Designação de duplo diagnóstico. Corresponde a associação de pelo menos
duas patologias num mesmo paciente.
Comorbidade é a ocorrência de pelo menos duas entidades diagnósticas
em um mesmo indivíduo. Estudos demonstram que o abuso de substâncias é o transtorno
coexistente mais frequente entre portadores de transtorno mental. Os mais frequentes
são: os transtornos do humor, transtorno de ansiedade, transtorno de déficit de
atenção e a esquizofrenia.
·
Comorbidade
patogênica ocorre quando duas ou mais doenças estão etiologicamente
relacionadas; Comorbidade diagnóstica ocorre quando as manifestações da doença associada
forem similares às da às da doença primária;
·
Comorbidade
prognóstica ocorre quando houver doenças que predispõem o paciente
a desenvolver outras doenças.
Conforme afirma o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais da Associação Norte-americana de Psiquiatria) o Transtorno
por Uso de Substâncias, que engloba o abuso e a dependência a substâncias, encontra-se
frequentemente associado a outras patologias psiquiátricas.
Assim diante de um paciente com uso problemático de drogas, seja
dependência ou uso abusivo, deve-se sempre investigar a existência de outra doença
emocional; ou por baixo da dependência ou como consequência.
É provável até que a existência de outros transtornos emocionais
comórbidos à dependência dificulte a adesão do paciente ao tratamento, proporcione
resultados piores em termos de frequência e quantidade da droga consumida, bem como
do funcionamento psicossocial.
Nem sempre é a droga em si a responsável exclusiva pela apatia
ocupacional do dependente, pelos fracassos sociais e familiares. Muitas vezes sua
própria personalidade se mostra algo inviável para a condução da vida.
Muitos trabalhos de pesquisa têm mostrado uma elevada prevalência
(13%) da associação de doença mental com uso abusivo de substâncias. Nas populações
em tratamento psiquiátrico, tanto ambulatorial quanto em internação hospitalar,
encontra-se 20 a 50% de comorbidade entre as variadas doenças mentais com o alcoolismo
e abuso de outras drogas.
Observações inversas também ocorrem, pois nos centros especializados
no atendimento ao dependente químico a comorbidade com outros transtornos mentais
também é maior, se comparada à população em geral.
Em relação às doenças mentais mais severas, como são a esquizofrenia
e o transtorno bipolar do humor, em quase metade dos pacientes também aparece a
associação com abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
Embora não haja evidências na literatura de determinados transtornos
emocionais e de personalidade como sendo causas do comportamento aditivo, a presença
de Transtorno de Conduta na infância, de diagnóstico de Transtorno Afetivo
Bipolar na adolescência e Transtorno Antissocial de Personalidade ou
Borderline seriam fortes fatores de risco para uso de drogas no futuro.
Não obstante, há evidencias de que a desinibição de comportamento
e o temperamento considerado "difícil" na criança possam representar
fatores de risco para o uso futuro de drogas (idem).
Em outras palavras, embora sem critérios suficientes para se constituir
em relação causa-efeito, as observações mostram sugestiva associação de determinadas
patologias mentais e traços de personalidade com o uso de drogas.
Uma das hipóteses que tentam justificar a associação entre dependência
química e transtornos emocionais seria uma espécie de vulnerabilidade da pessoa
para a doença mental. Neste caso a droga apenas desencadearia e agravaria os sintomas
mentais dormentes.
O segundo modelo sugere que essa associação se dá em função da
pessoa que se sente mal por conta de algum transtorno emocional buscar a droga como
uma espécie de “automedicação”. Ela aliviaria os sintomas de sua depressão, sua
ansiedade, obsessão, angústia e assim por diante.
A terceira hipótese supõe uma causa (biológica?) comum que predisporia
o sujeito ao uso de drogas e à doença mental simultaneamente. Um quarto e último
modelo entende a associação droga - doença mental como a ocorrência independente
das duas coisas, apenas uma concomitância. Nesse caso o uso de drogas pela pessoa
com doença mental seria determinado por fatores independentes daqueles da doença
mental.
Esses quatro modelos podem ser usados para tentar explicar, por
exemplo, a associação de uma pessoa com transtorno afetivo bipolar e dependência
à cocaína, ou do transtorno obsessivo-compulsivo com o álcool, o transtorno de ansiedade,
fóbico ou do pânico com maconha e assim por diante.
É, inclusive, útil para entender o severo agravamento da tendência
esquizofrênica (personalidade esquizoide, por exemplo) com abuso de craque ou coisa
que o valha.
Já é muitíssimo conhecido das pessoas que lidam com pacientes
internados o fato da maioria dos esquizofrênicos fumarem exageradamente, sugerindo
algum substrato neurobiológico comum aos dois estados. Os pacientes esquizofrênicos
que fazem uso de tabaco iniciam seu uso exagerado aproximadamente antes do inicio
dos sintomas psicóticos em 86% dos casos.
Tecnicamente, a literatura científica vem estabelecendo o sistema
dopaminérgico mesolímbico como o principal substrato biológico para o reforço positivo
de psicoestimulantes, maconha, nicotina e álcool. Essas substâncias direta ou indiretamente
aumentam a liberação de dopamina, um neurotransmissor, nos sistemas que envolvem
os neurônios de uma determinada área cerebral (a área tegmentar ventral na sua conexão
com o núcleo acumbens). Essas mesmas áreas cerebrais (mesolímbicas) estão envolvidas
no comportamento de fissura pela droga.
É interessante saber que esse mesmo sistema cerebral (mesolímbico)
esta relacionado com os sintomas esquizofrênicos, com a ação dos medicamentos para
esquizofrenia e com o desenvolvimento de sintomas psicóticos pelo uso de anfetaminas
e cocaína, como é o caso da chamada “noia” (sintomas francamente paranoicos).
O tratamento do dependente químico portador também de outra doença
mental tem resultados melhores quando se integra o tratamento dos sintomas psíquicos
do eventual transtorno com atitudes direcionadas à dependência.
A existência de comorbidade aumenta a dificuldade no controle
de cada doença isoladamente, ou seja, é mais difícil tratar um paciente deprimido
e dependente de cocaína do que o tratamento da depressão ou dependência à cocaína
isoladamente.
Tem sido comum a comorbidade de Transtorno Depressivo com
uso diário de bebida alcoólica, com dependência ou não. Na maioria dos casos percebe-se
claramente que o álcool está sendo usado como lenitivo da angústia, desânimo e tristeza
próprios da depressão.
Neste caso o sucesso terapêutico será inegavelmente maior se a
depressão for tratada com mesmo entusiasmo que a abstinência do álcool. É bastante
frequente a associação de alcoolismo, dependência de cocaína ou anfetaminas com
depressão. Não se pode tratar uma doença sem tratar igualmente a outra.
O quadro de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade
(TDAH), anteriormente acreditado afetar apenas crianças, é bastante associado ao
consumo de cocaína. Os pacientes referem sentir-se aliviados com a cocaína.
A semelhança neuroquímica entre esses dois estados deduz-se até
pelo fato do tratamento do TDAH ser através de fortes estimulantes, como, por exemplo,
o metilfenidato. Neste caso o tratamento precoce do TDAH, ainda em criança, deve
ser encorajado até por uma questão de prevenção para a eventual futura dependência
química.
A dependência a anfetaminas, cocaína e seus derivados (crack)
leva a um quadro francamente psicótico, paranoico e alucinatório. Como não se trata
de uma esquizofrenia franca ou genuína, falamos em quadro esquizofreniforme. Apesar
de muito exuberante em sintomas, tudo isso se resolve em poucas semanas com a abstinência
e o tratamento da dependência.
Por outro lado, embora a esquizofrenia verdadeira não seja causada
pelas drogas, poderá ser severamente piorada com o uso de destas, formando assim
um círculo vicioso; esquizofrenia – drogas - piora da esquizofrenia – mais drogas...
e assim por diante. Nesses pacientes o controle dos sintomas psicóticos é de grande
importância para a redução na utilização da droga.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TSPT), também
tem forte relação com o uso de drogas, tanto de cocaína quanto de maconha. Trabalho
policial, violência urbana, guerras, acidentes e outros eventos traumáticos favorecem
o TSPT e, consequentemente o uso de drogas.
O Transtorno de Pânico é outro quadro que também representa
um risco aumentado para o uso abusivo de substância, notadamente do álcool. Há prevalência
de uso abusivo de drogas em 16% da população com Transtorno do Pânico.
É muito importante avaliar a presença de comorbidades nos pacientes
com dependência química para maior eficácia do tratamento. Além de proporcionar
o não uso da substância, o tratamento objetiva assistir intensivamente a eventual
síndrome de abstinência, a correção de estados agudos de ansiedade e depressão,
ideias delirantes e eventuais alucinações.







