Para compreendermos a abordagem básica que Immanuel Kant (1724-1804) desenvolveu na sua teoria moral é útil começarmos com uma ideia que de certa forma faz parte do senso comum ― uma ideia que Kant rejeita. Esta é a ideia de que a razão pode ter apenas um papel «instrumental» ao guiar as acções das pessoas. A razão não nos diz quais devem ser os nossos objectivos; em vez disso, diz-nos o que devemos fazer, tendo em conta os objectivos que temos. Dizer que a razão é puramente instrumental é dizer que é apenas um instrumento que nos ajuda a atingir os nossos objectivos, tendo os nossos objectivos sido determinados por algo diferente da razão.
Pode-se aperfeiçoar esta ideia simples vendo as acções como o produto composto das crenças e dos desejos. Dados os indícios disponíveis, a razão pode dizer-nos em que acreditar. Contudo, a razão não nos pode dizer o que querer. Os desejos têm de ter outra fonte:

Hume acerca do papal da razão
David Hume expôs esta ideia acerca da contribuição da razão para as acções que realizamos. No Tratado da Natureza Humana (1738), diz que «a razão é e deve ser escrava das paixões». Hume expressa a mesma ideia na passagem seguinte:
Não é contrário à razão preferir a destruição do mundo a esfolar o meu dedo. . . . Tão-pouco é contrário à razão preferir até aquilo que reconheço ser um bem menor a um bem maior, e ter uma afeição mais ardente pelo primeiro que pelo segundo.
O ponto mais importante da ideia de Hume é que as acções nunca derivam apenas da razão; têm de ter sempre uma origem não racional.
Kant rejeita a ideia de que a razão seja puramente instrumental
A teoria da moralidade de Kant rejeita esta doutrina humeana. Segundo Kant, nem sempre é verdade que as acções sejam produzidas pelas crenças e pelos desejos (gerados de forma não racional) do agente. Quando agimos por inclinação é isto que acontece. Contudo, quando agimos por dever ― quando as nossas acções são guiadas por considerações de carácter moral e não pelas nossas inclinações ― as coisas são completamente diferentes.
Quando agimos, há um objectivo que temos em mente ― um fim em vista ― e também um meio que usamos para tentar realizar esse objectivo. Hume pensava que a razão determina os meios, mas não o fim. Kant concorda com esta ideia quando agimos por inclinação. Mas quando a moralidade guia as nossas acções, a razão determina tanto o fim como os meios.
Kant pensava que a moralidade deriva a sua autoridade apenas da razão. A razão por si só determina se uma acção é correcta ou errada, inpendependentemente dos desejos que as pessoas possam ter. Segundo Kant, quando agimos moralmente, as nossas acções são guiadas pela razão de uma forma que a teoria de Hume exclui.
Kant: As regras morais são imperativos categóricos
É óbvio que, como Hume disse, a razão pode mostrar-nos que meios usar dados os fins que temos. Se quero ser saudável, a razão pode dizer-me que devo deixar de fumar. Neste caso a razão fornece um imperativo que tem a forma de um imperativo hipotético: diz que devo deixar de fumar se quero proteger a minha saúde. Hume pensava que a razão não pode fazer mais do que isto.
Kant, contudo, sustenta que as regras morais têm uma forma categórica e não hipotética. Um acto que é errado, é errado ― ponto. As regras morais dizem «Não faças X.» Não dizem «Não faças X se o teu objectivo é G». Kant tentou mostrar que estas regras ― imperativos categóricos ― são derivadas da razão com tanta certeza quanto o são os imperativos hipotéticos.
As regras morais que tomam a forma de imperativos categóricos descrevem o que devemos fazer quer queiramos quer não. Têm uma autoridade muito diferente das nossas inclinações. Por isso, quando agimos moralmente, pensava Kant, somos guiados pela razão e não pela inclinação. Neste caso, a razão tem algo mais do que um papel meramente instrumental.
A lei moral
Outro ingrediente importante na filosofia moral de Kant é a ideia de que as leis morais e as leis científicas têm algo de profundo em comum. Uma lei científica é uma generalização que diz o que tem de ser verdade num género específico de situação. A lei da gravitação universal de Newton diz que a magnitude da força gravitacional Fg entre dois objectos é proporcional aos produtos das suas massas (m1 e m2) e inversamente proporcional ao quadrado da distância (r) entre eles:
Fg = Gm1m2/r2
Isto é, a lei diz que se as massas são m1 e m2 e se a distância é r, então a força gravitacional tem de ter o valor Gm1m2/r2, onde G é a constante gravitacional. Há claramente uma diferença entre leis científicas e regras morais (como «Não causes sofrimento gratuito!»). A lei de Newton não diz o que os planetas devem fazer; diz o que necessariamente fazem.
Se uma lei científica é verdadeira, então nada no universo lhe desobedece. Por outro lado, às vezes as pessoas violam as leis morais. As leis morais dizem como as pessoas devem comportar-se; não dizem o que as pessoas farão de facto. Para usar vocabulário já introduzido, as leis morais são normativas, enquanto as leis científicas são descritivas.
Apesar desta diferença, Kant pensava que há uma semelhança profunda entre elas. As leis científicas são universais ― envolvem todos os fenómenos de um dado género. Não estão limitadas a certos lugares ou a certos momentos. Além disso, uma proposição que afirma uma lei não menciona qualquer pessoa, lugar ou coisa particular. «Todos os amigos de Napoleão falam francês» pode ser uma generalização verdadeira, mas não pode ser uma lei, uma vez que menciona um indivíduo específico ― Napoleão. Assinalarei esta característica das leis científicas dizendo que são «impessoais».
Kant pensava que as leis morais também têm de ser universais e impessoais. Se é correcto que eu faça uma coisa, então é correcto que, em circunstâncias similares, qualquer pessoa faça a mesma coisa. Não é possível que Napoleão tenha o direito de fazer algo apenas porque é Napoleão. As leis morais, como as científicas, não mencionam pessoas específicas.
Antes de poder descrever a forma como Kant pensava que a razão por si mesma estipula quais devem ser os nossos princípios morais, preciso de mencionar mais um elemento da sua filosofia moral. Recorda da lição anterior que o utilitarismo declara que as características morais de uma acção são determinadas pelas consequências que a acção teria para a felicidade ou para a satisfação das preferências das pessoas. Kant não pensa que a moralidade consista na maximização da felicidade. Em particular, Kant não pensa que as consequências de uma acção sejam o verdadeiro teste das suas características morais. Em vez disso, aquilo que Kant considerava central era a «máxima que a acção encarna».
Kant: O valor moral de um acto deriva da sua máxima, não das suas consequências
Cada acção pode ser descrita como uma acção de um certo tipo. Se ajudas alguém, podes pensar nisso como um acto de caridade. Neste caso, podes estar a agir segundo a máxima de que deves ajudar outros. Em alternativa, talvez penses que quando ajudas, isso é uma forma de fazer com que o receptor se sinta em dívida para contigo. Aqui, a máxima da tua acção pode ser a de que deves colocar os outros em dívida para contigo. Para veres que valor moral tem a tua acção, olha para a máxima que tens em mente e que te leva a fazer o que fazes.
A razão pela qual precisamos olhar para os motivos do agente e não para as consequências das acções não é difícil de perceber. Kant descreve um comerciante que nunca engana os seus clientes. A razão é que receia que se os enganar, eles deixem de comprar na sua loja. Kant diz que o comerciante faz o que é correcto, mas não pelas razões correctas. Ele age deacordo com a moralidade, mas não pela moralidade. Kant diz que para descobrir o valor moral de uma acção devemos verpor que razão o agente a realiza; as consequências de uma acção não o revelam.
Se o comerciante age aplicando a máxima «Sê sempre honesto», a sua acção tem valor moral. Se, contudo, a sua acção é o resultado da máxima «Não enganes as pessoas se isso te prejudicar financeiramente», a sua acção é apenas prudencial, não moral. O valor moral deriva dos motivos e os motivos são dados pela máxima que o agente aplica ao decidir o que fazer.
Kant rejeitou o consequencialismo
Kant tem seguramente razão quando diz que conhecer os motivos de uma pessoa é importante para avaliar algumas das propriedades morais de uma acção. Se desejamos avaliar o carácter moral de um agente, as consequências da acção podem ser um guia imperfeito. Afinal, uma boa pessoa pode fazer mal a outras de forma não intencional; e uma pessoa malévola pode beneficiar outras sem querer.
Contudo, é importante perceber que isto não implica que as consequências de uma acção são irrelevantes para decidir se deve ser realizada. Kant sustenta esta outra tese: o que torna uma acção certa ou errada não é as consequências serem prejudiciais ou benéficas. Kant rejeita o consequencialismo em ética.
O critério de universalidade
Posso agora descrever a ideia de Kant segundo a qual a razão (e não o desejo) determina o que é certo ou errado fazer. Lembra-te de que uma lei moral (como uma lei científica) deve ser universal. Isto significa que uma acção moral deve encarnar uma máxima que seja universalizável. Kant diz que para decidir se é correcto realizar uma acção particular, deves perguntar se podes querer (pretender) que a máxima do teu acto seja uma lei universal. A universalizabilidade é a base de todos os imperativos categóricos ― isto é, de todas injunções morais incondicionadas. Os actos morais podem ser universalizados; os actos imorais não podem.
É importante perceber o que este teste supostamente envolve. É um erro pensar que Kant diz que deves perguntar se é bom ou mau que todos façam o que estás a ponderar. O que importa nas acções imorais não é que se todos as fizessem seriamau, mas que é impossível que toda a gente as faça (ou é impossível quereres que toda a gente as faça). Como os exemplos de Kant irão mostrar, há, digamos, um teste lógico para ver se uma acção é moral.
Quatro exemplos
No livro A Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Kant aplica esta ideia a quatro exemplos. Descreve primeiro um homem que está cansado da vida e que pondera suicidar-se. Kant diz que a máxima que o homem está a considerar é a de terminar com a sua própria vida, se continuar a viver originar mais sofrimento do que prazer.
Kant diz que é questionável que este princípio do amor próprio possa tornar-se uma lei universal da natureza. Percebemos imediatamente uma contradição num sistema da natureza cuja lei fosse destruir a vida por intermédio do sentimento cuja função específica é a de incitar o aperfeiçoamento da vida. Neste caso não existiria como natureza; por este motivo, essa máxima não pode ser tratada como uma lei da natureza, e assim contradiz completamente o princípio supremo de todo o dever.
Kant está a sugerir que a existência de um mundo em que todas as coisas vivas decidam cometer suicídio quando as suas vidas prometem mais sofrimento do que prazer é impossível. Uma vez que um tal mundo não pode existir, no exemplo de Kant é errado que alguém cometa suicídio. O acto é errado porque não pode ser universalizado.
O segundo exemplo de Kant diz respeito ao cumprimento de promessas. Precisas de dinheiro e estás a pensar pedi-lo emprestado. A questão é se te seria permissível prometer pagar o dinheiro embora não tenhas intenção de o fazer. Kant defende que a moralidade exige que mantenhas a tua promessa (e portanto que não peças dinheiro emprestado com pretextos falsos):
Porque a universalidade de uma lei que afirme que quem quer que acredite que tenha necessidade pode prometer o que lhe apetecer com a intenção de não cumprir tornaria a própria promessa e o fim a ser realizado por seu intermédio impossível; ninguém iria acreditar naquilo que lhe tivesse sido prometido mas limitar-se-ia a rir-se perante essa afirmação como uma pretensão vã.
Kant está a dizer que o cumprimento das promessas não existiria como instituição se todos os que fazem promessas o fizessem com a intenção de não as cumprir. Isto é, a instituição só pode existir porque as pessoas normalmente são honestas. Uma vez mais, a razão pela qual somos obrigados a cumprir as nossas promessas é que é impossível um mundo no qual todos façam promessas com a intenção de não as cumprir. A universalizabilidade é o teste decisivo.
O terceiro exemplo de Kant procura mostrar que cada um de nós tem a obrigação de desenvolver as suas capacidades. Por que devemos fazer tudo para «alargar e melhorar os nossos dons naturais»? Por que não, em vez disso, escolher uma vida de «ociosidade, prazer e reprodução»? Cada pessoa deve escolher a primeira, diz Kant, «porque, como ser racional, necessariamente quer que todas as suas faculdades sejam desenvolvidas, uma vez que lhe são dadas para todo o tipo de fins possíveis».
O quarto exemplo diz respeito a um homem cuja vida corre bem, mas que vê outros sofrerem enormemente. Será ele obrigado a ajudar os outros? Kant admite que a raça humana poderia existir num estado em que alguns vivem bem enquanto outros sofrem. Mas defende que nenhum agente racional poderia tencionar (querer) que o mundo fosse assim:
Ora, embora a existência de uma lei universal da natureza conforme a essa máxima fosse possível, é contudo impossível querer que um tal princípio fosse tido em toda a parte como uma lei da natureza. Porque uma vontade que decidisse isto entraria em conflito consigo mesma, uma vez que podem sempre surgir casos em que precisaria do amor e da simpatia dos outros, e em que se teria espoliado a si mesma, por uma tal lei da natureza originada pela sua própria vontade, de toda a esperança da ajuda que deseja.
O que Kant quer mostrar não é que o padrão não pode ser universal, mas que nenhum agente racional poderia querer que fosse universal.
Avaliação dos exemplos de Kant
Destes exemplos, o primeiro é talvez o mais fraco. A existência de um mundo em que todas as pessoas com doenças terminais que são vítimas de grande sofrimento cometam suicídio não é impossível. E também não parece haver qualquer razão para um agente racional não poder querer que todas as pessoas se poupem a si mesmas a uma morte atroz e sem sentido.
O segundo exemplo é um pouco mais plausível. A instituição do cumprimento de promessas parece depender do facto de as pessoas normalmente acreditarem nas promessas que lhes fazem. Se as pessoas nunca tencionassem cumprir as suas promessas, poderia a instituição perdurar? Kant diz que não. Contudo, talvez seja possível imaginar circunstâncias complicadas em que se evita esta conclusão. Deixo isto como um exercício para o leitor.
Talvez haja também algo a dizer sobre o argumento de Kant acerca do nosso dever de ajudar os outros. Todos precisamos de algum tipo de ajuda em alguma altura das nossas vidas. Todos, portanto, desejamos evitar uma situação em que ninguém nos dê a ajuda de que precisamos. Por isso, não podemos querer que ninguém nos ajude nunca. Isto significa que é errado levarmos uma vida em que nos recusemos completamente a ajudar outros. Uma vez mais, a razão pela qual é errado está em não podermos querer que o padrão seja universal.
Qual é o argumento de Kant, no seu terceiro exemplo, acerca do dever que temos de desenvolver as nossas capacidades? Talvez a ideia seja semelhante à que apresenta na discussão do dever de ajudar os outros. Quero que os outros desenvolvam capacidades que me possam ser benéficas; por exemplo, quero que os médicos aperfeiçoem os seus dons, uma vez que um dia irei precisar deles. Isto significa, contudo, que não posso querer que todos negligenciem o desenvolvimento das suas capacidades. É suposto seguir-se que tenho o dever de desenvolver as minhas próprias capacidades.
Realcei anteriormente que o critério de universalizabilidade não pergunta se seria uma coisa boa que toda a gente realizasse a acção que o agente está a ponderar. A questão de Kant é se seria possível proceder desse modo, ou se seria possível querer que todos procedessem desse modo.
Se tivermos isto em mente, é duvidoso que Kant possa atingir as conclusões que pretende nos seus últimos dois exemplos sem ter em conta as consequências. É obviamente possível que o mundo seja um lugar em que ninguém ajude os outros e ninguém desenvolva as suas capacidades. Este é um estado de coisas lamentável, mas não impossível. E que pensar da segunda opção de Kant? Poderá um agente racional querer que as pessoas não ajudem as outras ou que não desenvolvam as suas capacidades?
Isso depende do que entendemos por «racional». Se racional significa instrumentalmente racional, então parece não haver aqui qualquer impossibilidade. Como Hume diz, posso ser totalmente claro ao raciocinar dos meios para os fins (e assim ser instrumentalmente racional) e continuar a ter os desejos mais bizarros que possas imaginar.
Por outro lado, há um sentido de «racional» de acordo com o qual um agente racional não quereria que o mundo fosse um lugar no qual as pessoas não ajudassem as outras ou que não desenvolvam as suas capacidades. Um agente racional não quereria isto por causa das consequências que tais comportamentos teriam. Haveria uma grande quantidade de sofrimento, de alienação e desespero; a vida seria sombria.
Concluo que não é evidente como Kant pode analisar os seus dois últimos exemplos do modo que faz sem ter em conta as consequências que se seguirão da universalização das acções.
Um problema para o critério de universalidade
Há um problema geral que diz respeito a todos os exemplos de Kant ― na realidade, à própria ideia de critério de universalizabilidade. Recorda-te de uma ideia simples da lição sobre o funcionalismo:
Um espécime exemplifica muitos tipos. Isto significa que uma dada acção particular pode ser descrita em termos de muitas propriedades diferentes. Kant parece presumir que há apenas uma máxima incorporada em cada acção, de modo que podemos testar a moralidade do acto examinando a universalizabilidade desta máxima. Mas há muitas máximas que podem levar a uma dada acção; algumas podem ser universalizadas enquanto outras não.
Voltemos ao exemplo de Kant do cumprimento de promessas para vermos este problema. Um homem tem de decidir se pede dinheiro emprestado prometendo pagar, embora não tenha qualquer intenção de cumprir a sua promessa. O que significaria todos comportarem-se deste modo? Uma forma de descrever esta acção é dizer que ela decorre da máxima «Faz uma promessa mesmo que tenciones quebrá-la». Kant afirma que é impossível universalizá-la porque a proposição seguinte é uma contradição:
Toda a gente faz promessas, mesmo que ninguém tencione cumprir as promessas que faz.
Contudo, podemos também descrever a acção do homem como decorrendo de uma máxima diferente: «Não faças uma promessa a menos que tenciones cumpri-la, excepto quando estás numa situação de vida ou de morte e a tua intenção de quebrar a promessa não seja evidente para outros». Universalizar esta máxima não leva a contradições, uma vez que o mundo poderia perfeitamente ser da maneira seguinte:
Todos fazem promessas e em geral esperam cumprir as promessas que fazem. A excepção ocorre quando há uma enorme vantagem pessoal em fazer uma promessa sem a intenção de a cumprir e a intenção de quebrar a promessa não é evidente para os outros.
Longe de ser impossível, a generalização acima parece descrever de forma bastante correcta o mundo em que na realidade vivemos.
Deves ter em conta uma semelhança entre o problema que Kant enfrenta e um problema que o utilitarismo das regras encontrou na lição anterior. «O que aconteceria se toda a gente fizesse isto?» é a questão que o utilitarista das regras julga ser importante para avaliar as propriedades morais de uma acção. A questão de Kant é diferente; ele pergunta «Podem todos fazer isto?» ou «Posso querer que todos façam isto?» Embora as questões sejam diferentes, o facto de haver múltiplas formas de descrever uma acção dá origem a problemas semelhantes.
O critério de universalizabilidade pode parecer plausível se levarmos a sério a analogia entre leis morais e leis científicas. Ambas devem ser universais e impessoais. Mas outra comparação destas duas ideias pode diminuir a plausibilidade de que algo semelhante ao critério de universalizabilidade de Kant possa vir a funcionar.
As leis científicas devem ser universais, mas ninguém pensa que a verdadeira explicação de um fenómeno específico possa ser derivada a priori. A razão por si só não pode dizer-me porque a Terra se move numa órbita elíptica em torno do Sol, mesmo que eu assuma que a explicação deste facto tem de ser verdadeira para todos os sistemas planetários semelhantes. Por outro lado, Kant sustenta que o que está certo fazer numa situação específica é ditado pelo requisito racional da universalizabilidade.
Evidentemente, um facto importante acerca da moralidade é que se é correcto para mim fazer uma acção particular, então é correcto para qualquer pessoa numa situação idêntica fazê-lo também. Esta é a ideia de que as leis morais ― os princípios gerais que ditam o que está correcto fazer ― são universais e impessoais. O problema está em que este requisito não é suficiente para revelar quais as generalizações morais verdadeiras. Se fosse, a analogia entre as leis científicas e as leis morais teriam implicações diferentes das que Kant tentou desenvolver.
Kant: As pessoas são fins em si mesmos
Kant acreditava que uma consequência importante do seu teste da universalizabilidade é que devemos tratar as pessoas como fins em si mesmos e não como meros meios. Por esta razão, entendia que não devemos tratar as pessoas como meios para fins que elas não poderiam aceitar racionalmente. Kant acreditava que este princípio proíbe a escravatura.
O mesmo pode ser verdade para a punição de alguém por um crime que não cometeu, mesmo que fazê-lo apazigúe uma multidão perigosa. A teoria kantiana parece fornecer bases mais sólidas do que o utilitarismo para a ideia de que os indivíduos têm direitos que não podem ser anulados por considerações de utilidade. Na teoria de Kant não é a maximização da felicidade que importa. É suposto que a razão por si mesma estipule princípios de equidade, imparcialidade e justiça.
Embora Kant anteceda os utilitaristas, a sua teoria parece feita para corrigir os defeitos do utilitarismo. A ideia de direitos é uma correcção plausível da ideia de que todos os aspectos da vida individual têm de passar o teste da maximização da felicidade de todos. Apesar disso, há dificuldades lógicas de monta na teoria de Kant. E o absolutismo de algumas das suas teses parece estar em completo desacordo com convicções morais de senso comum que estão fortemente arreigadas.
Será de todo plausível pensar que as promessas devem sempre ser cumpridas ― que nunca devemos dizer uma mentira ― sejam quais forem as consequências? Para além de mostrar os defeitos nos argumentos que pretendem justificar estas injunções, também devemos acima de tudo mostrar que estas exigências morais não precisam de receber uma justificação incondicional.
Se o critério de universalizabilidade é incapaz de fornecer um meio de decidir quais as acções que são correctas e se os juízos morais de Kant acerca do cumprimento de promessas, do suicídio, e de outras acções são implausíveis, o que tem valor na sua teoria ética? Muitos filósofos consideram a descrição que Kant faz do ponto de vista moral como uma das suas contribuições supremas e duradouras.
Os desejos e as preferências podem levar-nos a agir e estas acções podem produzir diferentes misturas de prazer e de sofrimento. Esta sequência de acontecimentos, contudo, dá-se entre criaturas ― talvez vacas e cães ― que nenhum esforço da imaginação permite afirmar terem uma moralidade. O que, então, distingue as acções motivadas pela moralidade das acções com origem na inclinação, quer sejam benevolentes quer sejam malevolentes?
A resposta de Kant é que a acção moral tem por base princípios com um tipo especial de garantia racional. A linguagem vulgar talvez seja neste caso um pouco enganadora, uma vez que podemos falar de desejar agir moralmente como se isso estivesse em pé de igualdade com o desejo por prazer ou por lucro. Mas Kant não pensava que determinar o nosso dever fosse uma inclinação entre muitas outras. Ele via a moralidade e a inclinação como existindo em esferas completamente diferentes.
Para identificar qual é a coisa moral a fazer devemos pôr de lado as nossas inclinações. Fixando a nossa atenção em leis universais e impessoais podemos esperar diminuir o grau em que o interesse próprio distorce os nossos juízos acerca do que devemos fazer.








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