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9/16/2015

ANEMIA e Alcoolismo

Diz-se haver anemia (do grego, an = privação, haima = sangue) quando a concentração da hemoglobina sanguínea diminui aquém de níveis arbitrados pela Organização Mundial de Saúde em 13 g/dL para homens, 12 g/dL para mulheres, e 11 g/dL para gestantes e crianças entre 6 meses e 6 anos.

O que é hemoglobina

A hemoglobina é o pigmento que dá a cor aos glóbulos vermelhos (eritrócitos) e tem a função vital de transportar o oxigênio dos pulmões aos tecidos.

Apesar de ter um cortejo de sintomas e sinais próprios, a anemia não é, em si, uma doença, mas uma síndrome, pois pode decorrer de uma extensa lista de causas.

É a síndrome crônica de maior prevalência em medicina clínica.

Classificação das anemias

A anemia pode ser aguda ou crônica.

Na anemia aguda (perda súbita de sangue) a falta de volume no sistema circulatório é mais importante que a falta de hemoglobina. A perda de até 10% do volume sangüíneo, como a que ocorre numa doação de sangue, é bem tolerada. Perdas entre 10 e 20% causam hipotensão postural, tonturas e desmaios. Nas perdas acima de 20% há taquicardia, extremidades frias, palidez extrema, e hipotensão, depois choque; se a perda ultrapassar 30%, sem reposição imediata de líquidos intravenosos, o choque torna-se rapidamente irreversível e mortal.

Nas anemias crônicas não há baixa do volume sangüíneo, que é compensado por aumento do volume plasmático.

A falta de hemoglobina, como regra acompanhada de diminuição do número de eritrócitos, suas células carreadoras, causa descoramento do sangue, com palidez do paciente, e falta de oxigênio em todos os órgãos, com os sinais clínicos daí decorrentes. Hipócrates (@400 a.C.) descreveu-os: palidez e fraqueza devem-se à corrupção do sangue.

O sistema nervoso central, o coração e a massa muscular são os órgãos mais afetados, pois são os que mais necessitam oxigênio para suas funções.

A sintomatologia aumenta com a atividade física, pois esta consome oxigênio.

Com hemoglobina entre 9 e 11 g/dL há irritabilidade, cefaléia e astenia psíquica; nos velhos há fatigabilidade e podem ocorrer dores anginosa

Com hemoglobina entre 6 e 9 g/dL há taquicardia, dispnéia e fadiga aos menores esforços.

Com hemoglobina abaixo de 6 g/dL a sintomatologia está presente mesmo em atividades sedentárias e quando abaixo de 3,5 g/dL a insuficiência cardíaca é iminente e toda a atividade impossível.

As queixas espontâneas dos pacientes, entretanto, são menos exuberantes que a descrição acima: sem se aperceberem diminuem progressivamente a atividade física até níveis assintomáticos, e dizem nada sentir.

Diagnóstico

O hemograma é o exame fundamental para o diagnóstico da anemia. É feito, atualmente, em contadores eletrônicos de grande porte e alto preço (de US$80000 a US$400000), que contam e medem os eritrócitos e geram curvas de freqüência com médias e coeficientes de variação, definindo os parâmetros numéricos da população eritróide. As melhores máquinas distinguem e contam os eritrócitos mais jovens (reticulócitos), permitindo-se assim uma avaliação da produção diária e da resposta regenerativa à anemia.

Complementando-se os números dessa fantástica tecnologia com a observação ao microscópio por um patologista-clínico experiente, a grande maioria dos casos de anemia pode ser caracterizada quanto a seu mecanismo de produção (patogênese), o que leva ao diagnóstico da doença ou evento básico causal (etiologia). Deste modo: 

Quando a patogênese é a produção inadequada de hemoglobina, seja por falta de ferro ou por defeito genético na síntese, o hemograma evidenciará a presença de eritrócitos menores que o normal (microcitose), por faltar-lhes conteúdo.
Nas anemias decorrentes de inibição da proliferação eritróide, como na falta de vitamina B12 , no uso de drogas antiblásticas (usadas no tratamento do câncer) ou em algumas doenças próprias da medula óssea, serão notados eritrócitos com volume médio superior ao normal (macrocitose).
Nas anemias que acompanham as doenças crônicas, infecciosas, reumáticas, renais, endócrinas, o hemograma caracteriza-se “por não ser esclarecedor”; devem ser procurados os sinais clínicos e os resultados de exames próprios de cada uma delas.
Nas anemias por excesso de destruição periférica dos eritrócitos (anemias hemolíticas) e nos dias que sucedem uma hemorragia, o hemograma mostrará aumento significativo dos reticulócitos, caracterizando a hiperregeneração reacional do tecido eritróide da medula óssea.

Tipos de anemia

As anemias mais freqüentes e/ou de particular importância tanto médica quanto social são: 

Anemia da carência de ferro (anemia ferropênica) 
Anemia das carências de vitamina B12 (anemia perniciosa) e de ácido fólico 
Anemia das doenças crônicas 
Anemias por defeitos genéticos: 
- anemia de células falciformes 
- talassemias 
- esferocitose 
- deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase (favismo) 
Anemias por agressão periférica aos eritrócitos: 
- malária 
- anemias hemolíticas imunológicas 
- anemia por fragmentação dos eritrócito 
Anemias decorrentes de doenças da medula óssea: 
- anemia aplástica 
- leucemias e tumores na medula

ANEMIA DA CARÊNCIA DE VITAMINA B12

A vitamina B12, cujo nome científico é cianocobalamina, foi isolada e identificada a partir de um extrato de fígado, em 1948. É indispensável, na espécie humana, para a proliferação dos glóbulos do sangue e para a manutenção da integridade das células nervosas. A vitamina B12 só existe no reino animal; os vegetarianos restritos (que não comem nenhum produto de origem animal), raríssimos no Brasil, desenvolvem a carência.

A deficiência comum é a que decorre da falta de absorção da vitamina, por uma doença auto-imune da mucosa do estômago - a gastrite atrófica - que, rara antes dos 40 anos, aumenta de freqüência com a idade, até tornar-se muito comum na velhice. A incidência é maior no sexo feminino, em pacientes com doenças da tireóide e com vitiligo. A falta de vitamina B12 causa anemia e alterações neurológicas, que são progressivas e mortais se não houver tratamento, donde o nome de anemia perniciosa dado à doença antes de sua notável e recente descoberta.

Anos de absorção inadequada são necessários para o esgotamento das reservas de B12 do organismo, mas a partir daí, a anemização é rápida:

há glossite (língua vermelha e ardente),
surgem dormências, depois falta de sensibilidade, nas extremidades,
e, por fim, deterioração mental irreversível.

O hemograma mostra que a anemia é macrocítica, isto é, caracterizada pela presença de eritrócitos (glóbulos vermelhos) maiores que o usual. A dosagem de vitamina B12 no soro sangüíneo é útil para o diagnóstico, que se completa pela notável resposta ao tratamento de reposição: dois ou três dias após a primeira injeção intramuscular de vitamina B12, o paciente sente-se eufórico, bem disposto e com apetite. 

A anemia cura-se em poucas semanas; os sintomas neurológicos de modo mais lento. Como a gastrite atrófica é uma doença definitiva, o tratamento com uma injeção mensal de B12 deve ser mantido por toda a vida.

A inclusão da dosagem de vitamina B12 na avaliação laboratorial de pacientes idosos tem permitido o diagnóstico da deficiência antes da aparição da anemia e dos sintomas acima; a reposição parenteral da vitamina causa, em alguns desses pacientes, significativa melhora das condições mentais. A ação da vitamina no organismo é muito ampla; a dosagem deve tornar-se um exame rotineiro em geriatria.

Anemia da carência de ácido fólico

O ácido fólico (nome científico ácido pteroilglutâmico) é uma vitamina do complexo B, abundante nas folhas verdes (donde o nome fólico), presente em pequena quantidade em muitos outros alimentos vegetais, e na totalidade dos alimentos de origem animal. A fervura prolongada dos alimentos destrói a vitamina.

A deficiência de ácido fólico, no organismo, geralmente ocorre quando há uma dieta carente, por precariedade de condições sócioeconômicas, associada a excesso de demanda.

No Brasil é comum, em:

Crianças em idade de máximo crescimento (1 a 3 anos): o crescimento exige ácido fólico.
Gestantes: o crescimento fetal consome ácido fólico materno.
Alcoolistas: alimentam-se apenas das calorias vazias do álcool e desenvolvem múltiplas deficiências; a de ácido fólico é potencializada porque o álcool age como seu antagonista no metabolismo.
Pacientes com doenças inflamatórias crônicas do trato digestivo que ocasionam má absorção de ácido fólico são raras.

A interação do ácido fólico com a vitamina B12 é indispensável para a proliferação dos glóbulos do sangue. A falta de ácido fólico causa uma anemia macrocítica idêntica a da falta de B12, mas não causa doença neurológica. 

Os pacientes perdem o apetite, o que faz piorar a dieta, por hipótese, já carente; há rápido emagrecimento. O tratamento com ácido fólico por via oral causa imediata melhora clínica; o paciente desenvolve um apetite voraz que corrige espontaneamente a dieta.

Só há recaída em casos de extrema pobreza ou de alcoolismo persistente.

ANEMIA DA CARÊNCIA DE FERRO

O ferro, por fazer parte da molécula, é indispensável à produção da hemoglobina, pigmento dos glóbulos vermelhos, que lhes permite o transporte de oxigênio, e cuja falta denomina-se anemia. A carência de ferro é a causa mais comum de anemia (anemia ferropênica).

As razões antecedem a história. O homem primitivo, presume-se, alimentava-se como seus assemelhados do topo da escala zoológica: frutas silvestres, ervas palatáveis, ovos avidamente procurados e presas animais, de larvas a mamíferos de porte. Canibalismo talvez fosse um evento vulgar.

Essa dieta natural aportava-lhe ferro ligado a proteínas animais e vitamina C das frutas, combinação apropriada à absorção do ferro no trato digestivo humano. Em épocas de escassez o homem primitivo deveria ser desnutrido, faminto, mas raramente ferropênico.

O sobrenome sapiens, que o diferenciou dos antropóides, levou o homo à invenção da agricultura: a colheita fixou-o ao solo, a fonte previsível de alimentos deu origem à expansão demográfica. Milhares viraram milhões, agora seis bilhões. Não há proteínas animais para tantos e, infelizmente, o trato digestivo humano não evoluiu para os novos tempos: absorve mal o ferro dos grãos, dos tubérculos e das plantas verdes. 

Crê-se que 20% da população mundial não têm, no organismo, reservas de ferro suficientes para repor a hemoglobina: qualquer excesso de demanda desencadeia anemia ferropênica. Esta se transformou em problema de saúde pública de espantosa prevalência.

No Brasil, a dieta carente é, por si só, o fator desencadeante de anemia ferropênica, apenas nos seguintes casos:

Nos lactentes, quando alimentados com leite bovino. O ferro do leite, já escasso, é mal absorvido; entre os 6 meses e os 2 anos de idade a anemia é quase universal. O aleitamento materno, com absorção muito superior do ferro, evita a anemia.
Nas gestantes de baixa condição sócio-econômica: a passagem de ferro pela placenta, para as necessidades fetais, causa um balanço negativo de ferro; se não houver complementação, haverá anemia.
Nos idosos desassistidos: falta de recursos, dentadura em mau estado, inapetência fazem predominar a alimentação composta de café com leite, pão, sopas, virtualmente sem ferro assimilável.
Nos vegetarianos restritos: são raros.

Como se desenvolve a anemia ferropênica?

Fora dos casos acima, a anemia da carência de ferro, como regra, independe da alimentação; decorre de perda crônica de sangue. Nas zonas rurais e litorâneas, sem saneamento, a espoliação por verminose, principalmente na infância, é causa comum.

Nas mulheres em idade fértil, o excesso menstrual (hipermenorréia), não notado ou desvalorizado, é a causa de 95% dos casos de anemia ferropênica, e a razão da prevalência desta ser 20 vezes maior em mulheres que em homens. 

As pacientes (às vezes, também, os médicos), entretanto, custam a crer ser essa a causa da anemia; habituadas à hipermenorreia, consideram-na "normal, porque sempre foi assim" e persistem em procurar na dieta, na "falta de fixação do ferro", motivos outros em detrimento da causa óbvia. O ferro do corpo humano não tem mecanismo de excreção e, certamente, não se evapora: perde-se com a perda de sangue.

Nos homens, e numa minoria de mulheres, a anemia ferropênica decorre de perda crônica de sangue no trato digestivo, por gastrite, úlcera, tumores e inflamações intestinais crônicas. O sangue perdido sai digerido na massa fecal; quando o volume excede 50 gramas as fezes tornam-se escuras, luzidias, e com um cheiro fétido (melena). As pessoas, em geral, não atentam para as próprias fezes: a perda de sangue quase nunca é notada.

Diagnóstico

O diagnóstico de anemia ferropênica costuma ser fácil: o hemograma mostra a anemia, caracterizada pela presença de glóbulos vermelhos menores que o normal (microcitose), por faltar-lhes conteúdo hemoglobínico. A dosagem plasmática da ferritina, forma química de armazenamento do ferro no organismo, mostra-a muito baixa ou ausente.

Tratamento

A anemia ferropênica cura-se em dois a três meses com a administração de sulfato ferroso oral. Outros compostos de ferro, mais caros e comercializados com a alegação de que são melhor tolerados pelo trato digestivo, têm absorção insatisfatória. 

Querer tratar a anemia ferropênica com "alimentos ricos em ferro" (os pacientes geralmente citam fígado, espinafre, feijão, beterraba - esta pela cor) não tem cabimento: o ferro alimentar é sempre insuficiente para esse fim. Se persistir a causa da anemia ferropênica, como por exemplo, em casos de hipermenorréia intratável, a anemia reaparecerá alguns meses ou anos após a cura com o tratamento. Nesses casos sugere-se um controle periódico pelo hemograma, com repetição do tratamento quando necessário. 

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