No
Brasil, acredita-se que cerca de 6% da população apresente dependência ao
álcool. Algumas estimativas interessantes concluem que o álcool é responsável
por:
·
86% dos homicídios;
·
60% das agressões sexuais;
·
57% das agressões familiares;
·
64% dos incêndios e queimaduras;
·
50% das mortes no trânsito;
·
20% dos suicídios.
A alucinose
alcoólica é uma das manifestações da síndrome de abstinência alcoólica que
à sua vez é o conjunto de manifestações causadas pela suspensão abrupta do
consumo de álcool em pacientes com uso crônico deste, levando a sinais e
sintomas específicos.
O
diagnóstico depende da história de cessação ou redução do uso de álcool em
paciente que costuma usar grandes quantidades dessa substância. A história de
cessação de álcool e mais 2 dos sintomas a seguir são suficientes para o
diagnóstico:
·
Hiperatividade autonômica, evidenciada por taquicardia, sudorese e
hipertensão;
·
Tremores;
·
Insônia;
·
Náuseas e vômitos;
·
Alucinações;
·
Ansiedade;
·
Agitação;
·
Crises convulsivas (tônico-clônicas generalizadas).
Os
sintomas costumam aparecer após 6 a 24 horas da última ingesta de álcool. O uso
de benzodiazepínicos pode retardar o aparecimento da síndrome. Em alguns
bebedores pesados, a simples diminuição da ingesta é suficiente para
desencadear sintomas de abstinência. Na maioria dos casos, o curso é benigno e
se resolve em 2 a 3 dias.
Os
sintomas menores de abstinência incluem tremores, ansiedade, cefaleia, anorexia
e palpitações. Podem ainda ocorrer sintomas gastrintestinais, como náuseas,
vômitos, anorexia e dispepsia, decorrentes de retardo do esvaziamento gástrico
associado a aumento da atividade autonômica. Aumento de temperatura também pode
ocorrer. Os sintomas menores ocorrem de 6 a 36 horas após a última dose de
álcool.
Convulsões
associadas à abstinência ocorrem de 12 a 48 horas após a última ingesta, mas
podem ocorrer até 2 horas após ingestão alcoólica. São crises tônico-clônicas
generalizadas, normalmente como crise única, embora possam ocorrer até 6 crises
convulsivas, sobretudo em pacientes que não recebem benzodiazepínicos no início
do tratamento. Os estudos são controversos quanto à incidência de convulsões na
síndrome de abstinência. Algumas séries referem 5% dos pacientes evoluindo com
convulsão, outras mostram entre 15 e 33%. Nessas condições, estado de mal
epiléptico é raríssimo.
A alucinose alcoólica é outra manifestação importante e não deve ser
considerada sinônimo de delirium tremens. Ocorre em 12 a 48 horas após a última
ingestão de álcool e não está associada com importante alteração de sensório, o
que ocorre em pacientes com delirium tremens. As alucinações costumam ser
visuais, mas em até 25% dos pacientes com síndrome de abstinência elas podem
ser também auditivas e táteis.
A
manifestação mais grave da síndrome de abstinência é o delirium tremens, que
ocorre 48 a 96 horas após a última ingesta de álcool e dura 3 dias, mas pode
persistir até 14 dias. As manifestações incluem:
·
Desorientação e confusão mental importantes;
·
Extrema agitação com necessidade, na maioria dos casos, de
restrição mecânica;
·
Tremores grosseiros;
·
Instabilidade autonômica, com taquicardia importante, aumento de
PA e alterações hidreletrolíticas;
·
Ideação paranoide;
·
Acentuada resposta a estímulos externos;
·
Alucinações visuais, mas podem ser de qualquer forma.
Alguns
fatores de risco para desenvolver delirium tremens são bem definidos na
literatura:
·
Uso sustentado de álcool;
·
História prévia de delirium tremens;
·
Idade maior que 30 anos;
·
Presença de doença precipitante;
·
Alcoolemia elevada (raramente disponível no Brasil);
·
Tempo de última dose de álcool maior que 2 dias.
A
mortalidade do delirium tremens é de até 5%, mas depende de seu manejo
adequado. A morte ocorre por arritmias, distúrbios hidreletrolíticos ou
condições associadas como pneumonia.
Os
principais achados da síndrome de abstinência alcoólica são sumarizados naTabela 1.
Tabela 1. Manifestações da síndrome de abstinência
alcoólica
Síndrome
|
Achados
|
Tempo de aparecimento
|
Sintomas
menores
|
Tremores,
ansiedade, cefaleia, anorexia, palpitações
|
6
a 36 horas
|
Crises
convulsivas
|
Crises
tônico-clônicas generalizadas, em geral únicas ou até 6 episódios
|
6
a 48 horas
|
Alucinose
|
Visuais
ou auditivas, mas senso de orientação preservado
|
12
a 48 horas
|
Delirium
tremens
|
Delirium,
agitação, taquicardia, febre, diaforese, crise hipertensiva
|
48
a 96 horas
|
A
monitoração próxima e repetida destes pacientes é importante, e o uso de
escalas objetivas pode auxiliar o tratamento. Uma das escalas mais utilizadas é
a CIWA-Ar – Revised Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol Scale,
desenvolvida para avaliar e monitorar a terapêutica dirigida por sintomas
nestes pacientes (Tabela 2).
Tabela 2. Escala CIWA-Ar
Náuseas
e vômitos
0
sem náuseas, sem vômitos
1
náuseas leves sem vômitos
2
3
4
náuseas intermitentes com esforço seco de vômitos
5
6
7
náuseas constantes, esforço seco de vômito e vômitos frequentes
|
Distúrbios
táteis
0
nenhum
1
prurido, agulhadas, dormência ou queimação muito leves
2 prurido,
agulhadas, dormência leves
3
prurido, agulhadas, dormência moderados
4
alucinações moderadamente graves
5
alucinações graves
6
alucinações muito graves
7
alucinações contínuas
|
Tremor
0
sem tremor
1
não visível, mas pode ser sentido com ponta dos dedos
2
3
4
moderado com os braços estendidos
5
6
7
grave mesmo com os braços não estendidos
|
Distúrbios
auditivos
0
ausentes
1
muito pouco assustadores
2
pouco assustadores
3
moderadamente assustadores
4
alucinações moderadamente graves
5
alucinações graves
6
alucinações muito graves
7
alucinações contínuas
|
Sudorese
0
sem sudorese visível
1
sudorese muito leve, mãos úmidas
2
3
4
gotas de suor visíveis na fronte
5
6
7sudorese
intensa
|
Distúrbios
visuais
0
nenhum
1
sensibilidade muito leve
2
sensibilidade leve
3
sensibilidade moderada
4
alucinações moderadamente graves
5
alucinações graves
6
alucinações muito graves
7
alucinações contínuas
|
Ansiedade
0
sem ansiedade
1
ansiedade leve
2
3
4
moderadamente ansioso
5
6
7
equivalente a estados agudos de pânico
|
Cefaleia
ou cabeça pesada
0
ausente
1
muito leve
2
leve
3
moderada
4
moderadamente grave
5
grave
6
muito grave
7
extremamente grave
|
Agitação
0
atividade normal
1
algo mais que atividade normal
2
3
4
moderadamente impaciente e incomodado
5
6
7
agitação e inquietude extremas
|
Orientação
0
orientado e pode realizar somas seriadas
1
não pode realizar somas seriadas ou incerteza sobre a data
2
desorientado para data por não mais de dois dias
3
desorientado para data por mais de dois dias
4
desorientado espacialmente e/ou para pessoas
|
A
síndrome de abstinência pode ser classificada conforme a escala da seguinte
forma:
·
Leve: < 15 pontos;
·
Moderada: 16 a 20 pontos;
·
Grave: > 20 pontos.
Escores
elevados são indicação de tratamento sob internação e uso de benzodiazepínicos;
já as crises leves podem ser manejadas ambulatorialmente. Um estudo brasileiro
de 114 pacientes com abstinência leve a moderada mostrou a plausibilidade do
tratamento ambulatorial de pacientes com abstinência por enfermeira
especializada. Apenas 20% dos pacientes necessitaram de avaliação clínica, 92%
fizeram uso de benzodiazepínicos ambulatorialmente e somente 5% necessitaram de
internação hospitalar.
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