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6/20/2012

A maconha e o cérebro


Postagem dedicada a todos os imbecis que acham que a maconha deve ser legalizada.






Anatomia do sistema canabinóide

Há menos de trinta anos, acreditava-se que o princípio ativo da maconha (Cannabis sativa), Δ-9-tetrahidrocanabionol (THC), agia sobre o sistema nervoso central de forma inespecífica, ou seja, perturbava o cérebro como um todo. Posteriormente, foram descobertos receptores específicos para o THC e outros alcaloides canabinóides. Além disso, canabinóides sintetizados pelo próprio organismo (endógenos) também foram identificados. O presente artigo, escrito por Leslie Iversen, é resultado uma revisão do autor sobre a neurobiologia do THC. O artigo será comentado em quatro partes: a primeira abordará a anatomia do sistema canabinóide endógeno; a segunda sua fisiologia básica; a terceira ação do sistema nas diferentes regiões do cérebro e a quarta, a ação da maconha sobre o sistema.

Com a finalidade de aprofundar ainda mais o conteúdo deste artigo, foram incluídas também informações do livro Cannabis and cognitive function, da pesquisadora da University of New South Wales – Austrália, Nadia Solowij (Cambridge University Press; 1998). As descrições das estruturas anatômicas do sistema nervoso foram obtidas no livro Neuroanatomia funcional, do Prof. Dr. Ângelo Machado, da Universidade Federal de Minas Gerais (Atheneu; 1988).

O THC

O Δ-9-tetrahidrocanabionol (THC) (figura 1) é um alcaloide encontrado na resina que recobre os brotos fêmeos do cânhamo (Cannabis sativa ou Cannabis indica). Além do THC, a resina contém cerca de 60 compostos canabinóides, como o canabidinol e o canabinol. Todos, no entanto, bem menos ativos que o THC.

FIGURA 1: molécula de THC e anandamida.
O THC é lipossolúvel, ou seja, capaz de ser dissolvido em gorduras. A maneira mais eficaz para disponibilizar a substância no organismo é fumando os brotos da planta, ou acrescentando-os a comidas gordurosas.

A anandamida

O sistema nervoso central possui neurotransmissores (canabinóides endógenos), cujas moléculas são semelhantes à molécula de THC. Todos eles derivam do ácido aracdônico. Até o momento, três canabinóides foram identificados: a anandamida (N-aracdonil-etanolamina), o 2-aracdonilglicerol e o 2-aracdonilgliceril éter.

A anandamida (figura 1) é a mais conhecida e estudada. A palavra deriva do sânscrito e significa “prazer”. Na religião Veda, a maconha era chamada de ananda. A anandamida é quatro a vinte vezes menos potente que o THC, além de agir por menos tempo no cérebro. Recentemente, descobriu-se que constituintes do chocolate estão quimicamente relacionados com as anandamidas e são capazes de interação com o sistema canabinóide. Isso poderia explicar a fissura que algumas pessoas sentem por este alimento.

Os canabinóides do cérebro são liberados em seu local de ação e inativados pela enzima FAAH. A síntese e a liberação dos endocanabinóides são feitas por estruturas diferentes do cérebro, sendo o 2-aracdonilglicerol muito mais abundante (50 a 1000 vezes) que a anandamida.

FIGURA 2: Localização dos receptores canabinoides tipo 1 (CB1).

Os receptores canabinóides

O sistema nervoso central humano também possui receptores específicos para os canabinóides endógenos e o THC. O conjunto formado pelos receptores e neurotransmissores constitui o sistema canabinóide endógeno.

Há dois tipos de receptores canabinóides conhecidos: o CB1, presente em todo o cérebro (próximo às terminações nervosas de neurônios pertencentes a outros sistemas) e o CB2, localizado em tecidos periféricos, especialmente no sistema imunológico.
FIGURA 3: Ação do sistema canabinóide.

As áreas do sistema nervoso com maior densidade de receptores CB1 são o córtex frontal (raciocínio, abstração, planejamento, etc.), os núcleos da base (motricidade) e o cerebelo (coordenação e equilíbrio). O sistema límbico, responsável pela elaboração e expressão dos fenômenos emocionais, também é rico em receptores CB1, especialmente no hipotálamo (coordenação das manifestações emocionais), hipocampo (memória emocional e inibição da agressividade) e giro do cíngulo (controle dos impulsos). A ausência de receptores CB1 na medula espinhal explica a baixa toxicidade do THC quando administrado em doses elevadas.

Quanto à localização na sinapse, os receptores CB1 estão posicionados na membrana pré-sináptica de outros sistemas. Isso significa que a função do sistema canabinóide é a de modular a liberação de outros neurotransmissores. Esse assunto será tratado no próximo capítulo desta série.

A fisiologia do sistema canabinóide

O sistema canabinóide endógeno, conforme o capítulo anterior está presente de maneira difusa em todo o cérebro. Os receptores canabinóides tipo 1 (CB1) estão localizados nas membranas pré-sinápticas de diversos sistemas de neurotransmissão. Receptores pré-sinápticos modulam a secreção de neurotransmissores, isto é, determinam que quantidade dessas substâncias será liberada na sinapse. Portanto, o sistema canabinóide influencia a intensidade com que outros sistemas agem sobre o cérebro.

O sistema GABA e o sistema glutamato

O sistema GABA é considerado o sistema inibitório do sistema nervoso, ou seja, diminui a ação das outras estruturas do cérebro. Alguns medicamentos (calmantes) e substâncias (álcool) ativam diretamente esse sistema, provocando níveis variados de sedação, que vão da redução da ansiedade ao coma.

Ao contrário, o sistema glutamato é excitatório, isto é, sua ação estimula o sistema nervoso. Ambos, inibitório e excitatório, trabalham em sintonia. Nos momentos de relaxamento, despreocupação e sono, prevalece o sistema GABA, enquanto o sistema glutamato predomina nas ações que requerem atenção e vigília.

FIGURA 4: Molécula de GABA e glutamato.


O  sistema canabinóide

O sistema canabinóide é formado pelo conjunto de receptores CB1 (cerebrais) e CB2 (periféricos) e por neurotransmissores como a anandamida. A atividade do sistema canabinóide é capaz de inibir tanto o sistema GABA, quanto o sistema glutamato. Dessa forma, parece ser responsável pela modulação da atividade inibitória e excitatória do cérebro. Assim, em períodos de maior atividade (trabalho, estudo, jogos que requeiram atenção e concentração), o sistema canabinóide exerce inibição sobre o sistema GABA. Já em períodos marcados pela tranquilidade e pela despreocupação, a ação canabinóide recai sobre o sistema glutamato.

Mecanismo de ação do sistema canabinóide

Para que o bloqueio exercido sobre GABA e glutamato tenha sucesso, a anandamida parece agir impedindo a formação de energia (AMPc), necessária para que os neurotransmissores sejam liberados na sinapse. A maneira precisa pela qual a anandamida e o THC bloqueiam estes sistemas permanece incerta. Tal fenômeno parece estar relacionado a um sistema de sinalização retrógrada rápida, que envolve os canais de íon cálcio (Ca+). 

O modelo proposto foi denominado supressão do sistema inibitório induzido pela despolarização (DSI). Tal modelo sugere que a membrana pós-sináptica ao ser ativada pelo neurotransmissor GABA (inibitório) provoca um aumento do fluxo de íons cálcio (Ca+) para dentro da membrana. Esse influxo libera anandamida para fora da sinapse. A anandamida se liga aos receptores CB1 na membrana pré-sináptica. Tal ligação bloqueia o processo energético que possibilitava a liberação de GABA na sinapse e o processo é interrompido.


FIGURA 5: Supressão do sistema inibitório induzido pela despolarização (DSI)
A DSI pode ser comparada ao modelo da bica, do pêndulo e do recipiente com um ladrão. Ao ligar a água da bica (liberação GABA na sinapse) o recipiente começa a encher (atividade da membrana da pós-sináptica). Quando a água alcança o ladrão (atividade máxima desejada), forma-se o um fluxo (liberação de íons cálcio) que enche o balde fixado à bica (ligação da anandamida ao receptor CB1, com inibição do processo energético), elevando-a e interrompendo a entrada de água no recipiente (supressão do sistema inibitório).

Local de ação do sistema canabinóide

O sistema GABA e glutamato estão espalhados por todo o cérebro. Já o sistema canabinóide, apesar de difuso, está mais concentrado no córtex frontal, núcleos da base, cerebelo e sistema límbico. Essas estruturas estão intrinsecamente relacionadas às funções psíquicas superiores, à motricidade e ao comportamento emocional. As funções desempenhadas por estas estruturas são diretamente influenciadas pelos sistemas GABA e glutamato e moduladas pelo sistema canabinóide. 

A ação do sistema canabinóide sobre o cérebro

O sistema canabinóide e a função motora

Há uma grande concentração de receptores canabinóides nos núcleos da base e no cerebelo, regiões do sistema nervoso responsáveis pela coordenação da motricidade e do equilíbrio do corpo. Em experiências com animais (cachorros e ratos) observou-se um padrão de comportamento denominado “efeito pipoca”, isto é, diminuição da atividade motora (sedação) com resposta rápida e intensa aos estímulos externos (tato, sons, etc.).

Em seres humanos a maconha interfere na coordenação e no equilíbrio dos movimentos, além de deixar o usuário mais propenso ao ensimesmamento e à imobilidade. Isso pode ser explicado pela presença maciça de receptores CB1 nos terminais nervosos inibitórios (GABA) e excitatórios (glutamato), tanto no cerebelo, quanto nos núcleos da base. A ação combinada de GABA e glutamato regulam a atividade motora e sua intensidade (tônus muscular). 

Tal ação combinada parece ser modulada pelo sistema canabinóide, que passa a ser considerado como ‘o maestro’ da atividade motora basal nos seres humanos. Através da inibição retrógrada, o sistema canabinóide fortalece um ou outro sistema, dependendo das necessidades momentâneas do organismo (Figura 6)


FIGURA 6: Cada momento exige da musculatura um trabalho diferente, variando do relaxamento à tensão, com maior ou menor exigência de coordenação e equilíbrio. Essas funções são realizadas por estruturas do cérebro (núcleos da base) e pelo cerebelo. Nesses locais há uma abundância de receptores CB1, evidência que aponta o sistema canabinóide como o principal modulador da atividade muscular.
Há evidências parciais de que a maconha alivia a tensão muscular e a contração exagerada que dificulta o movimento (espasticidade), como acontece na esclerose múltipla. Estudos com animais obtiveram melhora destes sintomas quanto medicamentos à base de maconha foram administrados. Estudos clínicos controlados estão em andamento.

O sistema canabinóide e a memória

A memória para fatos recentes, especialmente quando depende da atenção, fica visivelmente prejudicada durante o consumo de maconha. O local responsável pela ocorrência deste fenômeno é provavelmente o hipocampo. O hipocampo é parte integrante do sistema límbico. A presença do THC torna esta estrutura incapaz de segregar informações provenientes de diversos locais e situações, devido a déficits no processamento das informações sensoriais.

O hipocampo é rico em terminações nervosas inibitórias (GABA) e excitatórias (glutamato). A ação conjunta e sincrônica de ambas cria uma situação de extrema plasticidade nas sinapses do hipocampo para regular a recepção e o processamento das informações advindas do ambiente externo. Desse modo, situações que requerem da memória grande esforço e atenção, aumentam a atividade excitatória (potencialização de longa duração – LTP). Quando não a aquisição de informação não é enfatizada (por exemplo, o olhar despreocupado e relaxado pela janela de um ônibus durante uma viagem), a ação inibitória (GABA) prevalece (depressão de longa duração – LTD).

A ação do sistema canabinóide (anandamida) e do THC inibem de forma retrógrada ambos os sistemas, sendo o sistema excitatório bloqueado com mais intensidade. Com isso, há prejuízo na habilidade dos circuitos nervosos do hipocampo na recepção e no processamento das informações, dificultando a fixação dos fatos ocorridos durante o consumo de maconha.

O sistema canabinóide e o neocórtex

A palavra córtex deriva do grego e significa casca. O córtex é uma fina camada entre dois e seis centímetros que reveste e faz parte do cérebro. Ele é formado pelo agrupamento de neurônios, que recebem e interpretam as informações do meio ambiente e por neurônios que planejam e executam a melhor resposta para cada situação. Durante a evolução, o córtex aumentou significativamente, chegando ao seu maior grau de desenvolvimento na espécie humana. Isso explica o aparecimento das funções psíquicas e intelectuais no homem




A partir de sua evolução, o córtex foi dividido em arquicórtex (presente desde os peixes), paleocórtex (presente desde os anfíbios) e o neocórtex (presente desde os répteis, mas predominante nos mamíferos). As duas estruturas corticais primitivas ocupam apenas uma pequena parte do córtex humano, ligadas à olfação e ao comportamento emocional (sistema límbico).

O neocórtex é responsável pelo controle motor e das funções cognitivas superiores, tais como inteligência, abstração, raciocínio, planejamento e julgamento. Há uma grande concentração de receptores canabinóides (CB1) no neocórtex. A ação do sistema canabinoide nesta região causa sonolência, enquanto a inibição, aumento da atenção e da vigília. Desse modo, conclui-se que a atividade canabinóide neocortical está relacionado ao controle do ciclo sono-vigília.

Quanto à percepção, não se observaram alterações na qualidade da captação de sons e cores, apesar da maioria dos usuários relatar aumento da percepção visual e auditiva, muitas vezes em sinergismo (“os sons têm cores e as cores têm sons”). Outro achado é a percepção demora na passagem do tempo. Outros fenômenos relacionados à ação do sistema canabinóide sobre o neocórtex são: redução da habilidade em inibir respostas (desinibição), diminuição do estado de vigília (sonolência, “chapação”), especialmente para atividades longas e entediantes e piora da habilidade em realizar mentalmente raciocínios aritméticos complexos. Por outro lado, operações aritméticas e de aprendizagem simples, bem como a memória de longa duração encontram-se inalterados.

A existência de prejuízos cognitivos permanentes não é consensual. Acredita-se que o uso crônico e pesado provoque déficits cognitivos discretos, em sua maioria reversíveis com a abstinência. No entanto, prejuízos pequenos, mas significativos podem permanecer. Tal quadro seria improvável em usuários eventuais.

O sistema canabinóide e o apetite

A capacidade da maconha em desencadear fome em seus usuários, ainda que recém-alimentados, é bastante conhecida e chamada popularmente de “larica”. O apetite é direcionado para alimentos adocicados e às vezes para misturas doces e salgadas pouco usuais (perversão do apetite).

Estudos vêm demonstrando que o THC é benéfico na indução do apetite e no combate à perda de peso em pacientes com AIDS. Seu consumo com estes propósitos é permitido na Holanda, Canadá, Suíça e em alguns locais dos Estados Unidos.

A ação do sistema canabinóide sobre o apetite ocorre provavelmente no hipotálamo. Estudos em animais notaram que o estímulo do sistema nessa região provoca aumento da ingesta (especialmente de alimentos doces), enquanto o bloqueio, leva à supressão da mesma. O hipotálamo sintetiza um hormônio supressor do apetite, denominado leptina. A anandamida é capaz de bloquear a ação deste hormônio. Desse modo, o sistema canabinóide opera como modulador da ação da leptina, regulando, assim, a ingestão de alimentos e o ganho de peso do organismo.

O sistema canabinóide e a inibição do vômito

A habilidade do THC e do canabinóide sintético nabilone para controlar a náusea e o vômito associados à quimioterapia é uma das poucas aplicações terapêuticas da substância bem documentadas e consensuais. De fato, a ação sobre os receptores CB1 inibe o vômito, ao passo que o bloqueio produz efeito contrário. O substrato neurobiológico e o mecanismo de ação exato permanecem desconhecidos.

O sistema canabinóide e a dor

No século XIX, a maconha foi largamente utilizada para o alívio da dor. Recentemente, esta propriedade voltou a ser estudada, apesar dos achados até o momento não indicarem vantagens iguais ou superiores aos medicamentos já existentes.

Anandamidas e receptores canabinóides existem em grande quantidade ao longo de todo o circuito da dor (da inervação periférica, passando pela medula espinhal e chegando ao cérebro). Desse modo, estudos vêm demonstrando que o sistema canabinóide é capaz de diminuir a sensibilidade à dor em doenças inflamatórias e não inflamatórias. O bloqueio do sistema não provoca aumento da sensibilidade à dor, sugerindo que este não está envolvido na modulação da sua intensidade.

Há relação paralela, mas não distinta, entre o sistema canabinóide e o sistema opióide. Apesar de atuarem em vias distintas, ambos atuam comumente em alguns locais do sistema nervoso e parecem potencializar um ao outro.

A ação do THC sobre o sistema canabinoides

Nos capítulos anteriores foi possível caracterizar o sistema canabinóide como um importante modulador da atividade motora e psíquica do organismo humano. O THC, devido a sua semelhança molecular com a anandamida, também é capaz de atuar nesse sistema.

Os efeitos que provoca, no entanto, são bastante diferentes. Há alguns motivos para isso: [1] os canabinóides endógenos são secretados localmente, enquanto o THC atinge de uma vez só todos os receptores Cbinóides dura alguns segundos, o THC permanece horas no sistema nervoso central; [3] por fim, a anandamida é cerca de 4 a 20 vezes menos potente que o THC.

Efeitos agudos do consumo de maconha

A experiência com a maconha, além de seu substrato neurobiológico, é altamente influenciada pela dose utilizada, pelo ambiente do consumo e pelas experiências anteriores ou expectativas dos usuários. Geralmente, há um estágio intermediário, com sensação de formigamento pelo corpo e pela cabeça, acompanhada por tonturas. A viagem produzida é uma experiência complexa, caracterizada por aceleração na associação de ideias e senso de humor apurado. Há sensação de calma e relaxamento, dentro de um estado onírico, desconectado da realidade. 

Com frequência, há dificuldade em manter a interlocução dentro de uma tendência lógica, escapando com frequência para construções marcadas pela fantasia. Sonolência e sono podem aparecer. Percepções audiovisuais exacerbadas, aumento do apetite e distorção da orientação temporal já foram descritas anteriormente. Efeitos adversos, tais como piora da concentração e da memória, sintomas paranoides e inatividade também podem acontecer.

O córtex pré-frontal e o sistema límbico parecem ser os responsáveis por esses efeitos. No sistema límbico, há duas regiões especialmente envolvidas: o hipotálamo e a área tegmental ventral ou sistema de recompensa tolerância e dependência.

Estudos com animais e seres humanos demonstram a presença de tolerância após o consumo repetido de maconha. Sintomas de abstinência da substância também já foram descritos. O quadro é marcadamente psíquico e inclui fissura pela maconha, diminuição do apetite, insônia e perda de peso. Alguns indivíduos também apresentam pesadelos, inquietação, ansiedade, irritabilidade e agressividade. Neurobilogicamente, a síndrome de abstinência pode estar relacionada à redução de dopamina no sistema de recompensa (como ocorre com outras drogas) e ao aumento da liberação de corticoides pela ação da amigdala (sistema límbico).

Algumas evidências sugerem pontos em comum entre o desenvolvimento de dependência dos canabinoides e opiáceos. Desse modo, a administração de bloqueadores opióides (naloxone ou naltrexone) desencadeiam sintomas de abstinência em usuários de maconha. Por outro lado, a administração de THC alivia os sintomas psíquicos de abstinência em usuários de opiáceos.

Efeitos adversos da maconha no sistema nervoso central


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Apesar de alertas acerca da possibilidade de danos permanentes no sistema nervoso em decorrência do uso crônico de maconha, há pouca evidência científica nesse sentido. Os estudos de melhor qualidade relevam piora discreta na habilidade para manter o foco de atenção, bem como para filtrar informações irrelevantes. Há pouca evidência de que o consumo de maconha prejudique o desempenho no trabalho, evolua para uma síndrome amotivacional ou mesmo produza alterações neuropatológicas. Estudos em animais são altamente conflitantes: alguns apontam para danos permanentes, enquanto outros, pelo contrário, detectaram efeitos benéficos (neuroprotetores) para o sistema nervoso. Isso demonstra, ao menos momentaneamente, que a ação da maconha sobre o sistema nervoso não produz danos neurológicos permanentes no cérebro.

Maconha e doença mental

Há uma associação entre o consumo de maconha e o surgimento de doenças mentais, principalmente a psicose. Sintomas psicóticos agudos, como delírios de perseguição ou grandiosidade, alucinações auditivas ou transmissão do pensamento muitas vezes levam o usuário à atenção médica de urgência. O quadro usualmente permanece apenas durante a intoxicação. Isso levou alguns cientistas a considerarem uma hipótese canabinóide para a esquizofrenia, sugerindo que os sintomas esquizofrênicos são mediados pelo sistema canabinoide.


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Estudos que acompanharam usuários por muitos anos e os compararam a não usuários no mesmo período encontraram resultados contraditórios. Evidências mais consistentes entre maconha e psicose aparecem em indivíduos com predisposição para a esquizofrenia (antecedentes familiares, personalidade esquizotípica). Por outro lado, o consumo de maconha é capaz de exacerbar sintomas psicóticos em indivíduos previamente doentes, sendo prudente, desse modo, desencorajar o consumo da planta 
entre os indivíduos portadores desse tipo de patologia.

O artigo de Leslie Iversen apresenta um panorama da evolução do conhecimento sobre a neurobiologia da maconha, bem como do funcionamento do sistema canabinóide. Novas possibilidades terapêuticas à base derivados do THC, isentas dos seus efeitos adversos, poderão ser desenvolvidas futuramente. Além disso, os estudos sobre a ação do THC no sistema nervoso nos últimos dez anos e a descoberta do sistema canabinóide tornaram a maconha uma das substâncias psicoativas mais conhecidas pela ciência, derrubando mitos e tabus, tanto favoráveis, quanto contrários ao consumo da substância, em favor de uma visão mais isenta e equilibrada. Um processo que apesar dos avanços, ainda se encontra em pleno andamento.


Leslie Iversen
Department of Pharmacology ~ University of Oxford
Brain 2003; 126: 1252 – 70.