Um dos Preceitos para quem quer seguir os Ensinamentos do Buda diz que não devemos ingerir qualquer substância que possa alterar o estado puro e natural de nossa mente. Na verdade, é uma recomendação que deveria ser seguida por todos, não só por Budistas.
Algo que não concordo é a famosa definição que a maioria das pessoas usa para justificar o consumo de bebidas alcóolicas: “Eu bebo SOCIALMENTE”…
Há milhares de anos o ser humano, em todos os cantos do mundo, vem usando substâncias intoxicantes, principalmente o álcool e bebidas fermentadas para alterar o funcionamento da mente e fazer todo tipo de coisas erradas: euforia, orgias, infidelidade sexual, acidentes, violência urbana e doméstica, atos inconsequentes, crimes passionais e até assassinatos. A isto se chama “beber socialmente”?? Será mesmo que a Sociedade precisa do álcool, isso sem mencionar os tantos outros tipos de drogas?
As pessoas acham que têm que beber para relaxar, para descontrair, para aliviar a tensão após um dia cansativo ou uma semana de trabalho. Também acham que não tem graça assistir uma partida de futebol sem tomar cerveja. O consumo de álcool se torna quase que inseparável de qualquer comemoração. TODO evento social tem que ter bebidas alcóolicas, e, mesmo que o organizador do evento não beba, por medo de desagradar os convidados, acaba servindo álcool… Triste isso!
Quem permanece sóbrio não acha graça nenhuma nas tolices e inconveniências de quem bebe. Não tem nada de divertido em levar um amigo bêbado para casa, nem em ver alguém vomitar no assento do carro. Só quem é acordado no meio da noite para tirar um filho da delegacia ou para receber a notícia de que ele está no hospital sabe que beber “socialmente” é uma grande tolice, uma “desculpa esfarrapada” para justificar uma fraqueza desnecessária.
É fim de ano e época do aumento do consumo de álcool e de drogas. Meu apêlo é para que as pessoas reflitam sobre esta matéria e tentem celebrar as Festas de Fim de Ano em paz e harmonia, sem álcool, sem intoxicantes. Sem alterarem a pureza do estado mental, com certeza, tanto o Natal quanto o Ano Novo serão muito mais felizes!
Namaste!
REV. SUNANTHÔ BHIKSHÚ
O Quinto Preceito
Kumba Jataka
Uma vez, enquanto o Buda estava vivendo no Monastério Jetavana em Savatthi, Visakha, uma rica e leiga devota budista, foi convidada por 500 mulheres que ela conhecia, a participar na celebração de um festival na cidade.
- “Este é um festival de bebidas,” disse Visakha. “Eu não bebo.”
- “Tudo bem,” disseram as mulheres, “vá em frente e faça suas oferendas ao Buda, nós aproveitaremos o festival.”
Na manhã seguinte, Visakha serviu ao Buda e à Ordem dos bhikkhus em sua casa e fez grandes oferendas dos quatros requisitos. [i]
Naquela tarde, ela prosseguiu, e foi à Jetavana para oferecer incenso e belas flores ao Buda e para ouvir os ensinamentos. Embora estivessem quase bêbadas, as outras mulheres a acompanharam. Até mesmo ao portão do Monastério, elas continuaram bebendo.
Quando Visakha entrou no hall, ela curvou-se reverenciosamente ao Buda e sentou respeitosamente num dos lados. Suas 500 companheiras, entretanto, se esqueceram de adequar-se ao local. Elas pareciam, de fato, não perceberem onde estavam. Mesmo em frente ao Buda algumas delas dançavam, algumas cantavam, algumas tropeçavam e outras brigavam.
A fim de chamar a atenção das mulheres, o Buda emitiu um brilho azul escuro de suas sobrancelhas, e subitamente tudo tornou-se escuro. As mulheres ficaram aterrorizadas com medo de morrer e instantaneamente ficaram sóbrias. O Buda então desapareceu de seu assento e pôs-se de pé no topo do Monte Meru.
Dos caracóis de cabelos brancos entre suas sobrancelhas ele emitiu um raio de luz tão esplendoroso como se mil luas e sóis estivessem nascendo. “Por que estão rindo e se divertindo,” ele reclamou, “vocês que estão sempre consumindo-se e rodeadas pela escuridão? Por que não procuram luz?”
As palavras de Buda tocaram todas as 500 mulheres, e suas mentes - agora receptivas - se tornaram um canal de penetração. O Buda então retornou e sentou-se em sua câmara. Visakha reverenciou-o mais uma vez e perguntou, “Venerável senhor, qual é a origem deste costume de bebida alcoólica, que destrói a modéstia e o senso de vergonha de uma pessoa?”
Em resposta à pergunta de Visakha, o Buda revelou esta história de um passado distante.
Há muito, muito tempo atrás, quando Brahmadatta reinava em Baranasi, um caçador chamado Sura foi de sua cidade natal em Kasi, aos Himalaias, à procura de divertimento. Naquela remota selva havia uma única árvore cujo tronco cresceu até a altura de um homem com seus braços levantados acima de sua cabeça.
Até aquele ponto, três galhos se espalhavam, formando uma cavidade mais ou menos do tamanho de um grande barril de água. Sempre que chovia, a cavidade se enchia de água. Ao redor da árvore crescia uma árvore de ameixas amargas, uma árvore de ameixas ácidas, e uma videira de pimentas. As frutas maduras das ameixeiras e as pimentas da videira caiam diretamente dentro da cavidade. Próximo, havia uma pequena área de terra de arroz não cultivado.
Papagaios arrancavam as cabeças do arroz e sentavam-se na árvore para comê-las. Algumas dessas sementes caíam na água. Com o calor do sol, o líquido existente na cavidade fermentava e tornava-se de um vermelho cor de sangue. Nas estações quentes, revoadas de pássaros sedentos iam lá para beber.
Tornando-se repentinamente embriagados, eles rodavam descontroladamente para cima, apenas para caírem bêbados aos pés da árvore. Após dormirem por um curto período de tempo, eles acordavam e voavam, gorjeando divertidamente. O mesmo acontecia aos macacos e outros animais que costumam subir em árvores.
O caçador observou tudo isto e ficou curioso, “O que haverá na cavidade daquela árvore? Não pode ser veneno, porque se fosse, os pássaros e os animais morreriam.” Ele bebeu um pouco do líquido e ficou embriagado da mesma forma como eles. Por ter bebido, ele sentiu um forte desejo de comer carne.
Acendeu uma pequena fogueira, quebrou os pescoços de algumas das perdizes, aves domésticas, e outras criaturas caídas inconscientes aos pés da árvore, e os assou sobre o carvão. Ele gesticulava embriagadamente com uma mão enquanto enchia a boca com a outra.
Enquanto bebia e comia, lembrou-se de um ermitão chamado Varuna que vivia alí perto. Desejando dividir sua descoberta com o ermitão, Sura encheu um tubo de bambu com o licor, embrulhou alguns pedaços da carne assada, e saiu para a choça do ermitão. Logo que lá chegou, ele ofereceu ao ermitão um pouco da bebida, e ambos comeram e beberam com satisfação.
O caçador e o ermitão deram-se conta de que esta bebida poderia ser a maneira de fazerem fortuna. Eles despejaram a bebida dentro de grandes tubos de bambu, colocaram-nos como varas atravessadas em seus ombros e os carregaram até Kasi. Da primeira fronteira em que chegaram, eles enviaram uma mensagem ao rei, dizendo que os fazedores de bebidas haviam chegado. Quando foram convocados, eles pegaram o álcool e o ofereceram ao Rei.
O rei tomou dois ou três drinques e ficou embriagado. Após alguns dias, ele havia consumido tudo que os dois homens tinham carregado e perguntou se havia algum mais.
- “Sim, senhor,” eles responderam.
- “Onde?” perguntou o rei.
- “Nos Himalaias”.
- “Vão e tragam-na,” ordenou o rei.
Sura e Varuna voltaram à floresta, mas eles logo perceberam como era trabalhoso retornar às montanhas toda vez que precisassem de mais bebida, assim, eles tomaram nota de todos os ingredientes e juntaram tudo que precisavam, de forma que eles estivessem aptos a preparar a bebida na cidade. Os cidadãos começaram a beber o licor, esqueceram de seus trabalhos, e tornaram-se pobres. A cidade logo parecia uma cidade fantasma.
A esta altura, os dois fazedores de bebidas partiram e levaram seus negócios para Baranasi, de onde enviaram uma mensagem ao rei. Lá, também, o rei intimou-os e ofereceu-lhes suporte. Como o hábito de beber se espalhou, os trabalhos comuns se deterioraram, e Baranasi caiu em decadência da mesma forma que Kasi havia caído.
Sura e Varuna foram em seguida para Saketa, e, após abandonarem Saketa, prosseguiram para Savatthi.
Naquela época, o rei de Savatthi era chamado Sabbamitta. Ele deu as boas vindas aos dois mercadores e perguntou o que eles queriam. Eles solicitaram grandes quantidades dos principais ingredientes e quinhentos enormes jarras. Após tudo acertado, eles colocaram a mistura nas jarras e amarraram um gato em cada jarro para afastar os ratos. Conforme a bebida fermentava, ela começou a transbordar.
Os gatos lambiam felizes a potente bebida que escorria lado abaixo, ficando completamente embriagados, e deitaram-se para dormir. Os ratos vieram e mordiscavam nas suas orelhas, narizes e rabos. Os homens do rei ficaram chocados e relataram ao rei que os gatos amarrados aos jarros tinham morrido por beberem o licor que escapava.
“Por certo esses homens devem estar preparando veneno!” o rei concluiu, e imediatamente ordenou que ambos fossem decapitados. Sura e Varuna foram executados e suas últimas palavras foram, “Senhor, isto é licor! É delicioso!”
Após a execução dos mercadores, o rei ordenou que as jarras fossem quebradas. Por outro lado, entretanto, os efeitos do álcool havia passado e os gatos estavam brincando muito felizes. Os guardas relataram isto ao rei.
“Se fosse veneno,” disse o rei, “os gatos teriam morrido. Pode ser mesmo delicioso. Vamos bebe-lo.”
Ordenou que a cidade fosse decorada e que um pavilhão fosse erguido no pátio. Ele tomou seu assento num trono real sob a proteção de uma sombrinha branca, circundado pelos seus ministros, pronto para beber.
Naquele momento, Sakka, o rei dos deuses, estava vistoriando o mundo e começou a pensar, “Quem está respeitosamente cuidando de seus pais? Quem está se conduzindo bem em pensamento, palavra, e ação?"
Quando ele viu o rei sentado em seu pavilhão real, pronto para beber a mistura, ele pensou, “Se o Rei Sabbamitta beber aquilo, o mundo inteiro perecerá. Vou me assegurar de que ele não a beba.”
Sakkha instantaneamente disfarçou-se de um brahman e, carregando uma jarra cheia de licor na palma de sua mão, apareceu de pé erguido no ar em frente do rei. “Compre esta jarra! Compre esta jarra!” ele gritava.
O rei Sabbamitta o viu e perguntou, “De onde você vem, brahman? Quem é você? Que jarra é esta que você tem?”
“Ouça!" Sakka respondeu. “Esta jarra não contém manteiga, óleo, melado, ou mel. Atente aos inumeráveis vícios que esta jarra contém. Quem quer que beba isto, pobre tolo ignorante, perderá o controle de si mesmo até tropeçar no chão liso e cair numa vala ou poço. Sob sua influência, ele comerá coisas que, em sã consciência, nunca imaginou pudesse comer. Por favor compre-a.
Esta é a pior das jarras e está à venda! O conteúdo desta jarra distrairá o espírito de um homem até fazê-lo comportar-se como um bruto, dando ao seu inimigo a alegria de rir dele. Isto fará com que ele cante e dance estupidamente em frente à uma assembléia. Por favor compre este maravilhoso licor pela obscena gaiatice que trará. Mesmo o mais tímido perderá a modéstia quando beber desta jarra.
O mais acanhado dos homens pode esquecer do problema de estar vestido e pode desavergonhadamente correr nú ao redor da cidade. Quando estiver cansado, ele descansará alegremente e feliz em qualquer lugar, sem se importar com o perigo ou a decência. Tal é a natureza desta bebida. Por favor compre-a. Esta é a pior das jarras e está à venda.
Quando alguém bebe dela, perde o controle de seu corpo, cambaleando como se não pudesse ficar em pé, tremulando, aos trancos, e se sacudindo como uma marionete conduzida pela mão de outro. Compre minha jarra. Ela está cheia de vinho. O homem que beber desta jarra é presa fácil de todo perigo porque ele perde seus sentidos.
Pode queimar até morrer em sua própria cama, tropeçar num monte de chacais, cair num poço, reduzindo-se à servidão ou penúria – não existe infortúnio a que, bebendo-se dela, não se seja levado. Tendo absorvido isto, os homens podem cair sem sentidos na estrada, sujos pelos seus próprios vômitos e lambidos por cachorros. Uma mulher pode tornar-se tão intoxicada que amarrará seus amados pais à uma árvore, insultará seu esposo, e na sua cegueira pode até abusar ou mesmo abandonar sua única criança.
Tal é a mercadoria contida nesta jarra. Quando um homem bebe desta jarra, ele pode acreditar que todo o mundo é dele e que ele não deve respeito a ninguém. Compre esta jarra. Está cheia até a borda com a mais forte bebida. Viciadas por esta bebida, famílias inteiras da classe mais alta desperdiçarão suas fortunas e arruinarão seus nomes. Compre esta jarra, senhor. Ela está à venda. Nesta jarra existe um líquido que faz língua e pés perderem o controle.
Cria risadas e choros irracionais. Embaça a visão e enfraquece a mente. Torna um homem desprezível. O ato de bebê-lo conduz a conflitos. Amigos terão cotendas e chegarão a vias de fato. Até mesmo os antigos deuses foram suscetíveis e perderam seus céus por causa da bebida. Compre esta jarra e prove o vinho. Por causa desta bebida, mentiras são ditas com prazer, e ações proibidas são cometidas com alegria.
Falsa coragem conduzirá ao perigo, e amigos serão traídos. O homem que bebe desta bebida tentará qualquer proeza, sem dar-se conta de que está se condenando ao inferno. Tente esta bebida, senhor. Compre minha jarra. Aquele que beber esta mistura pecará em pensamento, palavra, e ação. Ele verá coisas boas como más e coisas más como boas. Até mesmo a pessoa mais modesta agirá indecentemente quando bêbada. O homem mais sábio balbuciará bobagens.
Compre este maravilhoso líquido e torne-se viciado. Você crescerá habituado a maus comportamentos, à mentira, ao abuso, à imundície, e à desonra. Quando completamente bêbados, os homens são como bois caídos no solo, desmoronando-se e estendendo-se em pilhas. Nenhum poder humano pode competir com o poder venenoso do licor. Compre minha jarra.
Para encurtar, bebendo-se isto, cada virtude será destruída. A vergonha será banida, a boa conduta corroída, e a boa reputação aniquilada. Ela irá corromper e enevoar a mente. Se puder permitir-se beber deste intoxicante licor, senhor, compre minha jarra.”
Quando o rei ouviu isto, ele entendeu a miséria que poderia ser causada pela bebida alcoólica. Imensamente feliz por ter sido poupado do perigo, ele desejou expressar sua gratidão.
“Brahman,” ele clamou, “você sobrepujou até mesmo minha mãe e meu pai cuidando de mim! Em gratidão por suas excelentes palavras, permita-me dar-lhe cinco vilas a sua escolha, cem mulheres para servi-lo, setecentas vacas, e dez carruagens puxadas por cavalos de puro sangue. Você está sendo um grande mestre.”
“Como chefe de trinta e três deuses,” Sakka respondeu, revelando sua identidade, “ eu não tenho necessidade de coisa alguma. Você pode conservar suas vilas, empregados, e rebanho. Aproveite sua deliciosa comida e contente-se com os doces. Delicie-se nas verdades que preguei para você. Desta maneira você estará livre de culpa neste mundo e obterá no próximo um glorioso renascimento celestial.”
Com estas palavras, Sakka retornou a sua própria residência.
O Rei Sabbamitta prometeu solenemente abster-se do álcool e ordenou que as jarras fossem espatifadas. Daquele dia em diante, ele guardou os preceitos e generosamente distribuiu donativos. Ele viveu uma boa vida e realmente renasceu no céu.
Mais tarde, entretanto, o hábito de beber bebidas alcoólicas espalhou-se através da Índia, e muitas pessoas foram afetadas.
O Buda terminou aqui sua lição e identificou o Princípio: “Naquele tempo Ananda era o rei, e eu próprio era Sakka.”
Os Cinco Preceitos
A moralidade é o ponto de partida de todos os bons darmas e o alicerce do crescimento espiritual. Ela se baseia no reconhecimento de que o eu não tem a primazia e que deve aprender a respeitar os direitos, os sentimentos e as necessidades dos demais seres sencientes.
As principais obrigações morais ensinadas pelo Buda são os chamados Cinco Preceitos, que constituem regras ou princípios para orientar o comportamento. Suas finalidades básicas são:
- evitar que prejudiquemos outros seres;
- ajudar-nos a criar bom carma, ou mérito, para nós mesmos.
O carma negativo é invariavelmente gerado pelas más intenções. Sempre que, proposital ou conscientemente, prejudiquemos outro ser, somos culpados de agir com más intenções. O Buda ensinou os Cinco Preceitos para nos auxiliar a superar o hábito de lesar os demais e a nós mesmos com as nossas más intenções.
Fundamento da moralidade budista e ponto de partida para o verdadeiro crescimento do ser humano, os Cinco Preceitos são:
- Não matar.
- Não roubar.
- Não mentir.
- Não ter má conduta sexual.
- Não se entorpecer com álcool ou drogas.
Para Compreender os Cinco Preceitos
Os preceitos são enunciados na forma negativa, porque o primeiro passo para o crescimento moral é sempre deixar de fazer as coisas que prejudiquem outros seres sencientes. Antes de sequer começar a pensar em como ajudar o próximo, é necessário, antes, parar de prejudicá-lo. Vamos detalhar, a seguir, cada um desses preceitos fundamentais.
Não matar
Matar intencionalmente um ser senciente é um modo muito grave de prejudicar alguém. Se possível, devemos evitar matar até mesmo camundongos, pernilongos, formigas e outros animais pequenos. Ao respeitar a menor e mais indefesa criatura, adotamos uma atitude de respeito por todos os seres. Esse tipo de respeito é a base de todos os méritos.
Como o budismo é uma religião centralizada na vida humana e, uma vez que o Buda disse ser a vida humana particularmente preciosa, matar outro ser humano é a mais grave forma de matar. Matar um ser humano de propósito é ato gravíssimo, que resulta sempre em carma negativo também muito grave.
O mau carma gerado pelo assassinato varia de pessoa para pessoa, pois as circunstâncias que levam à transgressão são sempre diferentes. Um indício da gravidade do homicídio pode ser percebido quando se analisa o que acontececom um mongeou monja budista que venha a matar um ser humano: essa pessoa será expulsa do monastério, não terá permissão para conviver com outros monges e monjas e, com toda a certeza, renascerá no inferno. Essa retribuição não pode ser abrandada, nem mesmo pelo mais sincero ato de arrependimento.
Matar um animal ou um inseto também configura uma violação do primeiro preceito, apesar de não ser considerada uma ofensa tão grave quanto matar um ser humano. As sementes nocivas plantadas na consciência quando a pessoa mata animais podem ser erradicadas por meio de atos de sincero arrependimento.
A proibição de matar figura em primeiro lugar entre os Cinco Preceitos porque é a menos sutil de todas e, portanto, consiste no alicerce das outras. Quem consegue perceber que matar é errado pode começar a ver que as outras formas de causar dano também são erradas.
Observar o preceito que proíbe matar é algo que traz grandes benefícios espirituais, ensinando-nos a praticar a compaixão e a pensar com profundidade nas necessidades e nos direitos dos outros seres. Na verdade, todos os seres são apenas um. Se não conseguirmos respeitar os outros, como poderemos respeitar a nós mesmos? E, sem respeito próprio, como ser dignos de conhecer a nossa natureza búdica?
Muita gente pergunta como as plantas devem ser consideradas à luz desse primeiro preceito. Sendo elas seres vivos, não seria errado matá-las? O Buda disse que os animais e os insetos, por terem consciência ou percepção, são muito diferentes das plantas. Em última análise, todas as coisas deste mundo são dotadas de natureza búdica e devem ser respeitadas. Contudo, uma vez que os animais têm consciência, devem ser tratados com especial respeito, pois, como nós, eles também estão em meio à jornada que só se conclui com o despertar completo.
Os budistas chineses geralmente dão maior ênfase ao vegetarianismo do que os de outras tradições. O praticante que adota a dieta vegetariana se desassocia totalmente do ciclo de criar e matar animais. O Sutra do Grande Nirvana diz: “Aqueles que comem carne perturbam o desenvolvimento da grande compaixão. Onde quer que andem, parem, se sentem ou se deitem, o cheiro da carne que comeram pode ser sentido por outros seres sencientes, os quais, consequentemente, se amedrontam”.
Pessoas que gostam de matar causam repulsa em outros seres vivos, ao passo que aquelas que não gostam de matar atraem para si os outros seres vivos.
Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria
Não roubar
Não prejudicar os outros de nenhuma forma é o fundamento de todos os Cinco Preceitos. Quem rouba lesa, porque viola o direito de propriedade e a confiança na integridade do mundo ao redor. Define-se “roubar” como o ato de se apropriar de qualquer coisa que não seja sua. O dano pode ser gerado por meio de fraude ou engano, pela remoção física de um objeto pertencente a outra pessoa, pela escamoteação das leis – seja como for, toda forma de apropriação configura roubo.
Também é roubo tomar emprestado e não devolver, ou devolver o objeto avariado. Não entregar algo que foi confiado aos seus cuidados como portador, também é um tipo de roubo. Exemplos disso variam do ato mesquinho de não entregar um objeto de pouco valor até o ato grave de apropriação da herança que alguém lhe confiou para que passasse aos herdeiros de direito.
O código budista de conduta moral considera o roubo uma transgressão tão mais séria quanto maior o valor do objeto tomado. Caso o objeto seja de valor irrisório, seu roubo é considerado apenas um comportamento “impuro”. Sementes cármicas são plantadas mesmo pelos menores roubos, mas o comportamento impuro não é tão sério como o roubo propriamente dito. Roubos menores, categorizados como ações impuras, seriam, por exemplo, não devolver uma caneta esferográfica, pegar um envelope sem pedir ou utilizar alguma coisa sem permissão do dono.
O preceito de não roubar é um dos mais difíceis de serem seguidos, porque todos são tentados a pegar ou manter coisas que não lhes pertencem. Ficar com o livro de um amigo, levar a toalha do hotel, carregar para casa material do escritório, utilizar o telefone comercial inadequadamente e assim por diante, queiramos ou não admiti-lo, são, também, roubo.
O sábio nunca se aferra a nada; portanto, nada se aferra a ele. As pessoas comuns aferram-se a tudo; logo, ficam aprisionadas às suas ilusões pelo carma e pela cobiça.
De acordo com o Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores), roubos graves levam ao renascimento em um dos três planos inferiores da existência. Além disso, assim que o renascimento for como ser humano, este se dará em condições de pobreza e atormentado pelas necessidades materiais.
O Buda disse: “Ananda, como ignoram a verdade, os seres sencientes aferram-se aos seus desejos e ocultam sua sabedoria sob o véu de suas ideias preconcebidas”.
Sutra do Grande Nirvana
Não mentir
A definição mais simples de mentir é não dizer a verdade. A mentira pode ser também qualquer tipo de enganação, duplicidade, falsidade, distorção ou informação errônea. Trata-se de ofensa muito grave, porque viola a confiança das pessoas e as leva a duvidar de suas próprias intuições. Os principais tipos de mentira são dois:
- mentira por omissão;
- mentira intencional.
A mentira intencional é aquela inequívoca, praticada com o propósito de enganar alguém. A mentira por omissão é a sonegação de informações com o intuito de enganar alguém. Os dois tipos são muito graves e ambos geram sério carma negativo.
As mentiras podem ser classificadas em três categorias:
- grandes mentiras;
- mentiras menos graves;
- mentiras de conveniência.
Considera-se que a pior mentira é alguém se dizer iluminado quando não o é, ou alegar ter poderes paranormais que não tem. Se esse tipo de mentira for contado por um monge ou uma monja, a ofensa é ainda mais grave.
Mentiras menos graves são todas as outras. Por exemplo, alguém dizer ter visto algo que não viu, ou que não viu algo que viu, ou dizer ser falso o que é verdadeiro ou ser verdadeiro o que é falso.
Um exemplo de mentira de conveniência seria não revelar a um doente terminal a gravidade de seu estado. Ou amenizar uma verdade para evitar que uma criança sofra um trauma psicológico. Na mentira de conveniência, importa levar em conta a intenção que nos inspira e a avaliação que fazemos dessa intenção. Se tivermos certeza de que causaremos mais bem do que mal com a mentira, não estaremos violando o preceito.
Aquele que mente ilude – primeiramente a si próprio e depois aos outros. Trata a verdade como se fosse falsa e o falso como verdadeiro. Confundindo totalmente o verdadeiro e o falso, não consegue aprender o que é benéfico. Ele é como um recipiente tampado no qual água limpa não pode ser despejada.
Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria
Não ter má conduta sexual
Entende-se por não ter má conduta sexual a prática sexual que viole as leis e costumes da sociedade. Paralelamente, o incesto e qualquer outra conduta sexual que lese ou viole os direitos de outra pessoa são também considerados má conduta sexual.
Alguns exemplos de conduta abusiva, mesmo para pessoas legalmente casadas: ter relações sexuais na hora errada, no local errado, em excesso ou ter relações insensatas.
Na hora errada significa no fim de uma gravidez normal, em momentos de retiro ou ocasiões em que estejamos doentes. Locais errados para relações sexuais são templos, lugares públicos ou à vista de outros. Ter relações sexuais em excesso significa devotar-se tanto ao sexo que a própria vitalidade se esgota.
Sexo insensato equivale a masturbar-se em excesso, vender o corpo por dinheiro ou em troca de favores, adotar condutas sexuais que despertem emoções desarrazoadas (ou seja, emoções que brotem da cobiça, da raiva ou da ignorância).
Não abusar de drogas ou bebidas alcoólicas
Uma tradução mais literal deste preceito seria: “Prometo abster-me do entorpecimento e da imprudência resultantes da utilização de drogas ou da ingestão de bebidas alcoólicas”. Em poucas palavras, o preceito diz: não se entorpeça. O propósito dele é evitar que façamos ou digamos coisas estúpidas enquanto nossos sentidos estiverem alterados sob o efeito de drogas ou bebidas alcoólicas.
Os quatro primeiros preceitos são em si violações morais lesivas, prejudiciais aos outros por natureza. Já o consumo de drogas ou de bebidas alcoólicas não seria algo intrinsecamente maléfico, uma vez que é um ato que prejudica mais diretamente o próprio usuário. Entretanto, o Buda adverte que o consumo dessas substâncias altera a consciência, tendo como resultado sérios lapsos de discernimento e a consequente violação dos outros preceitos.
O Shastra Abhidharma-mahavibhasha conta uma história que ilustra como o consumo de álcool pode levar à violação de todos os outros preceitos. Refere-se a um budista que se embebedou e decidiu roubar uma galinha de sua vizinha. Roubou, matou e comeu a ave. Quando a vizinha perguntou se ele tinha visto a galinha, respondeu que não.
A partir daí, o sujeito continuou a devotar-se à própria ruína, lançando olhares lascivos à vizinha e utilizando com ela linguagem sexualmente provocativa. A cadeia de eventos que o levou a quebrar todos os Cinco Preceitos começou com o primeiro drinque. Se não tivesse bebido, jamais teria plantado tantas sementes cármicas negativas. Tenho certeza de que todo mundo conhece exemplos piores do que esse no mundo atual.
Ao considerar as consequências da violação do princípio relativo a drogas e álcool, devemos levar em conta que o budismo é uma religião de moralidade, autocontrole e sabedoria. Qualquer coisa que anuvie a mente ou entorpeça a razão inevitavelmente diminui tanto nossa sabedoria quanto nosso autocontrole.
Quem quiser atravessar o grande oceano do nascimento e morte deve observar os Cinco Preceitos de todo o coração e com a mente por inteiro.
Sutra Upasaka-shila (Sutra sobre os Preceitos de Upasaka)
A Importância da Moralidade
Quem não dá muita importância à moralidade geralmente acha que a observância de um código de conduta moral restringe a liberdade. Nada poderia estar mais longe da verdade. A moralidade não cerceia nossa liberdade – liberta-nos da ilusão.
As correntes cármicas que nos aprisionam à ilusão só podem ser destruídas por meio de uma vida moral. Em vez de ver a moralidade como um fardo desagradável, deveríamos considerá-la uma oportunidade para uma vida mais sublime. É apenas pela moralidade que nos diferenciamos dos seres dos planos de existência inferiores.
Assim como a serenidade e a compostura são essenciais à meditação, a moralidade é essencial ao crescimento do ser humano. O objetivo dos Cinco Preceitos não é oprimir, eles simplesmente constituem uma das três instruções básicas proferidas pelo Buda sobre a evolução rumo a uma consciência mais elevada, que são:
- moralidade;
- meditação;
- sabedoria.
Em termos gerais, a meditação baseia-se na moralidade, enquanto a sabedoria tem por fundamento a meditação. A moralidade é o alicerce necessário para a meditação e para a sabedoria.
De acordo com o Buda, se seguirmos os Cinco Preceitos, teremos uma melhora em nossa vida presente e nas futuras, posto que estaremos plantando as sementes de nosso futuro. Naturalmente, o êxito na observância dos Cinco Preceitos não é conquistado da noite para o dia. Leva tempo para a mente iludida se abrir totalmente às grandiosas e libertadoras expansões de sabedoria que se descortinam quando a mente começa a compreender os níveis mais elevados.
Raras são as pessoas que conseguem seguir todos os Cinco Preceitos desde o momento em que tomam contato com eles pela primeira vez. Por isso, o Buda recomendou que, no começo, os princípios sejam observados de forma gradual. Primeiro, seguindo o princípio de não matar; em seguida, passa-se a cada um dos outros três, terminando com o princípio relativo a não abusar de drogas e álcool.
A esse respeito, o Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria diz: “Existem Cinco Preceitos. No processo de aprendê-los, deve-se iniciar com o princípio de não matar e seguir daí até aprender a seguir o princípio sobre não consumir bebidas inebriantes. Quando um preceito é observado, diz-se que o primeiro passo foi dado.
Quando dois ou três são observados, diz-se que alguns passos foram dados. Quando quatro princípios já podem ser observados, diz-se que a maioria dos passos já foi dada. Quando todos os Cinco Princípios são seguidos, diz-se que os preceitos foram cumpridos. Nesse processo, devem-se considerar as inclinações pessoais para decidir a sequência em que se vão aprender os preceitos”.
Sendo a moralidade, a meditação e a sabedoria as três categoriasem que o Budadividiu seus ensinamentos, são também três as classes de transgressões contra os preceitos:
- transgressões do corpo;
- transgressões da fala;
- transgressões da mente.
Os preceitos de não matar, não roubar e não ter má conduta sexual dizem respeito às atividades do corpo, ao passo que o de não mentir se associa à fala. Todos os preceitos têm a ver com a mente, é claro, pois todas as ações e intenções nascem na mente.
Corpo, fala e mente não guardam correspondência exata com moralidade, meditação e sabedoria, apesar de estarem envolvidos com as mesmas áreas. Com a moralidade, aprendemos a controlar os atos do corpo. Com a meditação, aprendemos a controlar a linguagem e a elaboração de conceitos.
Com a sabedoria comum, aprendemos a utilizar a mente para ajudar o próximo e, simultaneamente, a nós mesmos. No Sutra do Grande Nirvana, o Buda diz: “Ananda, esses preceitos morais devem passar a ser seu maior mestre. Observando-os e fundamentando neles a sua prática, você conquistará o samádi profundo e a sabedoria que transcende a tudo neste mundo”.
De acordo com o Sutra Sandhi-nirmochana (Sutra Elucidativo da Profundidade do Irrevelado), levar uma vida moral, seguindo os Cinco Preceitos, confere-nos dez bênçãos. O sutra diz que, em última instância, a moralidade nos leva a conquistar o estado de onisciência; a ganhar a capacidade de aprender como um Buda aprende; a nunca prejudicar os sábios; a manter os nossos votos; a ter paz; a conquistar o não apego à vida e à morte; a desejar o nirvana; a ter uma mente imaculada; a chegar ao mais elevado samádi, ou concentração; a ter fé firme e resoluta.
O Buda sempre pedia que seus monges se mantivessem calmos e se mostrassem calmos. A moralidade pode ser concebida como um tipo de serenidade que é muito confortável para aquele que a pratica. Vivendo de acordo com os Cinco Preceitos, começamos a nos sintonizar não só com os ensinamentos do Buda, mas também com a pura mente do Buda interior. A tranquilidade fundada na inspiração que emana da mente búdica jamais pode ser abalada e sempre se mostrará correta.
Aquele que observa os Cinco Preceitos é sempre superior até mesmo que o mais rico e poderoso que os viola.
A fragrância das flores e da doce madeira ao longe não pode ser sentida, mas a doce fragrância da moralidade em todas as dez direções será sentida.
Aquele que observa os Cinco Preceitos está sempre alegre e satisfeito e sua boa reputação à distância será conhecida; seres celestiais amor e respeito por ele sentirão e sua vida neste mundo será com doce êxtase preenchida.
Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria








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