Os efeitos da propaganda sobre
o processo
de tomada
de decisões
A influência das emoções como moduladoras de uma série de estímulos
aferentes e eferentes é bem conhecida nos estudos sobre dor crônica (onde são
bem diferenciados os conceitos
de nocicepção, dor e sofrimento), fixação e
recuperação de memórias, expressão de marcadores somáticos e no processo de tomada de decisões conscientes.
Por outro lado, os estudos psicológicos norte-americanos,
nas décadas de 60 e 70, demonstraram que a influência do meio está
longe de ser secundária
na determinação do comportamento
individual. Nesse contexto,
o livre-arbítrio
em sua
concepção neoclássica (consciência livre e condições
de discernir e escolher o
bem ou o mal) perde espaço
para sua contrapartida positivista (fatores internos
ou externos, físicos, biológicos e
sociais influenciam
o psiquismo e o comportamento),
na mesma proporção em que cresce
nosso entendimento sobre a influência desses fatores, em escalas até aqui inimagináveis, sobre o processo
de tomada das decisões humanas e sua racionalidade.
A verdade que se descortina é que não somos tão livres para pensar e decidir quanto queremos acreditar, fato que encontra
seu viés bioético
no entendimento que as decisões são tomadas dentro de certos “graus de liberdade”, mais ou menos condicionados interna e externamente. Não à toa a bioética,
por seu caráter transdisciplinar, foi capaz de absorver esse conceito
muito antes da própria medicina ou da psicologia, pois quanto mais individual nossa perspectiva sobre a realidade, menor sua pretensa
objetividade.
O mundo da publicidade, que até os anos
50 reconhecia intuitivamente essa limitação, passou a
compreendê-la mais sistemática e cientificamente graças aos experimentos psicológicos sobre o comportamento
humano, realizados ao longo dessa década e a seguinte, sustentados
atualmente em estudos experimentais,
observacionais e etológicos. Em nosso meio, Volchan et al. demonstraram, em uma série de elegantes experimentos, como estímulos visuais com conteúdo emocional são capazes de modular o processamento
sensorial e as respostas motoras, a ponto de efetivamente modificarem o comportamento humano.
Esse conhecimento tem servido aos propósitos da propaganda do álcool, como de qualquer
outra, apesar da negativa
reiterada dos órgãos reguladores e dos aparelhos
formadores. Infelizmente,
a contestação da negativa esbarra justamente na ausência de modernos estudos qualitativos e quantitativos
sobre o conteúdo da propaganda
e seus efeitos diretos sobre o processo
de tomada de
decisão, demonstrando empiricamente a relação lógica aqui delineada. Tais estudos
cessaram na década de 1970 por falta de financiamento e, não raras vezes,
por seu caráter antiético, justamente por implicar na manipulação planejada e direcionada da mente humana no aspecto que lhe é mais caro: sua autonomia.
Do ponto de vista operativo, as estratégias de propaganda são bem
sucedidas não apenas por associarem de
forma
direta o consumo de seu produto
com uma série de imagens agradáveis, tornando a mensagem alegre, bonita, erótica ou engraçada,
mas porque essa correlação está voltada
à criação de memórias afetivas
positivas, ou “âncoras”, fundamentais
em qualquer
processo de tomada de decisões.
Sempre que uma decisão precisar ser
tomada, essa ancoragem
acabará por determinar o grau de liberdade dessa decisão, na
busca de um balanço
positivo em nossa economia psíquica. Ou seja, a
decisão tenderá a
se manter no espectro de uma âncora associada a memórias positivas, razão pela qual a propaganda de álcool trabalha com ícones de prazer e satisfação do imaginário popular (beleza,
saúde, força, sexo), que atuam mediados por neurotransmissores diretamente nos núcleos de prazer e reforço positivo (não por acaso, isso lembra
os mecanismos da adição).
Assim, o indivíduo exposto tenderá a associar o consumo do álcool com prazer sempre que se colocar em uma situação ou ambiente que recorde
as cenas
“vivenciadas” na propaganda (recall ambiental) ou sempre
que necessitar buscar essas vivências para reequilibrar-se psiquicamente. Em qualquer uma das duas situações, o consumo
do álcool surge como parte do quadro, seja por seus
efeitos psicológicos, seja por seus efeitos psicotrópicos. Não há liberdade de escolha.
Por essa razão, a fidelização de marca tende a estar associada a um aumento
no consumo per capita de álcool, pois demanda um maior grau de identificação do consumidor com o produto. O álcool
passa a fazer parte da própria autoimagem,
a constituir um estilo,
um jeito de ser, reforçando ainda mais positivamente a memória afetiva que ancora a escolha pelo produto.
Os efeitos da propaganda sobre o consumo de álcool
Os levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil deixam notório o
fato de que o consumo de bebidas alcoólicas - especialmente entre os jovens
- é preocupante. Os dados que apoiam essa afirmação vêm de vários estudos, incluindo pesquisas com jovens estudantes entre 1987 e 1994, levantamentos entre jovens
moradores de rua, dados sobre a admissão e internação em hospitais por dependência e três amplas pesquisas domiciliares ocorridas
recentemente.
A recém concluída pesquisa probabilística nacional aponta que dos 36% de meninos adolescentes
(14-17 anos) que bebem ao menos
uma vez por ano, quase metade consumiu
três ou mais doses em
situações habituais de consumo. O levantamento nacional também mostra que homens
e mulheres adultos bebem com frequências marcadamente diferentes.
Os homens apresentam índice
de abstinência 40% menor do que as mulheres (35% para eles e 59% para
elas). Há que se destacar
que abstinência nesse levantamento incluiu tanto os indivíduos
que relatam nunca terem bebido como aqueles que não
beberam no último ano,
mas já beberam na vida (cerca
de 7% da amostra).
Os dados brasileiros estão em consenso com a avaliação
da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as regiões
mundiais com maior impacto para problemas relacionados ao álcool. De fato, a estimativa de perdas devido
a problemas de saúde atribuíveis ao álcool para a região da América
do Sul é de 8 a 15% dos anos de vida perdidos
por adoecimento ou mortalidade precoce, as mais altas do planeta. Entre os
fatores passíveis de modificação que podem ter um impacto
no aumento do consumo de álcool
está a promoção das bebidas
alcoólicas.
O marketing de bebidas alcoólicas é, atualmente, uma indústria
que atua globalmente, tanto em países industrializados
quanto naqueles em
desenvolvimento. As marcas
são muitas
vezes vendidas mundialmente, mas os mercados são desenvolvidos por meio da sua associação
com diferentes esportes, estilos
de vida e identidades que variam de acordo com a cultura local. Assim, no Brasil, a cerveja é associada
com futebol e carnaval, enquanto
nos EUA, por exemplo, essa relação
acontece com beisebol
e o futebol americano (Super Bowl).
O discurso dos profissionais de propaganda e venda do álcool vai de encontro com a perspectiva da saúde pública que avalia que
a publicidade teria influência
sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Segundo os profissionais dos grupos de interesse,
o objetivo da publicidade não é aumentar o consumo, e sim promover a troca e a fidelidade à marca. Esse discurso apresenta certa variação em situações
específicas.
Por exemplo, no Carnaval
brasileiro, membros da indústria
cervejeira admitem em seu relatório anual o aumento do consumo dessa época do ano associado
com um esforço maior de publicidade. Em relação à questão
da lealdade às marcas, estudos já demonstraram que apresentar fidelidade a uma marca per se pode predizer consumo em maior quantidade de álcool.
Além disso, se a propaganda aumenta o consumo de determinada marca, porém não diminui
significativamente o consumo
da marca concorrente, a única possibilidade é que ocorra aumento no consumo global,
seja pelo aumento
per capita, seja pela adesão de novos consumidores.
Esse é um problema
adicional, já que uma campanha bem sucedida estimula
a concorrência a produzir
uma resposta, gerando um “círculo virtuoso” (do ponto de vista das vendas).
Embora recentemente o assunto
tenha voltado a ser visto como importante,
debates sobre o tema
remontam há várias décadas, especialmente nos EUA. Um livro dirigido
ao assunto
discute as várias “ondas” de interesse desde a década de 50. Uma grande diferença na evolução desse movimento seria um distanciamento de discursos mais moralistas, privilegiando argumentos baseados
em evidências científicas. Ao longo dos últimos
20 anos, a pesquisa
da influência da propaganda no consumo tomou principalmente as formas de
estudos econométricos, estudos de consumidores e descritivos.
No Brasil, apenas a
indústria de cervejas fatura
mais de R$ 20 bilhões por ano e gastou em publicidade, em 2006, mais de R$ 700 milhões (Folha de São Paulo, cotidiano, 22/05/2007). A propaganda, principalmente de cerveja, expandiu-se dos veículos mais tradicionais (televisão, mídia impressa) para o
patrocínio de eventos anunciados também pela Internet e através de mensagens de texto em celulares (“torpedos”), por exemplo.
A propaganda de bebidas alcoólicas é regulamentada no Brasil pelo CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária), que separa
o álcool em três categorias: destilados, cervejas e vinhos
e bebidas ice (misturas de destilado e suco de fruta ou refrigerante com teor alcoólico ligeiramente superior ao das cervejas).
Há dúvidas quanto à
eficácia da auto-regulamentação
no Brasil e no exterior
e, só recentemente, o governo brasileiro parece estar
acordando para a importância
da restrição
da publicidade. Por conta do recente
interesse no tema e
da relevância
do mesmo para o campo
de problemas relacionados às bebidas alcoólicas, o objetivo deste artigo é oferecer
uma atualização dos estudos internacionais sobre a publicidade do álcool.
Método
Utilizou-se para essa revisão os indexadores Medline,
SciELO e
PsychoINFO, além do Google Scholar, entre os anos de
1990
e 2008. Os termos consultados foram “alcohol advertising”, “alcohol policies”, “media and alcohol”. Além disso, utilizou-se uma técnica tipo “bola de neve” em que os
autores mais profícuos na publicação de
artigos sobre propaganda
de álcool foram contatados para solicitar
envio de todos seus trabalhos no assunto, além de sugerirem outros autores conhecidos que também investigam a questão.
Foram obtidos 128 artigos voltados especificamente
para o assunto aqui investigado. Após a exclusão de editoriais, trabalhos
experimentais e estudos que tratavam de temas tangenciais como contrapropaganda e campanhas de
responsabilidade social, restaram selecionados 85 artigos originais e 20 artigos de revisão, além de três livros considerados relevantes pelos autores. Um artigo de cunho econométrico, considerado pioneiro
na área e datado de 1980 também
foi incluído.
Resultados
1. Estudos descritivos
Uma série de estudos analisa
a frequência e conteúdo (apelos)
da publicidade sob vários aspectos.
Esses estudos iniciaram-se
há muitos anos e ainda são realizados, de maneira mais dirigida, até hoje. A hipótese por trás desses estudos é que uma maior exposição à publicidade
de bebidas alcoólicas com a utilização de apelos simpáticos aos adolescentes e adultos jovens associa-se com um aumento de consumo
entre estes.
Embora a conclusão acima só possa ser confirmada em estudos com metodologia mais sofisticada (como nos estudos de
consumidores e econométricos), a maioria dos estudos descritivos encontrados parte desse pressuposto e conclui que
menores de idade são alvo de
campanhas de publicidade de álcool. Assim, Austin e Hust fizeram
uma análise de conteúdo e frequência de propagandas
de bebidas alcoólicas e não alcoólicas em revistas e televisão.
Os autores verificaram que as propagandas
dos dois tipos de produtos
usavam apelos parecidos e, dessa maneira,
um em
cada seis nas revistas
e um em cada 14
na televisão pareciam
ter como alvo os adolescentes.
Em termos de frequência, os autores
concluíram que as bebidas alcoólicas eram veiculadas constantemente em
revistas e programas associados ao público juvenil.
Afirmações semelhantes a essa
são encontradas
em estudos do Center on Alcohol Marketing and Youth (CAMY –
http://camy.org). Por exemplo, Jerningan
et
al. relatam que
mesmo com as
restrições existentes nos EUA, quantidades significativas de publicidade de bebidas alcoólicas nos EUA são veiculadas em meios de comunicação
para mais jovens per capita do que adultos.
De maneira mais detalhada,
e sempre utilizando grandes bancos de dados das empresas de pesquisa de mercado, o mesmo grupo investiga diferenças de exposição
entre meninos e meninas.
Estudo realizado com dados sobre a exposição
a 103 revistas americanas
encontrou uma quantidade de propaganda massiva de destilados
quando comparados com outros tipos
de bebidas alcoólicas.
Também verificaram que meninas adolescentes de
12-20 anos eram mais expostas
à publicidade de cerveja e outras bebidas com baixo
teor alcoólico do que mulheres jovens do grupo de 21-34 anos.
A exposição de meninas
a essa publicidade aumentou
216% de
2001-2002, enquanto
a de meninos
teve um acréscimo de 46%. Outra pesquisa, examinando
diferenças na exposição dos jovens à propaganda televisiva entre 1998-2002 encontrou uma maior
exposição de meninos do que meninas.
Estudos descritivos de frequência
também examinam outros
parâmetros além de sexo e idade.
Várias
pesquisas, principalmente de origem americana, examinam a frequência de publicidade de álcool e tabaco em bairros mais habitados
por minorias como os latinos
e negros. Assim, Mitchell e Greenberg encontraram mais outdoors sobre bebidas
alcoólicas em bairros negros e latinos de New
Jersey. Na mesma linha,
Hackbarth et al. apontam que, na cidade de Chicago, bairros
habitados por minorias (o que nesse caso é sinônimo de pessoas economicamente desfavorecidas) possuíam três vezes mais outdoors
de cigarros e cinco vezes mais outdoors
de álcool.
Esse estudo foi confirmado
pelo mesmo grupo alguns anos
depois. Além disso, uma revisão de 1998 conclui que a publicidade de bebidas
alcoólicas de maneira geral (não apenas a de outdoors), além da densidade de locais de venda de álcool, “concentram-se
de maneira
desproporcional” em
comunidades habitadas por minorias. Finalmente, um estudo bastante
recente aponta que outdoors de publicidade
em geral encontram-se em bairros habitados predominantemente
por negros e que parte importante desses
outdoors anunciam álcool ou cigarros.
É
muito mais raro encontrar-se estudos dessa linha fora dos EUA. Uma pesquisa
japonesa examinou a frequência de propagandas de álcool anunciadas em
revistas semanais. Comparados com dados americanos, a presença de publicidade de bebidas alcoólicas nas revistas japonesas examinadas era mais rara.
Estudo australiano examinou a violação de regras de auto-regulamentação publicitária por anúncios de bebidas alcoólicas em 93 revistas
populares entre jovens.
Encontrou-se
que, dos
142 anúncios
originais (sem contar as
repetições e incluindo propagandas
e outros eventos promocionais), 52% pareciam violar ao
menos uma seção do código
de auto-regulamentação. Recente estudo espanhol
apontou que a propaganda
de álcool é frequente em jornais e revistas nacionais, expondo principalmente os mais jovens.
O único estudo brasileiro publicado
com dados sobre o assunto examinou a frequência e conteúdo da
propaganda de bebidas
alcoólicas na televisão
brasileira. As autoras encontraram uma maior frequência de propagandas de álcool
do que de cigarros (na época
sem restrições de veiculação), de bebidas não alcoólicas e medicamentos;
as vinhetas
eram mais frequentes que as
de quaisquer
outros produtos, incluindo
alimentos e varejo. Em relação aos temas,
os comerciais
televisivos apresentavam conteúdos relacionados a humor, relaxamento, símbolos nacionais
e outros.
Há tempos que as estratégias de propaganda e marketing de bebidas
alcoólicas vêm se sofisticando. Os efeitos
dessa promoção podem ser observados de vários pontos
de
vista. Um estudo analisou, por exemplo, a prevalência da menção às bebidas alcoólicas em 341 músicas de rap no decorrer de quase duas décadas. Ao
observar o grande aumento
nesse período às referências ao álcool, geralmente positivas,
inclusive com menções
a marcas específicas,
o autor conclui
que esse gênero musical “foi profundamente afetado por forças comerciais
e pelo marketing de
bebidas alcoólicas”.
Utilizando outro método, Zwarun investigou novas maneiras pelas quais a promoção
de bebidas alcoólicas têm sido feita em esportes
televisivos – especialmente após questionamentos legais ocorrerem. A autora
verificou que uma maior ênfase tem sido colocada no que ela
denominou de “propaganda não-tradicional” (sinais em estádios,
anúncios dos
locutores, propaganda de
bebidas alcoólicas
em comerciais de outros
produtos), mantendo a promoção desses produtos bastante evidente.
Finalmente, um último
tipo de estudo descritivo tem se ocupado de investigar a eficácia
da auto-regulamentação exercida
por entidades
ligadas à propaganda e/ou indústria das bebidas
alcoólicas sobre o conteúdo das
atividades promocionais. Esses estudos foram
realizados principalmente na Austrália. Babor et al. têm trabalhado recentemente na construção de uma metodologia
mais efetiva para realização dessa linha
de trabalho, utilizando tanto metodologia descritiva
como de consumidor.
2. Estudos de consumidores
Estudos de consumidores são aqueles que utilizam
o indivíduo como unidade de análise,
ou seja, tentam examinar e
prever respostas dos indivíduos, quase sempre jovens, às propagandas
de bebidas alcoólicas.
A partir do momento
que estudos
bem desenhados foram
encontrando evidências empíricas
da influência (mesmo modesta) da
propaganda sobre o consumo
de bebidas alcoólicas de jovens, a
área de estudos de consumidores foi adquirindo importância.
Em uma revisão recente
de estudos econométricos e de consumidor,
Hastings et al. afirmam que, principalmente esse segundo
tipo de estudo “apresenta evidências crescentemente convincentes de que
o marketing
de bebidas
alcoólicas tem tido um
efeito no comportamento
de beber
dos jovens”. Os autores
também consideram que os resultados do marketing devem ser vistos em combinação com outras estratégias de promoção tais como maior distribuição e menor preço de produtos.
Os estudos de consumidores são aqueles que utilizam o indivíduo como a unidade
da análise, ou seja, tentam
examinar e prever as respostas dos indivíduos, quase sempre jovens, às
propagandas de bebidas alcoólicas. A maioria dos estudos
de
consumidores é transversal, mas há uma mais recente leva de estudos longitudinais, com
maior
possibilidade de apontar
causalidade.
De maneira geral, os estudos
apontam que, além da exposição, o
conteúdo do marketing
de álcool “formata
a percepção
dos jovens sobre
as
bebidas alcoólicas e as normas de beber”. Por exemplo, em uma série de artigos, um grupo de pesquisadores da Nova Zelândia aponta que lembrar e gostar de propagandas de álcool aumentou a frequência
do consumo atual de álcool e a expectativa
de
beber no futuro.
Esses estudos, que utilizaram amostras com idades variadas (de crianças
a jovens adultos) e diferentes metodologias (transversal, longitudinal, pesquisa
por
telefone e domiciliares), apontaram que respostas
positivas (gostar)
à propaganda de bebidas
alcoólicas têm efeito
direto e indireto
(via expectativas positivas) no consumo de álcool e até em auto relatos
de comportamento
agressivo relacionado ao álcool. Esses achados,
no
entanto, variam de acordo com o tipo de bebida alcoólica, idades avaliadas e até o sexo
dos
indivíduos, sugerindo
a complexidade coberta nas relações
analisadas.
A variedade de aspectos envolvidos pode
ser apreciada,
por exemplo, em estudo recente de
Austin et al. Os autores, experientes pesquisadores na área de propaganda
de álcool, montam
um modelo
utilizando-se de análise de equação estrutural, relacionando variáveis como identificação, atração/desejo e ceticismo em relação a propagandas
de bebidas alcoólicas e à maneira com que essas características podem prever o consumo de álcool por menores de idade.
O modelo final relaciona (positiva ou negativamente) essas características com gostar de produtos de marketing e marcas
de bebidas alcoólicas que, por sua
vez, prediz consumo de álcool.
Os autores afirmam em sua conclusão que o efeito da propaganda
sobre o consumo de álcool inclui um
processo progressivo de tomada de decisões e que o foco exclusivo na exposição minimiza
o impacto das relações.
Em outro estudo,
um tanto menos elaborado sobre o assunto, Chen et al. avaliaram
características de propagandas
de álcool
que eram percebidas como atrativas
por adolescentes de 10 a 17 anos. Eles perceberam que gostar de elementos específicos da propaganda
(história, humor, personagens) relacionava-se com gostar da propaganda de maneira geral e aumentava o desejo e a intenção de comprar o produto. Anúncios
mais formais que se direcionavam à qualidade da bebida foram avaliados como menos atraentes pelos adolescentes.
Jovens com diferentes características
podem ser afetados de maneiras diversas pelos anúncios de álcool. Em estudo exploratório
sobre fatores pessoais
de vulnerabilidade, Proctor et al. analisaram
as percepções de estudantes
universitários sobre duas propagandas de álcool. Pedia-se
aos estudantes que avaliassem características dos atores das propagandas, como a quantidade que eles beberiam normalmente ou em situações festivas, sua idade e quão atraentes eles eram.
Os resultados apontaram que características pessoais dos sujeitos,
desde sexo e idade, mas principalmente
no tocante
ao consumo próprio
pesado de álcool influenciavam a percepção das propagandas. Nas palavras dos autores:
“os achados sugerem
que os anúncios apresentando situações
de beber
com atores jovens podem estar modelando o beber pesado episódico para o grupo de estudantes
universitários mais sob risco de ter problemas
futuros com o álcool”.
De qualquer maneira, a ênfase em exposição é clara em vários
estudos sobre o assunto. O que varia nos estudos mais recentes é a análise
de novos tipos de marketing
de álcool e maneiras originais de analisar a exposição. Hurtz
et al.,
por exemplo, avaliam com regressão logística em estudo transversal de estudantes de 6ª à 8ª séries a exposição a itens de marketing como objetos promocionais
e propagandas em locais de venda.
Os resultados apontaram que estudantes mais expostos ao marketing tinham
uma maior chance de
já terem bebido na vida e/ou
de beber atualmente. Na mesma linha, McClure
et al. verificaram que adolescentes que possuíam produtos de merchandising
(ex: camisetas, bonés) de marcas
de bebidas alcoólicas tinham maior probabilidade de iniciar consumo
de álcool mais precocemente do que os que não possuíam
tais itens– após o controle para uma série de outras variáveis (demográficas,
características de personalidade, estilo parental etc.).
Pasch et al. avaliaram em estudo
longitudinal a exposição
de adolescentes a um outro tipo de marketing de bebidas alcoólicas, o de outdoors- especificamente
perto de escolas. As análises
encontraram associação entre a exposição
aos outdoors na 6ª série e a intenção de
consumir álcool na 8ª
série, mesmo entre aqueles estudantes que não bebiam na 6ª série.
Uma série de pesquisas
longitudinais financiadas pelo National
Institute of Alcoholism and Alcohol Abuse
(NIAAA) trouxe importantes dados para a discussão da relação entre exposição à propaganda e consumo de álcool. Essas linhas
de pesquisa são resumidas em um artigo de revisão, além de várias publicações
de cada grupo. Todos esses artigos encontraram que quanto maior a exposição
à propaganda, maior é o
consumo dos adolescentes. Mas cada um
trouxe uma contribuição específica.
Assim, Stacy et al. inovaram ao introduzir uma série de maneiras
para medir a exposição às propagandas
de televisão, além
do
tradicional auto relato.
Os
autores criaram, por
exemplo, um índice de exposição perguntando
aos adolescentes o quanto eles assistiam
semanalmente de uma série de programas
televisivos, tanto de sitcoms
quanto de programas esportivos.
O índice foi criado ao multiplicar essas horas com a quantidade de propaganda de álcool
veiculada em cada um desses programas (informação comprada junto a empresas de pesquisa de mercado). Além disso, os autores utilizaram dois outros métodos para avaliar a atenção
e a lembrança
em relação às propagandas
(cued
recall memory test e draw-an-
event memory test), criando
assim um índice possivelmente mais confiável de exposição à propaganda.
Já o grupo das pesquisadoras Collins e Ellickson avaliou uma série de possíveis fontes de propaganda (televisão, rádio,
outdoors, revistas, ponto-de-venda,
itens promocionais) e sua relação com o consumo de álcool em adolescentes mais jovens (6ª e 7ª séries) e mais velhos (7ª a 9ª séries). Nos dois casos, maior exposição relacionava-se com maior probabilidade de
intenções de beber e consumo de
álcool.
No caso dos adolescentes
mais jovens, no entanto,
essa relação parece ser mais clara, mesmo após o ajuste a possíveis covariáveis.
Já o início do consumo
de
álcool pelos adolescentes
mais
velhos relacionava-se apenas
com
exposição em
pontos-de-venda (para aqueles que eram não bebedores
na 7ª série). Em relação aos que já bebiam na 7ª série, a frequência
do consumo de álcool na 9ª série estava relacionada com exposição a propagandas em revistas e locais de venda de bebidas alcoólicas
em shows.
Um destaque especial deve ser
dado,
no
entanto, ao artigo de Snyder et al. A pesquisa,
que foi ferozmente criticada
pela indústria de bebidas
alcoólicas, traz, por seu
desenho inovador, conclusões
centrais sobre os efeitos da propaganda.
Entre
os pontos fortes desse
estudo estão sua amostragem (nacional
e longitudinal, embora com nível de aderência
criticável) e o fato de ser um estudo tanto de consumidor (explora o auto relato
de exposição dos jovens envolvidos), quanto
econométrico (utiliza dados de empresas de pesquisa de mercado sobre os gastos em propaganda de cada um dos 24 mercados setoriais envolvidos no estudo).
Os autores concluem que
a exposição mensurada tanto por auto relato
como por quantidade de dinheiro gasto com propaganda em cada mercado contribui
para um maior consumo de
bebidas alcoólicas por adolescentes
e jovens. Por causa de seu delineamento, esse estudo, ainda mais quando em combinação com os outros de metodologia
longitudinal, aponta uma relação causal entre exposição
à propaganda de álcool e seu consumo.
3. Estudos econométricos
Estudos econométricos analisam a quantidade de propaganda de álcool (usada como indicador indireto de exposição) e sua relação com
o nível total de consumo de bebidas alcoólicas (usado como indicador indireto dos
prejuízos relacionados ao álcool).
Tanto a quantidade de propaganda quanto o nível de consumo de álcool podem ser medidos de diversas maneiras. Um dos métodos mais comuns para mensurar propaganda tem sido a análise de
gastos periódicos com custos agregados, ou seja, quanto se gastou em publicidade de álcool em determinado
país ou ampla região em determinado período. Da mesma
forma, a imposição de banimento
ou restrição à propaganda em países ou regiões também foi utilizada em algumas
pesquisas como medida da quantidade
de propaganda existente. Finalmente, e de maneira
menos frequente,
medidas transversais mais localizadas podem ser utilizadas.
Em relação às medidas
de consumo
de álcool, os
estudos utilizam desde dados gerais sobre o consumo de álcool em um determinado país até gastos com problemas relacionados ao
álcool, como acidentes automobilísticos e frequência de problemas clínicos
consequentes ao uso crônico
de álcool (como cirrose, por exemplo). Historicamente, os
estudos econométricos da propaganda do álcool
trazem resultados conflitantes e não é incomum autores
entrarem em inflamados
debates acadêmicos sobre
as
conclusões divergentes de seus artigos.
Saffer, um dos autores que mais publica
artigos econométricos sobre propaganda de álcool e de cigarro, avalia
em revisão recente que uma das razões
pelas
quais estudos econométricos têm apresentado resultados conflitantes deve-se justamente aos métodos utilizados
para medir a quantidade de propaganda. Por exemplo, a relação
de propaganda e consumo não é linear porque, a partir
de certa quantidade de promoção (nível de saturação), o consumo de álcool passa a
não ter mais relação (ser não-responsivo) com a frequência da propaganda. Outro
aspecto é que a proibição de propaganda em
alguns meios de comunicação pode ter como resultado o
aumento de intensidade em outros meios, o que pode afetar
o consumo de maneiras não estimadas.
Outras falhas apontadas para
os estudos
econométricos na revisão realizada por Hastings et al. incluem
o fato de que estes tendem
a agregar todos os públicos-alvo de propaganda, o que não
permite a análise separada de suas
variações. Além disso, essa maneira de contabilizar a propaganda minimiza os efeitos
das variações na disponibilidade das propagandas ao longo do ano e seus efeitos de curto prazo, bem como mercados com maior número de adultos daqueles
com maior número de indivíduos
mais jovens. Dessa maneira, esses
estudos muitas vezes não dizem nada especificamente a respeito
do consumo dos adolescentes
e de
outros subgrupos de consumidores.
A partir da década de 90, alguns artigos, utilizando-se de amplos bancos de dados e metodologias mais sofisticadas, começaram a apresentar dados mais consistentes. Saffer e
Dave utilizaram bancos de dados de
duas grandes pesquisas americanas, o Monitoring the Future e o National
Longitudinal Survey of Youth de
1997, assim como dados de pesquisa de mercado para avaliar o efeito da propaganda
de álcool no consumo de adolescentes
e jovens.
Os tipos de bancos de dados utilizados permitiam
o controle por idade, etnia e outros dados socio demográficos relevantes. Eles verificaram que uma redução
da quantidade de propaganda implicaria em uma modesta redução do consumo de álcool entre os adolescentes. Esses resultados variam por etnia e sexo, o que
corrobora os estudos descritivos e de consumidor
descritos acima.
Em outro vasto estudo utilizando banco de dados
com
mais de quatro
milhões de americanos, pesquisadores avaliaram quais medidas
de
controle do consumo do álcool seriam, caso amplamente
implementadas, mais eficientes
para a prevenção de mortes relacionadas
ao consumo
abusivo de bebidas alcoólicas. Os autores incluíram entre essas medidas impostos maiores
para as
bebidas alcoólicas, programas educacionais e familiares, contrapropaganda, restrição
da propaganda de bebidas alcoólicas e intervenções para prevenir o
ato
de dirigir intoxicado.
Foram excluídas duas medidas
muito eficientes (idade
mínima para beber de 21 anos
e tolerância
zero
para consumo de
menores de idade), porque essas
medidas já tinham
sido
implementadas em todos os estados americanos. Os resultados mostram que a restrição
completa da propaganda de álcool e o aumento do imposto de produtos alcoólicos seriam as duas intervenções
mais eficientes para
reduzir o consumo entre os jovens e, dessa maneira,
resultar em uma redução no número de mortes entre adultos.
Conclusão
Seja pela intensidade e frequência com que bombardeia o potencial
ou
atual consumidor, tornando-se quase
onipresente, seja pelos
efeitos neurocomportamentais consequentes
à sua interferência
nos circuitos emocionais, o certo é que a publicidade
de bebidas alcoólicas é um dos importantes fatores influenciadores
dos hábitos de consumo de álcool da população, em particular entre os mais jovens.
Seu papel estratégico não pode e não deve ser menosprezado.
Características como quão atraentes as propagandas são para esse segmento e sua exposição a elas relacionam-se com uma maior expectativa de consumo futuro e com um consumo
maior e mais precoce
por adolescentes. Essa opinião se sustenta em estudos recentes e na reserva de conhecimento disponível sobre o tema, tanto do ponto de vista econométrico e de efeitos
individuais quanto neuroeconômico.
No Brasil, a publicidade
de álcool, principalmente
cerveja, é bastante
apreciada por sua qualidade
e criatividade, e os adolescentes e adultos jovens parecem
estar especialmente expostos a ela, que os tem como alvo preferencial.
O conhecimento atual sobre o tema
indica que a redução da exposição à publicidade tem impacto positivo
e proporcional, ainda que não de forma linear, sobre o consumo
de álcool, principalmente entre os mais jovens, justamente a população
mais vulnerável. Além disso, outras
medidas regulatórias da oferta do produto, seja por meio
da sobretaxação, seja
por meio da restrição na instalação e funcionamento dos pontos-de-venda têm se demonstrado eficazes na redução do consumo
de álcool e, consequentemente, dos danos associados a
esse consumo.








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