Desintoxicar o dependente químico é apenas parte do tratamento. Além de depender da vontade do paciente, o uso de medicamentos, isolado, pouco consegue ajudar uma pessoa completamente desorganizada, desde seus cuidados básicos de higiene até suas relações sociais e laços afetivos.
Daí o consenso de que é necessária uma abordagem multidisciplinar para que o tratamento seja eficaz. Desintoxicação, psicoterapia, terapia ocupacional e assistência social são apenas partes do tratamento. E há ainda quem defenda um componente religioso nessa recuperação do indivíduo. Porém, em regra, essa abordagem multidisciplinar ainda está completamente desarticulada no Brasil.
Além da articulação, há necessidade de grande dedicação por parte de quem aplica o tratamento. O atendimento ao usuário exige habilidade e disponibilidade emocional dos profissionais envolvidos, o que demanda grandes investimentos, inclusive em treinamento.
Essa necessidade é agravada ainda pelas recaídas, muito comuns, por outras doenças associadas, por problemas afetivos e com a lei. E o tratamento dessas questões é tão importante quanto livrar o dependente do abuso das drogas.
Segundo o psiquiatra e consultor da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, José Manoel Bertolote, “o sucesso de qualquer tratamento para dependência química passa pela vontade do usuário de se manter afastado da droga”.
Ele se aproxima do conceito de abordagem multidisciplinar, ao lembrar que “a desintoxicação tem seu papel, no sentido de reduzir os danos a que está sujeito o usuário, mas é uma contribuição modesta. Um sólido sistema de apoio médico, psiquiátrico, social, familiar e psicológico é essencial”.
Os médicos confirmam que não existe medicação para reduzir o desejo por crack ou cocaína. Por isso, dizem que não se pode passar às famílias e dependentes a ideia de que, sozinhos, medicamentos vão resolver o problema. Isso sem contar que, a cada passo da medicina, o mercado de drogas ilícitas diversifica seus produtos, deixando os cientistas para trás.
Os psiquiatras da Unifesp Hamer Alves, Marcelo Ribeiro e Daniel de Castro recomendam ainda que o tratamento com abordagem multidisciplinar leve em conta o uso concomitante de outras drogas, especialmente do álcool, generalizado entre dependentes de crack ou cocaína.
A equipe da Unifesp observa que o álcool é um dos maiores obstáculos ao tratamento, por reduzir a capacidade crítica e a motivação e por levar o usuário a estados de impulsividade e euforia, o que aumenta o risco de recaída.
Além disso, qualquer medicamento pode oferecer risco se não for considerada a interação com o álcool, as recaídas, os efeitos colaterais e o uso dos remédios em tentativas de suicídio.
Para tornar o quadro ainda mais complexo, estudos relatam que o uso de cocaína e crack pode desencadear psicose, depressão e esquizofrenia, entre outras doenças psiquiátricas. Para que o tratamento tenha sucesso, o diagnóstico deve ser o mais exato possível para que essas doenças sejam tratadas com remédios específicos, tradicionais e de eficácia comprovada.
Caso a caso
A estratégia de tratamento com abordagem multidisciplinar deve ser definida para cada usuário, de acordo com sua idade, sexo e formação, e sua realidade sócio-econômica. Ainda assim, essa estratégia deve estar sempre sujeita a revisões. Os médicos estimam ser necessários entre seis e 12 meses de tratamento, que pode chegar a mais de três anos. Internações são consideradas imprescindíveis nos casos em que o paciente for um risco para si mesmo e para os outros.
A família e os amigos são fundamentais para que os dependentes se mantenham motivados e compromissados com o tratamento recebido. No entanto, informa a psiquiatra Gilda Pulcherio, “a maioria dos estudos confirma que o universo familiar dessa população é frequentemente disfuncional”. Assim, muitas vezes o tratamento deve incluir também apoio psicológico para a família do dependente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário