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9/09/2011

Álcool e Trânsito



O uso abusivo de álcool interfere negativamente na vida do usuário, seja em termos individuais, seja em seu entorno social imediato ou na sociedade como um todo.

As implicações sociais do abuso de álcool merecem atenção especial, uma vez que produz efeitos sobre a economia por gerar, por exemplo, grandes gastos aos cofres públicos ao requerer consideráveis investimentos do sistema de saúde, judiciário e de outras instituições sociais.

Dentre os danos sociais decorrentes do uso abusivo de álcool, os acidentes automobilísticos merecem destaque. Em países desenvolvidos como os EUA e Canadá, esses acidentes são a conseqüência de saúde mais relevante associada ao consumo exagerado de álcool, com conseqüente impacto econômico uma vez que, ou as vítimas necessitam de algum tipo de assistência à saúde ou há o envolvimento de vítimas fatais.

Nos Estados Unidos, conforme dados epidemiológicos relacionados às conseqüências do consumo de álcool, no trânsito1, tem-se observado que:

1. De todos os acidentes de carro que tenham envolvido o uso de álcool, ocorridos no ano de 2002, 4% resultaram em morte e 42% em ferimentos graves. Dos acidentes de carro que não envolveram o uso de álcool, 0,6% resultaram em morte e 31% em ferimentos graves;

2. Indivíduos do sexo masculino têm uma chance maior de se envolver em acidentes fatais. Em 2002, 78% dos indivíduos que morreram em acidentes automobilísticos eram homens, sendo que 46% das mortes estavam relacionadas ao consumo de álcool;

3. A maioria das fatalidades, relacionadas ao consumo de álcool, acontece mais freqüentemente entre adultos de faixa etária de 21 a 45 anos.  O uso de álcool está relacionado a 23% das fatalidades entre menores de 16 anos, 37% entre indivíduos de 16-20 anos, 57% entre indivíduos de 21-29 anos, 53% entre indivíduos de 30-45 anos e, finalmente, 38% das fatalidades entre indivíduos de 46-64 anos;

4. Acidentes de trânsito fatais ocorrem com maior freqüência durante a noite ou nos finais de semana, dentre os quais 77% ocorreram entre as 18hs e 6hs;

5. Jovens com alcoolemia até 0,2 g/L têm 1,5 vezes a mais de chances de sofrer acidentes com vítimas fatais. A partir de 0,2 g/L o risco aumenta para 2,5 vezes, para todas as faixas etárias. Com 0,5 g/L, esse risco aumenta para 6 vezes a mais em comparação ao condutor sóbrio.

No Brasil, constatou-se que 38,4% dos adultos (que têm carteira de habilitação e costumam beber) possuem o hábito de associar bebida à direção, sendo esse um grande motivo de preocupação. Estudos pontuais e regionais apontam que a ingestão de bebidas alcoólicas é uma das principais causas de mortes por causas externas.
Um estudo retrospectivo de todas as autópsias dos casos de morte por acidentes de trânsito, ocorridas no ano de 1999, apontou que aproximadamente 50% dos óbitos estavam associados ao uso de álcool. Além disso, os acidentes de trânsito foram a segunda causa de morte mais freqüente (Tabela 1). Em consonância com os dados norte-americanos, o comportamento de beber e dirigir parece ser mais comum entre os homens (Tabela 2).

Tabela 1 -   Vítimas de morte por causas externas, do ano de 1999, autopsiadas no IML-SP
 
Tipo de morte
N.º de casos
%
Homicídios
5 284
49,16
Acidentes Trânsito
2 360
21,96
Morte Suspeita
1 232
11,46
Outros
1 045
09,72
Sem história
420
03,91
Suicídios
408
03,80
Total
10 749
100,00
Fonte IML - Sede- São Paulo (1999)

Tabela 2 -  Distribuição das mortes por acidentes de trânsito em relação à
presença de alcoolemia positiva e ao sexo da vítima.

Alcoolemia
Grupo geral
Homens
Mulheres*
Negativos
1 251  (53%)
1058  (50,1%)
193 (77,2%)
Positivos
1 109  (47%)
1052  (49,9%)
57 (22,8%)
Total
2 360
2110
250

Observação: 2110 casos de homens = 89, 41% de todos os acidentes; 250 casos de mulheres = 10,59% de todos os acidentes

      Tabela 3 - Análise estatística da idade (anos) das vítimas fatais, no ano de 1999, do Instituto Médico Legal de São Paulo  (IML-SP) distribuídas pelo sexo e alcoolemia

Idade
Homens
Mulheres

Grupo geral
n= 2110
Negativo
n= 1058
Positivo
n= 1052
Grupo geral
n= 250
Negativo *
n= 193
Positivo *
N= 57
Média
36,2
36,5
35,9
41,3
43,2
27,5
Desvio-padrão
15,3
17,5
12,7
19,2
19,9
11,5
Mediana
34
32
34
39
42,5
34
(* p<0,05 = idade  das vítimas do sexo feminino com alcoolemia positiva é diferente da idade das vítimas com alcoolemia negativa)

Legislação

Adaptando-se às pressões políticas e populares, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 1997) vêm sofrendo mudanças para adequar-se às tendências mundiais de controle de embriaguez no trânsito. Por iniciativa do Deputado Federal Hugo Leal, à Medida Provisória 415 (MP 415) (que versava originalmente sobre a proibição da venda de bebidas em estradas federais) foram adicionadas novas redações de dois artigos relacionados ao álcool. O artigo 165 passou a determinar como infração “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa que determine dependência” e o artigo 276 passa a ter redação “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código” e a ter como parágrafo único “Órgão do Poder Executivo Federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos”, prevendo casos em que possa haver contestação do resultado positivo por interferências endógenas ou exógenas.

 A nova redação do artigo 277-

“§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor;

§ “3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”. Permite impor as penas da lei mesmo que o condutor se recuse a passar pelo teste do etilômetro e, na ausência do mesmo, dá autoridade ao policial para fazer uma avaliação do estado de embriaguez do condutor.

A nova redação do artigo 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência - estabelece como crime, punível com detenção de seis meses a três anos, conduzir com o nível de álcool no sangue determinado pela legislação anterior como o que define a embriaguez, estabelecendo que a concentração é, por si só, um perigo para a incolumidade dos pedestres e dos outros condutores.

A Medida Provisória, agora aprovada e em vigor, sob a lei nº 11.705/08 só aguarda uma regulamentação do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) para os casos específicos de tolerância. Até que isso aconteça, o decreto 6.488, publicado no mesmo dia que a lei, admite um índice de tolerância de 0,2 gramas de etanol por litro de sangue (0,2 g/L), o equivalente a 0,1 mg de etanol por litro de ar alveolar expirado, detectável pelo bafômetro.

Em relação a outros países, o Brasil passa a ser bastante rígido no controle do beber e dirigir. Nota-se uma tendência ao 0,8 g/l na América do Norte e ao 0,5 g/l nos países europeus5:

País
Limite (g/L)
País
Limite (g/L)
Alemanha
0,5
Itália
0,5
Brasil
0,2*
Japão
0,3
Canadá
0,8
Noruega
0,2
Croácia
0
Portugal
0,5
Espanha
0,5
Reino Unido
0,8
Estados Unidos
0,8
Rússia
0,3
França
0,5
Suécia
0,2
          * Segundo o decreto 6488; pendendo regulamentação do CONTRAN

De forma geral, a nova legislação é mais rígida em relação ao comportamento de beber e dirigir, e estabelece dois níveis, um para infração (com perda do direito de dirigir e multa) e outro para crime (com detenção de até três anos), visando, assim, diminuir a acidentalidade decorrente do uso do álcool pelos condutores.

Acidentes de trânsito relacionados ao álcool ao redor do mundo

Os acidentes de trânsito são um problema de preocupação mundial e que acarretam um número excessivo de mortes por ano. Muitas delas são relacionadas ao álcool, porém com proporções variáveis, como se pode notar na figura a seguir:

Interferentes

Existe a possibilidade do teste do bafômetro acusar um resultado positivo após o uso de certos medicamentos (xaropes e sprays), sucos de frutas mal-acondicionados, alimentos e produtos de higiene pessoal (enxaguaste bucal), ainda que a concentração de álcool seja bastante pequena.

Algumas situações raras, tais como dieta restrita em carboidratos e a produção de álcoois diferentes daqueles presentes em bebidas alcoólicas (isopropanol, por exemplo), também podem ocasionar um resultado falso positivo, ou seja, o indivíduo não está sob efeito do etanol, mas alguns bafômetros registram um sinal positivo.

Medicamentos que contém em sua composição alguma concentração de etanol (sprays para asma, sprays para mau-hálito, enxaguastes bucais, descongestionantes nasais, etc.) podem, se a medida for feita imediatamente após a aplicação, ocasionar um resultado positivo.

Embora os medicamentos homeopáticos e fitoterápicos (ex.: Florais de Bach) apresentem maior concentração de etanol, ao serem administrados na ordem de gotas, não alcançariam concentração alcoólica sanguínea e alveolar significantes e suficientes para dar um resultado positivo no teste do bafômetro.

No caso de bombons de licor, a quantidade de álcool presente em uma unidade está abaixo do limiar detectável pelo bafômetro (aproximadamente 0,04g/L/unidade). Porém, o consumo de maiores quantidades pode ser detectado. Assim, em linhas gerais, é importante destacar que o álcool exerce seu efeito independentemente de sua forma de apresentação.

Apesar do risco de uma pequena concentração de álcool ser detectada, em função da ingestão de certos medicamentos ou alimentos, a recomendação científica é que o teste (bafômetro) seja repetido depois de 15 minutos da primeira tentativa, eliminando possíveis interferentes.

Para finalizar, é importante considerar que, em média, o álcool é depurado a uma velocidade de 0,15 g/l/hora, de tal forma que uma pequena dose de 0,2 g/l (correspondente, aproximadamente, a um copo de chope ou cerveja; uma taça de vinho; meia dose de uísque, pinga ou outros destilados) levaria cerca de uma hora e meia para ser totalmente eliminada.

Referência

1. Hingson, R., Winter, M. (2003). Epidemiology and Consequences of Drinking and Driving. National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism.

2. Heng K, Hargarten S, Layde P, Craven A, Zhu S. Moderate alcohol intake and motor vehicle crashes: the conflict between health advantage and at-risk use. Alcohol and Alcoholism 2006, 41(4): 451-4.

3. Leyton V, Greve JMD’A, Carvalho DG, Muñoz DR. Perfil epidemiológico das vítimas fatais por acidente de trânsito e a relação com o uso do álcool. Saúde, Ética & Justiça, São Paulo. 2005;10(1/2):12-8.

4. Lei 9.503 de 1997

5. ICAP – Internation Council on Alcohol Policies)

6. Drinking and Driving: an international good practice manual- WHO -2007.

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