A doença de Wernicke está associada com deficiência nutricional, ocorrendo especialmente em alcoolistas.
A psicose de Korsakoff é uma desordem mental na qual a memória de retenção está seriamente comprometida em um paciente até então sadio. Esta desordem está também associada ao alcoolismo e à deficiência nutricional.
Observou esses sintomas em três pacientes, dois alcoolistas e uma paciente com vômitos persistentes após ingestão de ácido sulfúrico, que se apresentaram com estupor progressivo, evoluindo para a coma e morte.
Em 1852, Magnus Huss fez menção a um distúrbio de memória em alcoolistas, elucidado mais tarde, entre 1887 a 1891, pelo psiquiatra russo S. S. Korsakoff, que ressaltou a relação entre a polineuropatia e a desordem de memória, como sendo "duas faces de uma mesma doença".
Um estudo piloto de 31 mortes consecutivas, ralacionadas ao abuso de álcool, dentro de um período de 8 meses, revelou encefalopatia de Wernicke em 17 casos. A análise dos dados clínicos mostrou que o distúrbio do estado mental foi o achado mais comum e os sinais neurológicos estavam presentes em somente 2 dos 17 casos, mostrando que a encefalopatia de Wernicke pode facilmente ser subestimada como causa de deterioração no estado mental.
Os distúrbios de consciência e de estado mental ocorrem principalmente como um estado confusional global, no qual o paciente está apático, desatento e com mínima expressão verbal espontânea. Os distúrbios de consciência e estado mental ocorrem em 10% dos pacientes.
O estado amnésico característico da psicose de Korsakoff é marcado por uma lacuna permanente na memória do paciente. O principal aspecto da desordem amnésica é o defeito do aprendizado (amnésia anterógrada) e perda da memória passada (amnésia retrógrada). A memória imediata está intacta, mas a memória de curto prazo está comprometida.
O defeito de aprendizado é o aspecto que leva à incapacitação do paciente na sociedade, o qual fica apto para executar somente tarefas simples e habituais. A alteração deve-se à codificação defeituosa no momento do aprendizado original ao invés de um defeito exclusivo no mecanismo de recuperação.
Além do comprometimento de memória, envolvendo sobretudo a evocação de material verbal e não verbal, os pacientes com Korsakoff apresentam desempenho inferior aos alcoolistas não-Korsakoff nos testes que avaliam funções do lobo frontal, sugerindo hipofrontalidade25.
A confabulação é um achado característico da psicose de Korsakoff. Na fase inicial da patologia, o quadro confusional é severo e a confabulação é evidente e significativa. Na fase convalescente, o paciente lembra fragmentos de experiências passadas de forma distorcida. É controversa a afirmação de que a confabulação é um recurso utilizado pelo paciente para tentar diminuir o embaraço causado pelo déficit de memória.
Há vários modelos propostos para a compreensão dos déficits neuropsicológicos. Pela hipótese do hemisfério direito, os processos psicológicos sob a dominância deste hemisfério, como habilidades visual e espacial, percepção e motricidade, teriam suscetibilidade aumentada aos efeitos neurotóxicos do álcool. Na hipótese de disfunção do lobo frontal, o comprometimento da abstração e da capacidade para a resolução de tarefas seriam devidos aos efeitos do álcool no lobo frontal. No entanto, a hipótese neurobiológica corrente advoga uma disfunção cerebral generalizada para explicar o padrão inespecífico e altamente variável do comprometimento cognitivo.
Usando o Wiscosin Card Sorting Test (WCST) e testes de memória em pacientes com Korsakoff, pacientes amnésicos sem Korsakoff, pacientes com ressecção de lobo frontal e controles, foi verificado que o comprometimento de memória per se não poderia ser responsável pelas dificuldades na resolução de problemas dos pacientes com Korsakoff.
As avaliações da encefalopatia de Wernicke por tomografia computadorizada e ressonância magnética revelam lesões na porção medial do tálamo e mesencéfalo, dilatação do terceiro ventrículo e atrofia dos corpos mamilares. Medições por tomografia computadorizada revelam que o terceiro ventrículo e os ventrículos laterais são mais dilatados em pacientes com psicose de Korsakoff do que em alcoolistas isentos desta patologia. O alargamento da fissura inter-hemisférica entre os lobos frontais é particularmente marcado. Alterações macroscópicas nos corpos mamilares têm sido documentadas durante a vida por ressonância nuclear magnética.
O retraimento ("shrinkage") cerebral é detectável em uma alta proporção de pacientes alcoolistas, com dilatação ventricular e alargamento de fissuras e sulcos sobre os hemisférios. Foi observado que o uso corrente de álcool desempenha papel importante nesta patologia, uma vez que as tomografias computadorizadas dos membros dos Alcoólatras Anônimos (AA) mostraram maior semelhança com os exames de indivíduos-controles hígidos do que com usuários de álcool, embora algum grau de dilatação foi encontrada em certos casos.
A absorção de tiamina é prejudicada pela deficiência nutricional e pelo álcool, dificultando o tratamento de alcoolistas. A situação é frequentemente agravada pela doença hepática subjacente, que leva à redução dos estoques corporais e à diminuição do metabolismo de tiamina. A disfunção hepática pode também acentuar os efeitos tóxicos do álcool sobre o cérebro, possivelmente através de um desequilíbrio no metabolismo dos aminoácidos.
É notável que em torno de um terço dos pacientes parecem ser resistentes ao desenvolvimento da patologia, a despeito do consumo substancial de álcool, sugerindo uma vulnerabilidade altamente variável para a patologia.
Fluxo sanguíneo cerebral diminuído foi encontrado em pacientes alcoolistas crônicos, com melhora em todas as estruturas corticais e subcorticais de pacientes com psicose de Korsakoff após tratamento com tiamina e abstinência alcoólica.
Buscando avaliar o impacto do consumo "moderado" de álcool no cérebro, pesquisadores avaliaram medidas cerebrais como peso cerebral, espaço pericerebral e volume ventricular de bebedores moderados (30-80g de álcool/dia), alcoolistas (mais de 80g de álcool/dia), alcoolistas com cirrose, alcoolistas com encefalopatia de Wernicke e grupo-controle de abstêmios ou bebedores de até 20g álcool/dia.
Embora não tenham encontrado diferença estatisticamente significativa entre as medidas cerebrais de bebedores "moderados" e grupo-controle, há uma tendência sugerindo perda de tecido cerebral, com peso cerebral reduzido, aumento do volume ventricular e do espaço pericerebral, sendo maior a perda de substância branca.
O padrão de alteração dos conteúdos de água e de lipídio da substância branca cerebral de pacientes alcoolistas é semelhante ao padrão de alteração do envelhecimento e ao padrão de lesões desmielinizantes.
Ratos expostos ao álcool por cinco meses apresentaram uma redução significativa das ramificações dendríticas no hipocampo, que reverteu após dois meses de abstinência.
Estudos clínicos e neuroradiológicos indicam que déficits clínicos e retraimento cerebral ("brain shrinkage") são reversíveis em uma proporção de alcoolistas, preferencialmente jovens, seguindo um período prolongado de abstinência alcoólica. Deve haver duas alterações patológicas na substância branca como resultado do abuso de álcool: um componente irreversível devido à morte neuronal, similar ao padrão observado na degeneração walleriana e um componente reversível, caracterizado por alterações sutis, de difícil identificação por exames histológicos de material humano.
Em 131 casos de encefalopatia de Wernicke diagnosticados por autópsia, com maioria de alcoolistas, somente 26 pacientes foram diagnosticados durante a vida, levantando a possibilidade de que o dano cerebral tiamina-dependente possa existir em muitos alcoolistas antes de ser suspeitado. A hipótese de um dano cerebral cumulativo poderia explicar por que a memória é tão notoriamente afetada em muitos alcoolistas.
Dois tipos de lesão poderiam estar presentes muito antes de existir indícios clínicos para detectá-las: as lesões corticais, com possível perda neuronal, devido a neurotoxicidade provocada pelo álcool, e a patologia de regiões basais do cérebro, agravadas pela deficiência de tiamina.
A encefalopatia de Wernicke pode ser facilmente subestimada como causa de deterioração do estado mental em pacientes alcoolistas, uma vez que a atenção médica é frequentemente dirigida para outras patologias ligadas ao abuso de álcool.
A síndrome de Wernicke-Korsakoff complica o tratamento do alcoolismo. Alcoolistas em declínio cognitivo respondem pobremente à psicoterapia e aos esforços educacionais. Entretanto, estudos longitudinais com psicometria mostram melhora contínua do estado mental durante períodos de abstinência, mas a evidência de dano neuronal deve ser levado em conta quando se planeja o tratamento.
A taxa de mortalidade é alta, variando de 10 a 20%, principalmente devido a agravantes como infecção pulmonar, septicemia, doença hepática descompensada e a um estado irreversível de deficiência de tiamina.
Uma vez estabelecida, a síndrome de Korsakoff tem um prognóstico pobre, levando cerca de 80% dos pacientes a uma desordem crônica de memória. Evidências sugerem que os pacientes acometidos são aptos ao aprendizado de tarefas repetitivas simples envolvendo memória procedural.
A recuperação dos sintomas amnésicos é lenta e incompleta e o grau máximo de recuperação poderá demorar um ano para acontecer. Entretanto, uma recuperação significativa da função cognitiva pode ocorrer, dependendo de fatores como idade e abstinência contínua, mas esta não pode ser predita acuradamente durante os estágios agudos da doença. Interessantemente, uma vez recuperado, o paciente com Korsakoff raramente solicita bebida alcoólica, mas poderá beber se esta lhe for oferecida.
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