Ciúme Patológico é um desejo obsessivo de controle total
sobre os sentimentos e comportamentos do outro(a).
Em questões de ciúme, a linha divisória entre imaginação,
fantasia, crença e certeza frequentemente se torna vaga e imprecisa. No ciúme
as dúvidas podem se transformar em ideias supervalorizadas ou francamente
delirantes. Depois das ideias de ciúme, a pessoa é compelida à verificação
compulsória de suas dúvidas. O(a) ciumento(a) verifica se a pessoa está onde e
com quem disse que estaria, abre correspondências, ouve telefonemas, examina
bolsos, bolsas, carteiras, recibos, roupas íntimas, segue o companheiro(a),
contrata detetives particulares, etc. Toda essa tentativa de aliviar
sentimentos, além de reconhecidamente ridícula até pelo próprio ciumento, não
ameniza o mal estar da dúvida.
Entre absurdos e ridículos, há o caso de uma paciente
portadora de Ciúme Patológico que marcava o pênis do marido assinando-o no
início do dia com uma caneta e verificava a marca desse sinal no final do dia
(Wright, 1994). Mais absurda ainda é a história de outro paciente, com ciúme
obsessivo, que chegava a examinar as fezes da namorada, procurando possíveis
restos de bilhetes engolidos (Torres, 1999).
Os ciumentos estão em constante busca de evidências e
confissões que confirmem suas suspeitas mas, ainda que confirmadas pelo(a)
companheiro(a), essas inquisições permanentes parecem trazer mais dúvidas
ainda, ao invés de tranquilidade. Depois da capitulação, a confissão do
companheiro(a) nunca é suficientemente detalhada ou fidedigna e tudo volta à
torturante inquisição anterior.
Os portadores de Ciúme Patológico comumente realizam visitas
ou telefonemas de surpresa em casa ou no trabalho para confirmar suas
suspeitas. Os companheiros(as) desses pacientes vivem ocultando e dissimulando
elogios e presentes recebidos ou omitindo fatos e informações na tentativa de
minimizar os graves problemas de ciúme, mas geralmente agravam ainda mais.
O que aparece no Ciúme Patológico é um grande desejo de
controle total sobre os sentimentos e comportamentos do companheiro(a). Há
ainda preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores, as quais podem
ocorrer como pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim
sobre fatos passados e seus detalhes.
O Ciúme Patológico é um problema importante para a
psiquiatria, envolvendo riscos e sofrimentos. Na psicopatologia o ciúme pode se
relacionar a diversos transtornos emocionais. Mais comumente está relacionado
aos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo. Ha autores que diferenciam o
Ciúme Patológico do Ciúme Delirante.
De fato, o Ciúme Delirante está relacionado ao Transtorno
Delirante Persistente e pode ser conhecido por Amor Obsessivo. Esse tipo de
Transtorno Delirante Persistente, apesar de bem conhecido é raro, com
incidência estimada em menos de 0,1% (Bogerts, 2005) e predomina em mulheres.
Outro quadro onde a presença de Ciúme Patológico é constante é o alcoolismo
crônico, bem como nas dependências químicas (Jiménez-Arriero, 2007).
O ciúme é uma emoção humana extremamente comum, senão
universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme normal e patológico
(Kast, 1991). Na verdade, pouco se sabe sobre experiências e comportamentos
associados ao ciúme na população geral, mas em um estudo populacional, todos os
entrevistados (100%) responderam positivamente a uma pergunta indicativa de
ciúme, embora menos de 10% reconheceu que este sentimento acarretava problemas
no relacionamento (Mullen, 1994).
O ciúme pode ser um conjunto de emoções desencadeadas por
sentimentos de alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento
íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três
elementos:
1) ser uma reação frente a uma ameaça percebida;
2) haver um rival real ou imaginário e;
3) a reação visa eliminar os riscos da perda do objeto
amado.
A maneira como o ciúme é visto tem variações importantes nas
diferentes culturas e épocas. Assim, no século XIV relacionava-se à paixão,
devoção e zelo, à necessidade de preservar algo importante, sem conotações
pejorativas de possessividade e desconfiança.
Nas sociedades monogâmicas o ciúme se associa à honra e
moral, sendo até um instrumento de proteção da família, talvez um imperativo
biológico ou uma adaptação à necessidade de ciência da paternidade. Até bem
pouco tempo atrás, dava-se grande ênfase à fidelidade feminina, enquanto a
infidelidade masculina era mais bem aceita. Mesmo em tempos modernos,
atribui-se um papel positivo a alguma manifestação ciúme, considerando-o um
sinal de amor e cuidado.
O conceito de Ciúme Patológico compreende vários sentimentos
perturbadores, desproporcionais e absurdos, os quais determinam comportamentos
inaceitáveis ou bizarros. Esses sentimentos envolveriam um medo desproporcional
de perder o parceiro(a) para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada,
gerando significativo prejuízo no relacionamento interpessoal.
Alguns autores não consideram fundamental para o diagnóstico
a crença superestimada da infidelidade, sendo mais importante o medo da perda
do outro, ou do espaço afetivo ocupado na vida deste, para outros a base do
Ciúme Patológico estaria em seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, e não
em seu caráter excessivo (Mooney, 1965).
Em psiquiatria o Ciúme Patológico aparece como sintoma de
diversos quadros, desde nos Transtornos de Personalidade até em doenças
francas. Enquanto o ciúme normal seria transitório, específico e baseado em
fatos reais, o Ciúme Patológico aparece como uma preocupação infundada, absurda
e emancipada do contexto. Enquanto no ciúme não-patológico o maior desejo é
preservar o relacionamento, no Ciúme Patológico haveria o desejo inconsciente
da ameaça de um rival (Kast, 1991).
Por ser uma emoção heterogêneas variando da normalidade à
patologia, o ciúme oferece dificuldades em distingui-lo como normal ou mórbido.
Marazzini (2003) aplicou um questionário a 400 estudantes universitários de
ambos os sexos e, igualmente, para 14 pacientes portadores de Transtorno
Obsessivo-Compulsivo (TOC), cuja principal obsessão era ciúme. Duzentos e
quarenta e cinco, aproximadamente 61% dos questionários, foram devolvidos. As
análises estatísticas revelaram que os pacientes com TOC tinham pontuações
totais bem mais elevados do que as pessoas saudáveis.
Além disso, foi possível identificar um grupo intermédio de
pessoas, o que corresponde a 10% do total, que estavam preocupados reflexões de
ciúme em torno do(a) parceiro(a). A conclusão do estudo mostrou que 10% de uma
população de estudantes universitários, embora psiquiatricamente fossem
considerados normais, tem acentuadas reflexões de ciúme em torno do(a)
parceiro(a). Essa pesquisa permitiu distinguir claramente o grupo de ciúme
acentuado, os pacientes com TOC e as pessoas saudáveis, sem esse tipo de
preocupação.
No Ciúme Patológico várias emoções são experimentadas, tais
como a ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação,
perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de vingança. Haveria,
clara correlação entre autoestima rebaixada, consequentemente a sensação de
insegurança e, finalmente o ciúme. O portador de Ciúme Patológico é um vulcão
emocional sempre prestes à erupção e apresenta um modo distorcido de vivenciar
o amor, para ele um sentimento depreciativo e doentio.
Esses pacientes, com Ciúme Patológico, seriam extremamente
sensíveis, vulneráveis e muito desconfiados, com autoestima muito rebaixada e
tendo como defesa um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo. O potencial
para atitudes violentas é destacado no Ciúme Patológico, despertando importante
interesse na psiquiatria forense.
As estatísticas policiais sobre as vítimas do Ciúme
Patológico normalmente estão distorcidas, tendo em vista o fato das mulheres
raramente darem queixa das agressões que sofrem por esse motivo. O Ciúme
Patológico pode até motivar homicídios e muitas dessas pessoas sequer chegam
aos serviços médicos. Para Palermo (1997), a maioria dos homicídios seguidos de
suicídio são crimes de paixão, ou seja, relacionados a ideias delirantes de
Ciúme Patológico. São, geralmente, crimes cometidos por homens com algum
problema psicoemocional, desde transtornos de personalidade, alcoolismo,
drogas, depressão, obsessão, até a franca esquizofrenia.
Ciúme e Doença mental
Na prática clínica, diante da pessoa com preocupações de
ciúme é importante avaliar a proporção, adequação, racionalidade e eventual caráter
delirante dessas preocupações, assim como o grau de sofrimento que acarretam. O
grau sofrimento costuma ser diretamente proporcional ao caráter patológico. Não
raro, atualmente, as preocupações com fidelidade não chegam a ser absurdas e
muitas vezes são bastante compreensíveis.
A seguir, deve-se buscar um entendimento psicopatológico do
sintoma, diferenciar se o fenômeno se trata de uma ideia obsessiva, prevalente
ou delirante. Nesse sentido, é fundamental avaliar o grau de crítica do
indivíduo em relação a essas preocupações. Como se sabe, uma pessoa pode estar
delirante, ainda que o cônjuge de fato o(a) esteja traindo. Isso ocorre quando
a crença na infidelidade for baseada em fatos ou atitudes que em nada a
justifiquem, e se for inabalável e irremovível pela crítica racional.
O terceiro aspecto seria a busca do diagnóstico responsável
pelo sintoma, o qual, como dissemos, pode se tratar de uma obsessão, ideia
prevalente ou delírio. Nunca é demais ressaltar que, da mesma forma que a
ocorrência de delírios não implica nenhum diagnóstico específico, obsessões e
compulsões não são sintomas característicos e exclusivos do Transtorno
Obsessivo-Compulsivo.
As obsessões podem acompanhar outros quadros psiquiátricos
como, principalmente as depressões, demências e esquizofrenias. Sintomas
depressivos podem ainda ser comórbidos e secundários ao Transtorno
Obsessivo-Compulsivo, o que ocorre com muita frequência, dificultando o
diagnóstico diferencial.
Além da análise dos sintomas, investigando a natureza da
preocupação de ciúme e a força dessa crença, é fundamental avaliar também se o
sofrimento gerado, tanto para o indivíduo quanto para o(a) companheiro(a), o
grau de comprometimento do trabalho, da vida conjugal, do laser e da vida
social, é necessário avaliar ainda o risco de atos violentos e a qualidade
global do relacionamento.
Deve-se ainda considerar os fatores de predisposição
emocional, como por exemplo, os sentimentos de inferioridade e insegurança, os
transtornos psicológicos atuais ou anteriores, as experiências passadas de
separação ou traição, traumas de relacionamento dos pais. Os fatores
precipitantes também merecem atenção, como é o caso do estresse atual, das
perdas, mudanças e comportamentos provocativos do cônjuge. É sempre necessária
uma avaliação cuidadosa e global em cada caso em particular.
A relação do Ciúme Patológico com Transtornos do Espectro
Obsessivo-Compulsivo parece clara (Zacher, 2004). O Ciúme Patológico pode
tornar a vida insuportável para todos envolvidos. A afinidade do Ciúme
Patológico para com os Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo deu origem
à ideia de que poderia responder ao tratamento com substâncias utilizadas
também no tratamento de Transtornos Obsessivo-Compulsivo.
De fato, é grande o número de pacientes com Ciúme Patológico
que respondem bem ao tratamento com antidepressivos inibidores seletivos da
serotonina (ISRS). O tratamento com esses antidepressivos melhora a preocupação
exagerada do ciúme e alivia a angústia do ciúme patológico do paciente. Com
base nessas constatações, a fluoxetina - como também outros ISRSs - deve ser
sempre considerada como uma possível estratégia eficaz para o tratamento
farmacológico do Ciúme Patológico (Zacher, 2004).
O Ciúme Patológico pode coexistir com qualquer diagnóstico
psiquiátrico. Entre pacientes psiquiátricos internados os delírios de ciúme
foram encontrados em 1,1 % deles. As prevalências diagnósticas foram as
seguintes: psicoses orgânicas em 7%, transtornos delirantes paranoides em 6,7%,
psicoses alcoólicas em 5,6% e esquizofrenias em 2,5% (Soyka, 1995).
Em pacientes ambulatoriais o Ciúme Patológico relaciona-se
em grande parte a quadros depressivos, ansiosos e obsessivos. A maciça maioria
dos portadores de Ciúme Patológico, entretanto, não está dentro dos hospitais e
nem nos ambulatórios (Shepherd, 1961).
São bastante conhecidos os delírios de ciúme de alcoolistas,
a ponto desse sintoma ser considerado, durante algum tempo e por alguns
autores, característico do alcoolismo. Destacava-se a impotência sexual
proveniente do alcoolismo como importante fator no desenvolvimento de ideias de
infidelidade, relacionadas a sentimentos de inferioridade e rejeição.
Nas mulheres, fases de menor interesse sexual ou
atratividade física, como ocorre na gravidez e menopausa, produziriam redução
da autoestima, aumentando a insegurança e a ocorrência do Ciúme Patológico.
A prevalência do Ciúme Patológico no Alcoolismo gira em
torno de 34% (Michael, 1995). A evolução comum do Ciúme Patológico como sintoma
do alcoolismo, pode ser, inicialmente, apenas durante a intoxicação alcoólica
e, posteriormente, também nos períodos de sobriedade.
Na Esquizofrenia, a prevalência do Ciúme Patológico com
características delirantes em pacientes internados costuma ser de apenas 1 a
2,5%. Seria bem mais frequente em transtornos demenciais e em quadros
depressivos do que na esquizofrenia (Soyka, 1995). No Transtorno Paranoide, os
delírios de ciúme costumam aparecer em 16% deles (Shaji, 1991).
Pode-se ainda ter o delírio de ciúme bem sistematizado em
sua forma pura, sem alucinações ou deterioração da personalidade, numa
apresentação monossintomática. Este quadro atualmente denominado Transtorno
Delirante de Ciúme, seria bem mais raro.
DSM.IV - Critérios Diagnósticos para Transtorno Delirante
(F22.0 - 297.1), onde se inclui o Transtorno Delirante de Ciúme seriam:
A. Delírios não-bizarros que envolvem situações da vida
real, tais como ser seguido, envenenado, infectado, amado a distância, traído
por cônjuge ou parceiro romântico ou ter uma doença com duração mínima de 1
mês.
B. O critério A para Esquizofrenia não é satisfeito.
Nota: alucinações táteis e olfativas podem estar presentes
no Transtorno Delirante, se relacionadas ao tema dos delírios.
C. Exceto pelo impacto do(s) delírio(s) ou de suas
ramificações, o funcionamento sócio ocupacional não está acentuadamente
prejudicado, e o comportamento não é visivelmente esquisito ou bizarro.
D. Se episódios de humor ocorreram durante os delírios, sua
duração total foi breve relativamente à duração dos períodos delirantes.
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos
diretos de uma substância, como por exemplo, uma droga de abuso, um medicamento
ou não se deve à uma condição médica geral (onde se exclui o ciúme do
alcoolista).
Especificar tipo (os tipos seguintes são atribuídos com base
no tema predominante do(s) delírio(s):
Tipo Erotomaníaco: delírios de que outra pessoa, geralmente
de situação mais elevada, está apaixonada pelo indivíduo.
Tipo Grandioso: delírios de grande valor, poder,
conhecimento, identidade ou de relação especial com uma divindade ou pessoa
famosa.
Tipo Ciumento: delírios de que o parceiro sexual do
indivíduo é infiel.
Tipo Persecutório: delírios de que o indivíduo ou alguém
chegado a ele está sendo, de algum modo, maldosamente tratado (grifo meu).
Tipo Somático: delírios de que a pessoa tem algum defeito
físico ou condição médica geral.
Tipo Misto: delírios característicos de mais de um dos tipos
acima, sem predomínio de nenhum deles.
Tipo Inespecífico.
Há vários anos suspeita-se que o Transtorno Obsessivo-Compulsivo
poderia se manifestar como Ciúme Patológico. Nesse caso os pensamentos
atrelados ao Ciúme Patológico seriam indistinguíveis dos pensamentos
obsessivos. Os pensamentos de ciúme seriam ruminações e as buscas por
evidências da infidelidade, rituais compulsivos de verificação.
Muitos pacientes teriam crítica e constrangimento por esses
pensamentos e se esforçariam para afastá-los. Albina torres et al citam a
famosa frase de Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso: "Como homem
ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim,
por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma
banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por
ser comum"(Torres, 1999).
De algum tempo para cá, vários autores têm sugerido a
relação entre Ciúme Patológico e Transtornos Obsessivo-Compulsivos (Shepherd,
1961). Desta forma, pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos,
irracionais ou intrusivos e podem levar a comportamentos compulsivos, tais como
os de verificação compulsiva. Ao se considerar os tipos Ciúme Patológico,
podemos observar que, enquanto no Ciúme Delirante o paciente está solidamente
convencido da traição, no Ciúme Obsessivo ele sentirá dúvidas e ruminações
sobre provas inconclusivas, em que certeza e incerteza, raiva e remorso
alternam-se a cada momento.
É importante ressaltar que em estudos sobre TOC, o tema do
Ciúme Patológico é pouco abordado, possivelmente por não ser um sintoma muito
típico, e em trabalhos que estudam o Ciúme Patológico em geral, sua
apresentação como uma manifestação sintomatológica do TOC também é pouco
enfatizada, talvez por não estar entre os sintomas mais frequentes.
Sob vários aspectos constata-se que os pensamentos de ciúme
partilham várias características com os pensamentos das obsessões: são frequentemente
intrusivos, indesejados, desagradáveis e por vezes considerados irracionais, em
geral acompanhados de atos de verificação ou busca de reasseguramento. Os
indivíduos que avaliam suas atitudes como inadequadas ou injustificadas teriam
mais sentimento de culpa e depressão, enquanto os demais apresentariam mais
raiva e comportamentos violentos.
Os pensamentos ou ruminações obsessivas de ciúme diferem das
suspeitas de ciúme na medida em que são facilmente reconhecidos pelo paciente
como ego distônicos, ou seja, irracionais e associados à resistência e culpa,
enquanto as preocupações mórbidas são sintônicas, consistentes com o estilo de
vida e centradas em problemas realísticos do indivíduo, raramente resistidas e
só algumas vezes associadas à culpa.
Assim, nos pacientes obsessivos as preocupações de ciúme
tipicamente envolvem maior preservação da crítica, mais vergonha, culpa e
sintomas depressivos, menor agressividade expressa e muitas ruminações e
rituais de verificação sobre acontecimentos passados. De fato, há casos em que
predominam comportamentos relacionados à depressão, tais como: retraimento,
dependência e maior demanda por demonstrações afetivas, por vezes alternados
com raiva, ameaças e agressões.
O ciúme considerado normal dá-se num contexto interpessoal,
entre o sujeito e o objeto, enquanto o ciúme no Transtorno Obsessivo-Compulsivo
seria intrapessoal, só dentro do sujeito. O ciúme normal envolveria sempre duas
pessoas, e os pacientes melhorariam quando sem relacionamentos amorosos (Parker
e Barret, 1997).
No Ciúme Patológico o amor do outro é sempre questionado e o
medo da perda é continuado, enquanto no amor normal (ou ideal) o medo não é
prevalente e o amor não é questionado. No Transtorno Obsessivo-Compulsivo há
sempre dúvida patológica com verificações repetidas, mesmo fenômeno que se
observa no Ciúme Patológico. O medo da perda é também um sintoma proeminente no
TOC, tanto quanto no Ciúme Patológico. Neste, a perda do ser amado não diz
respeito à perda pela morte, como ocorre num relacionamento normal, mas o temor
maior, o sofrimento mais assustador é a perda para outro(a).
Segundo o DSM.IV, as Obsessões, seriam definidas por:
(1) pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes
que, em algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos
e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento.
(2) os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras
preocupações excessivas com problemas da vida real.
(3) a pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos,
impulsos ou imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação.
(4) a pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou
imagens obsessivas são produto de sua própria mente (não impostos a partir de
fora, como na inserção de pensamentos).
A ausência do termo ciúme nesses critérios seria o maior
responsável pela relutância de muitos autores em diagnosticar o TOC em casos
cuja apresentação é centrada em preocupações de infidelidade. Apesar de haver
temas de ideias obsessivas mais frequentes no TOC, as possibilidades de
conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis. Não há também
nenhuma regra proibindo as ideias obsessivas de envolverem o tema ciúme com a
mesma força que envolve a contaminação, sujeira, doença, etc.
Devido a essa resistência em se considerar o Ciúme
Patológico como um Transtorno Obsessivo-Compulsivo normal com a diferença única
no tema da ideia obsessiva, existem termos variantes do TOC, tais como Ciúme
Obsessivo, Ciúme Obsessivo-Suspeitoso, forma Obsessivo-Compulsiva de Ciúme
Patológico ou Ciúme com Características Obsessivas, evitando-se falar
diretamente em Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Talvez pelo tema ciúme ter
forte natureza paranoide, a aproximação mais natural do transtorno seria com ideias
delirantes e quadros tradicionalmente psicóticos.
Ballone GJ, Moura EC -
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revisto em 2008.
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