Val Sales
“Às quatro horas da manha eu já estava sentado na frente do boteco (ao lado da padaria) esperando a porta abrir para tomar o primeiro gole e me livrar da tremedeira que invadia o meu corpo, principalmente os braços e as mãos. A cena se repetiu durante muitos anos. Perdi as contas de quantas vezes dormi ali mesmo, naqueles pequenos bares do Mercado dos Colonos, na cabeceira da Ponte Metálica. Perdi também a esposa e não vi meu filho crescer. Provei intimamente do desalento e da solidão que acompanha a maioria das pessoas que, como eu, foram acometidas da doença do alcoolismo”, lembra M.D.A, 44 anos. Ele está sóbrio a onze anos, mesmo período de tempo em que freqüenta a Irmandade de Alcoólicos Anônimos (AA).
Esse Homem, que não tem seu nome revelado em respeito à tradição do anonimato da entidade a que faz parte, contou que hoje observa as agruras de seu passado como um tesouro, já que as lembranças lhe fortalecem a decisão de permanecer sóbrio. “Sei que o alcoolismo é uma doença que não tem cura. Ela é progressiva e de determinação fatal. Sei também que, mesmo tendo se passado os anos de sobriedade, a distancia entre eu e o copo continua sendo somente o tamanho do meu braço”, declara ele.
O aposentado S.C.N, 72, diz que começou a beber em eventos sociais, percebendo alguns anos depois que havia se tornado um bebedor-problema e que não passava mais um dia sem ingerir bebidas fortes. “Passei a chegar em casa de madrugada e a ser a causa principal de brigas diárias com minha esposa. Com o passar do tempo a cena se tornou cada vez mais comum e eu já voltava da porta de casa para o bar, bastando a mulher me ‘avistar’ da cozinha e começar a fazer aqueles ‘elogios’ que esposa de bêbados costumam fazer quando eles chegam depois de mais uma bebedeira”, brinca ele.
C.N.S. lembra que brincava com os “amigos de copo” e que chegava mesmo a ser a atração e o divertimento do grupo. Porém, o mesmo não acontecia quando chegava em casa, onde protagonizava grandes desavenças. “Passei por várias fases: a primeira foi a fase do macaco – brincava e servia de palhaço para todo mundo; a segunda foi a fase do leão – ficava bravo por qualquer motivo, principalmente em casa com a esposa e com os filhos; e, por fim, cheguei a fase do porco – não trocava de roupa, não tomava banho e não me importava com a higiene pessoal”, relembra o aposentado, que parou de beber há mais de 20 anos. Ele também procurou ajuda entre os membros de AA, encontrando na irmandade o alento de que precisava para frear a compulsão pelo álcool.
Tal qual esses dois personagens, milhares de outros homens e mulheres amargaram o horror do alcoolismo e chegaram mesmo no limiar entre a loucura e a morte. Nesse caso, eles encontraram alento e força nos grupos de mútua-ajuda do AA, enquanto outros ainda caminham trêmulos junto com uma legião de semelhantes que perderam a família, o emprego, o respeito dos amigos e o amor próprio. A busca por ajuda continua, assim como a dedicação dos membros de Alcoólicos Anônimos, que acolhem diariamente os doentes ou seus familiares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário