Jordon Peugh
Steven Belenko
A visão
das drogas como afrodisíacos sempre esteve presente no imaginário popular. No
entanto, as conexões entre álcool, drogas e função sexual são mais complexas.
As substâncias psicoativas podem afetar a função sexual a partir da alteração
de neurotransmissores (especialmente a serotonina, noradrenalina e dopamina);
pela ação direta ou indireta na liberação de hormônios capazes de aumentar a
libido (testosterona, progesterona e estrógeno); ou por atuarem diretamente
sobre o fluxo sanguíneo ou outros mecanismos fisiológicos dos órgãos
sexuais.
Por
outro lado, as reações humanas a tais alterações são complexas e influenciadas
por fatores psicológicos e sociais. Isso torna difícil a quantificação do papel
específico das substâncias sobre a função sexual. No presente artigo, os
autores revisaram a literatura trabalhos acerca do tema e os apresentaram seus
achados divididos por substância psicoativa, levando em consideração seus efeitos
agudos e crônicos.
Álcool
O
consumo difundido do álcool em nosso meio fez deste a substância mais estudada
quanto a sua ação no desempenho sexual. Seu consumo sempre esteve associado à
facilitação do comportamento e do desejo sexual. Simultaneamente, é considerado
prejudicial à potência e ao desempenho sexual. Já foi sugerida que a ação
depressora do sistema nervoso central causada pelo álcool contribui, direta ou
indiretamente, para a disfunção da ereção, redução da secreção vaginal, redução
do desempenho sexual e outras disfunções sexuais.
Homens
Em
doses diminutas, o álcool possui discreta ou nenhuma ação sobre a função sexual
masculina. O desejo sexual pode aumentar quando se utilizam baixas doses da
substância. Doses elevadas, no entanto, prejudicam a ereção, interferem na
ejaculação e causam redução do desejo sexual (libido). Além disso, as
expectativas, os estímulos externos e as relações interpessoais também afetam a
função sexual e interferem nos resultados observados.
O
consumo crônico e prolongado, no entanto, prejudica todos os aspectos da função
sexual masculina, em especial a ereção (quadro 1). Disfunções sexuais
chegam a atingir mais de 80% dos dependentes de álcool.
Quadro 1: Principais
complicações sexuais entre os usuários crônicos de álcool do sexo masculino.
·
Piora
da ereção (tempo e intensidade)
·
Redução
dos níveis de testosterona
·
Redução
no número de espermatozoides
·
Piora
nos testes de desempenho
Apesar
de tais alterações mostrarem-se em parte reversíveis após a abstinência,
queixas de disfunção sexuais podem persistir. Pode haver piora da função
erétil, em decorrência de lesões neurológicas, prejudicando-a definitivamente.
Além disso, o surgimento de complicações, tais como depressão ou a piora do
relacionamento conjugal ao longo dos anos, também afetam diretamente a função
sexual masculina, tornando difícil isolar o papel exclusivo do álcool sobre
esse assunto.
Mulheres
Muitas
mulheres afirmam que o álcool aumenta seu prazer sexual. Por outro lado,
estudos com marcadores fisiológicos apontam para o sentido aposto, isto é,
quanto maior a quantidade de álcool, menor o prazer sexual e a capacidade de
atingir o orgasmo.
Há
algumas explicações para tal contradição:
·
[1] o impacto da desinibição desencadeada pelo consumo,
·
[2] a interpretação das modificações corporais induzidas pelo
álcool como aumento do prazer sexual,
·
[3] a influência das expectativas acerca dos efeitos do álcool,
·
[4] mensuração inadequada dos marcadores fisiológicos do prazer
sexual.
O
consumo crônico de álcool traz às mulheres disfunções sexuais e problemas
ginecológicos. A disfunção sexual, por seu turno, também pode ser uma possível
causa de alcoolismo entre elas. Dado a noção cultural de que o álcool aumenta o
prazer, mulheres com disfunção sexual frequentemente buscam no álcool uma forma
de sanar tais deficiências.
Quadro 2: Principais
complicações sexuais entre os usuários crônicos de álcool do sexo feminino.
·
Inexistência
de orgasmo
·
Piora
da lubrificação vaginal
·
Intercurso
sexual doloroso
Tabaco
Não há
na literatura estudos que demonstrem piora ou melhora aguda da função sexual
secundária ao consumo de nicotina. Alguns estudos detectaram redução de
testosterona e piora da capacidade de ereção em fumantes crônicos. Quanto às
mulheres, estudos apontam para a piora dos sintomas menstruais (dor, depressão,
irritabilidade, dor de cabeça, dentre outros). Não há estudos acerca dos
efeitos da nicotina sobre a função sexual feminina.
Cocaína
& Crack
Os
achados acerca dos efeitos agudos da cocaína sobre a função sexual são
controversos. Há indivíduos que relatam que a cocaína é dotada de propriedades
afrodisíacas, capazes de induzir com mais facilidade a ereção e a ejaculação e
facilitar orgasmos múltiplos. Por outro lado, há aqueles que relatam piora em
todos os aspectos relacionados à função sexual. Isso se deve principalmente à
dose administrada, às expectativas relacionadas ao consumo, ao efeito das
impurezas, além de outros.
Cronicamente,
o consumo de cocaína parece reduzir ou não possuir qualquer ação sobre a função
sexual. Entre os homens, pode haver problemas para manter a ereção e na
ejaculação (podendo essa ser tardia ou precoce), que persistem por algum tempo
após a abstinência. A associação frequente de cocaína e álcool dificulta o
entendimento específico da cocaína neste processo.
Para
muitos, o crack está associado ao aumento da atividade sexual,
provavelmente pelos relatos de prostituição para a aquisição da substância,
atitude mais frequente entre esses usuários do que entre os consumidores de
outras substâncias. No entanto, os estudos demonstram justamente o contrário: a
maioria dos usuários da substância relata que o consumo de crack diminui
a libido e causa disfunções sexuais em ambos sexos. O aumento da atividade
sexual entre esses usuários está relacionado a circunstâncias socioculturais e
ambientais onde o consumo da substância se dá.
Anfetaminas
& MDMA (Ecstasy)
Em
baixas doses, as anfetaminas estão associadas ao aumento da libido, retardo do
orgasmo ou a ocorrência de orgasmos múltiplos. Alguns usuários, no entanto,
relatam dificuldade ou inabilidade de alcançar o orgasmo sob o efeito da
substância. Os usuários de anfetamina injetável relatam grande associação com
aumento do desejo sexual, mas uma inabilidade de para atingir a ereção
completa.
Em
doses elevadas e com o uso crônico, as anfetaminas estão associadas a problemas
de ereção e atrasos na ejaculação entre os homens e atraso no orgasmo entre as
mulheres. Apesar de atuar sobre a dopamina e a noradrenalina, o uso crônico de
anfetaminas reduz a disponibilidade dessas substâncias, repercutindo na libido.
Seus prejuízos parecem ser menos intensos do que entre os usuários crônicos de
cocaína.
O
ecstasy foi batizado a "droga do amor" e parece possuir impacto
direto sobre o aumento da sensualidade e do desejo sexual. Em contrapartida, o
mesmo não parece ocorrer com a função sexual. Apesar de atuar sobre o desejo,
os usuários com frequência relatam que a substância impede a ereção e o orgasmo
durante o ato sexual.
Opiáceos
A
administração de opiáceos inibe a liberação de gonadotrofinas, hormônios
responsáveis pelo controle do funcionamento dos ovários e testículos. Isso
resulta numa redução do desejo sexual em ambos sexos. Há, também, alteração (e redução)
do fluxo sanguíneo para os órgãos genitais, contribuindo para a disfunção da
ereção.
Em
baixas doses, o consumo de heroína pode aumentar o desejo sexual. Devido a suas
propriedades relaxantes e analgésicas, sugere-se que parte dos usuários utiliza-a
como forma de 'automedicação' para disfunções sexuais, tais como ejaculação
precoce entre os homens e dispareunia (dor no intercurso sexual) entre as
mulheres. O uso crônico está associado à redução da libido, distúrbios da
ejaculação e do orgasmo. A ação inibitória sobre as gonadotrofinas e a redução
do fluxo sanguíneo peniano parecem ser o substrato neurobiológico para tais
fenômenos.
Maconha
A
maconha é historicamente considerada um afrodisíaco. No entanto há poucas
evidências fisiológicas acerca desta propriedade, da mesma forma que há poucas
evidências sobre a redução do desejo sexual entre esses usuários. A maioria dos
usuários relata aumento do prazer sexual, mas as bases fisiológicas para tal
fenômeno permanecem incertas. Provavelmente, deve estar relacionada com o
aumento da sensibilidade perceptiva.
Cronicamente,
o consumo de maconha parece prejudicar o sistema reprodutor. O consumo de
maconha parece reduzir os níveis de testosterona e outros hormônios, mas os
resultados são inconsistentes e o impacto em longo prazo, incerto. Há pouca e
contraditórias informações acerca dos efeitos da maconha à função sexual
feminina.
LSD
Não há
estudos de qualidade acerca dos efeitos agudos e crônicos do LSD sobre a função
sexual.
Nitritos
Voláteis
Nitritos
voláteis são utilizados recreacionalmente para aumentar o prazer sexual. Os
principais efeitos dessas substâncias são o relaxamento muscular e a
vasodilatação, seguidos por breve euforia. Alguns usuários relatam utiliza-lo
para prolongar o tempo e a percepção do orgasmo. Os usuários acreditam que os
nitritos são capazes de relaxar a musculatura esfincteriana, facilitando o
intercurso sexual. No entanto, estudos com estes usuários apontam para uma
dificuldade em conseguir a ereção e redução da libido. Os usuários referiram
nestes estudos que o consumo está mais associado à busca de seus efeitos
psicológicos, do que a melhora do desejo ou desempenho sexual.
Gama-Hidroxibutirato
(GHB) & Gama-Butirolactona (GBL)
O GHB é
uma agonista dopaminérgico e depressor do sistema nervoso central, cuja
estrutura se assemelha ao neurotransmissor GABA. Também conhecido como
"ecstasy líquido" ou "líquido X" é utilizado por adultos e
adolescentes devido aos seus efeitos euforizantes, nas raves e
casas noturnas. Há relatos de que a substância é afrodisíaca. Também
utilizado com o mesmo propósito e nos mesmos locais, o GLB é tido pelo público
que o utiliza como afrodisíaco. Não há, no entanto, pesquisa sistemática sobre
os efeitos de ambos na função sexual.
Fenciclidina (PCP)
A
fenciclidina não está associada ao aumento da atividade sexual. Entre usuários
que a utilizam com tal propósito, o consumo parece objetivar a redução da dor,
a desinibição e nas fantasias sexuais. O uso crônico produz prejuízos a
função cortical e ao sistema límbico, causando redução do interesse sexual. Frequentemente
esses usuários desenvolvem quadros depressivos e alterações cerebrais, que
pioram ainda mais a função sexual.
Os
autores revelam algumas dificuldades na análise dos estudos acerca do efeito
das drogas sobre a função sexual. Em primeiro, há carência de estudos controlados
e com populações diversificadas. A única substância que possui estudos de
qualidade é o álcool. Ainda assim, restritos a populações específicas (homens,
mulheres, estudantes, dentre outros).
Em
segundo, fatores psicológicos, fisiológicos e ambientais podem estar associados
ao consumo de tais substâncias e desempenhar efeitos sobre a função sexual,
independentemente da substância utilizada. Dentre esses fatores, destacam-se a
personalidade, as expectativas com relação aos efeitos da droga e da ocorrência
da relação sexual, o estilo de vida, o status mental e físico
e o nível socioeconômico. Qual seria o efeito do ecstasy sobre a sexualidade,
se ao invés de uma rave, o indivíduo se dirigisse à missa das oito
da manhã? Desse modo, tais fatores tornam ainda mais confusas as conclusões
sobre os efeitos específicos dessas substâncias sobre a função sexual.
Por
fim, a maioria dos estudos baseou-se em relatos de indivíduos sobre
experiências passadas (não há estudos de campo). O consumo de mais de uma
substância a um só tempo também traz dificuldades para as conclusões. Ainda
assim, os estudos disponíveis parecem sugerir que o consumo agudo e crônico de
drogas está frequentemente associado a efeitos deletérios à função sexual. O
uso moderado de álcool e as experiências iniciais com drogas ilícitas facilitam
ou aumentam o prazer sexual. Porém, doses mais elevadas e o uso crônico pioram
o desempenho, reduzem o desejo e contribuem para disfunções sexuais.








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