Tim Rhodes
Nesse editorial, escrito há seis anos, o autor Tim Rhodes analisa as relações entre sexo e drogas, contesta abordagens reducionistas e propõe novos paradigmas para a questão. O autor começa o texto comentando a intrínseca ligação entre sexo e drogas na cultura, não só por representarem significados sociais dotados de 'diferença', ilegalidade e 'tabu', mas também por serem considerados comportamentos fundidos. No imaginário de muitos, usar drogas aumenta a freqüência com se faz sexo. Igualmente, o ato sexual é percebido como capaz de aumentar os efeitos derivados do consumo de drogas. Essas percepções, segundo Rhodes, acabam por influenciar as expectativas sobre como os efeitos farmacológicos de algumas drogas podem ser mais bem experimentados.
A relevância desta última afirmação, segundo o autor, mostra a importância dos aspectos culturais envolvidos no consumo de drogas, aspectos estes que são normalmente negligenciados em favor do estudo dos aspectos cognitivos. Desse modo, afirma que a maioria dos estudos está baseada na percepção dos usuários acerca dos efeitos que vivenciaram. Não há, porém, estudos preocupados em investigar se tais percepções são culturalmente ou socialmente organizadas.
Tendo exposto a importância dos aspectos culturais e problematizado a ausência de mensurações acerca de sua influência sobre o consumo de drogas e a sexualidade, o autor apresenta o que convencionou chamar de 'farmacologia social'. Entende-se por farmacologia social o estudo de como o conhecimento prévio sobre os efeitos esperados de uma substância psicoativa no comportamento sexual são socialmente e culturalmente organizados.
O autor não minimiza os efeitos neurobiológicos das substâncias sobre o comportamento sexual. Ressalta, no entanto, que a importância da farmacologia social e do entendimento do contexto social e do cultural onde essas drogas são prescritas, administradas e utilizadas.
Quando fala sobre o sexo de risco, o autor propõe uma ampliação do conceito de farmacologia social: não basta identificar as crenças e comportamentos, mas sim determinar a maneira pela qual se originam ou são influenciados por aspectos culturais. Esse é o 'X' do problema, na opinião do autor. Os estudos atuais demonstram correlação entre uso de drogas e sexo de risco, mas falham em demonstrar causalidade. Além disso, a maior parte dos estudos utiliza descrições retrospectivas grosseiras como o principal método para a coleta de informações. Outra questão importante é a inexistência de um conceito universalmente aceito para 'sexo seguro' e 'sexo de risco'.
Para ilustrar a questão o autor coloca algumas crenças acerca das substâncias químicas. Sobre a crença do consumo de álcool e o aparecimento de desinibição sexual, o autor afirma ser esse comportamento tipicamente ocidental: algumas culturas não-ocidentais não identificam tal propriedade, tampouco relacionam desinibição sexual com o consumo de álcool. Já a crença sobre as propriedades afrodisíacas da cocaína e do crack e os índices elevados de sexo de risco entre esses usuários, parecem estar (na opinião do autor) mais relacionados ao ambiente social e cultural onde esse consumo se dá. Há portanto uma potencialização entre o consumo de cocaína e crack e uma tendência sócio-cultural ao sexo de risco entre aquela população.
Um último (e interessante) aspecto abordado pelo autor são as "razões e desculpas para o sexo de sem proteção". Mais do que causadoras de desinibição ou sexo de risco, as substâncias psicoativas, em alguns contextos sociais, servem de desculpa ou justificativa para pessoas incorrerem em comportamentos tidos como 'ruins', inaceitáveis ou indesejados (p.e. "Desculpe-me, eu só fiz aquilo porque estava bêbado"). As drogas funcionariam nesse caso como provedoras de "feriados" para as normas tidas como aceitáveis ou apropriadas para o comportamento sexual. Drogas podem tornar, desse modo, o inaceitável em aceitável.
O álcool e as outras drogas, por serem 'desinibidores', proporcionariam 'desculpas' socialmente aceitáveis para o engajamento em comportamentos sexuais que gostariam, mas não deveriam. As drogas, assim, proporcionam razões e desculpas para a ocorrência do sexo de risco. Não que algumas as drogas não causem euforia e desinibição. Vale a pena pensar, no entanto, se não é social e culturalmente aceito que tais efeitos podem dar razão àqueles que praticaram sexo de risco nessas circunstâncias: dizer que praticou sexo de risco porque estava 'muito louco' soa mais aceitável do que dizer 'porque eu gosto'. Tais justificativas nos mostram as maneiras pelas quais o conhecimento acerca dos efeitos de uma droga é socialmente organizado.
Não se trata, tampouco, de inverter a questão: não há o efeito farmacológico, mas sim, desculpas maquiavélicas dos usuários que querem fazer sexo de risco e prejudicar os outros. Visões moralistas como essa são igualmente danosas, pois já trazem consigo julgamentos que encerram o debate e partem diretamente para a discussão sobre a punição a ser escolhida. Nas imbricadas relações sociais, tais conceitos (p.e. álcool desinibe e por isso ele agiu desta ou daquela) fazem com isso ocorra naturalmente, muitas vezes de maneira automática e sem a consciência plena do indivíduo.
Na opinião do autor, trata-se de uma questão que ainda carece de mais estudos que contemplem em sua metodologia a influência e o peso dos fatores farmacológicos e farmacológicos sociais na relação entre consumo de drogas e comportamento sexual de risco.








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