outros países, especialmente nos Estados Unidos e Europa, em países como Itália, Bélgica, Alemanha e Espanha. No Brasil, o trabalho vem crescendo, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. O cão é o animal mais utilizado para este tipo de trabalho por ser mais adaptável. “Ele é o animal mais próximo do ser humano, é fácil de adestrar e transportar. Ele entra como motivador para as práticas terapêuticas”.
Já existem estudos que comprovam benefícios fisiológicos no ser humano quando em contato com os animais. Na TAC, os bichinhos atuam com uma equipe multidisciplinar, com fisioterapeutas, psicólogos, adestradores e outros profissionais, com o objetivo de trabalhar as relações afetivas entre paciente e animal, visando a melhoria do bem-estar.
Crianças
O trabalho na TAC com crianças pode ser feito de duas formas – ou como visitas, ou como parte de uma terapia. O ato de brincar com os animais facilita o desenvolvimento de questões psicológicas e a estimulação cognitiva. “Ele é o motivador, vai transformar uma sessão em algo mais lúdico, quebrando o gelo entre o paciente e o terapeuta”, explica.
Ele ressalta que no caso das crianças internadas, o grande benefício é a quebra do ambiente frio, hospitalar e pouco acolhedor. “As crianças com câncer podem melhorar a imunidade, e as questões emocionais; as cardíacas, acabam tendo uma redução da pressão arterial; crianças com distúrbios psiquiátricos têm uma aproximação ao nosso mundo real e melhoras do quadro de depressão; as autistas melhoram a sociabilização, a partir da interação com os cães".
Na prática percebe-se a melhora de crianças em situação de vulnerabilidade social, que na maioria das vezes desenvolvem problemas psicológicos decorrentes de traumas experienciados nos primeiros anos de vida. “O foco principal é trabalhar a inclusão. O maior papel do cachorro é o vínculo que se cria, porque é muito difícil ter uma criança que não goste de bicho e os cães gostam da pessoa independente do que ela é.”
Uma criança que, por ter um grave problema de descamação na pele, se tornou tímida e não conversava com ninguém. “Quando ele cumprimentava as pessoas, não olhava na cara. Até que ele percebeu que o cachorro lambia a cara dela mesmo assim. Três ou quatro visitas depois, começamos a ser recebidas por ela com abraço e beijo”, acrescentando que o tratamento auxilia também na recuperação da autoestima.
Idosos
Muitos dos idosos que são institucionalizados têm muitas perdas de uma só vez, como a capacidade física, cognitiva, de amigos da mesma idade e da sociedade. “Com essas perdas, eles têm um isolamento afetivo. Afinal, ‘para que vou me ligar emocionalmente à pessoa que está do meu lado se ela pode falecer?’. O cachorro consegue trazer um ganho afetivo sem nenhuma perda”.
Com isso, o benefício mais visível é a motivação. “Por meio desse afeto conseguimos fazer intervenções terapêuticas como fisioterapia, a pedagogia para trabalhar a memória, e a psicologia para lidar com a questão das perdas. O cachorro resgata a motivação de viver”.
Os ganhos para os idosos são muitos. “Eles decoram os nomes de todos os animais e sentem falta quando algum não vem. Até o relacionamento deles melhora, quem nunca conversava acaba interagindo por causa do cachorro”.
Dependentes químicos em recuperação
Na TAC, o projeto foi pensado para a recuperação de dependentes químicos a partir da educação de cães. Tudo começa no abrigo da cidade de Cruzeiro, onde fica a clínica parceira. Alguns cachorros são selecionados e os próprios dependentes químicos participam do adestramento. “Com isso, eles trabalham questões como empatia, paciência, reforço positivo, expressão corporal, coisas que perderam por causa da droga. Ele vai voltar a trabalhar estes valores e reaprender essas habilidades sociais”.
Os cachorrinhos também são beneficiados, pois depois de treinados são colocados para adoção e reintegrados na sociedade – com isso, o valor social e a cidadania também são trabalhados com a pessoa que pretende abandonar as drogas. “Hoje, o cachorro de rua é um problema social e de saúde pública. Ele também foi colocado à margem da sociedade, privado da sua liberdade, assim como o dependente químico. Acaba acontecendo uma identificação e ambos vão conseguir se reintegrar”, conclui.
Pré-requisitos
Não existem raças mais propensas ao trabalho de cão terapeuta, no entanto, todos precisam preencher alguns pré-requisitos. O ideal é que sejam adultos, castrados, dóceis e sociáveis. Além de uma pré-avaliação para análise comportamental, eles passam por um treinamento para não agir agressivamente em hipótese nenhuma e não ter nenhum tipo de medo excessivo, pois isso aumentaria o estresse do animal.
Histórias felizes
Uma história vivenciada em projeto em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas: “Temos uma criança autista que hoje está bem mais sociável, consegue brincar com as outras crianças, interagir e entender a dinâmica familiar melhor”.
Outra história de sucesso é a do comerciante Gastão Cervi Machado, 37, que está internado na Casa Ágape há cerca de três meses para se livrar do vício do crack. Ele conta que quando a cadelinha Ester chegou à instituição, alguns profissionais disseram que ela não tinha o perfil para cão terapeuta. “Só que eu já tinha criado um vínculo com ela em apenas dez minutos de conversa. Senti que estava acontecendo com ela o que aconteceu comigo várias vezes, pessoas me dizendo que eu não era capaz”.
Hoje, ele acredita que a amizade com a cachorrinha e o trabalho de educação que está ajudando a desenvolver são a válvula de escape para a reinserção na sociedade, para ambos. “Ela também está lutando para voltar para a sociedade. O que procuramos na droga é o prazer, que hoje, consigo encontrar através dos animais”, comemora.
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