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4/22/2015

O impacto da publicidade de bebidas alcoólicas sobre o consumo entre jovens

Os efeitos da propaganda sobre o processo de tomada de decisões
A influência das emoções como moduladoras de uma série de estímulos aferentes e eferentes é bem conhecida nos estudos sobre dor crônica (onde são bem diferenciados os conceitos de nocicepção, dor e sofrimento), fixação e recuperação de memórias, expressão de marcadores somáticos e no processo de tomada de decisões conscientes.
Por outro lado, os estudos psicológicos norte-americanos, nas décadas de 60 e 70, demonstraram que a influência do meio está longe de ser secundária na determinação do comportamento individual. Nesse contexto, o livre-arbítrio em sua concepção neoclássica (consciência livre e condições de discernir e escolher o bem ou o mal) perde espaço para sua contrapartida positivista (fatores internos ou externos, físicos, biológicos e sociais influenciam o psiquismo e o comportamento), na mesma proporção em que cresce nosso entendimento sobre a influência desses fatores, em escalas até aqui inimagináveis, sobre o processo de tomada das decisões humanas e sua racionalidade.
A verdade que se descortina é que não somos tão livres para pensar e decidir quanto queremos acreditar, fato que encontra seu viés bioético no entendimento que as decisões o tomadas dentro de certos “graus de liberdade”, mais ou menos condicionados interna e externamente. o à toa a bioética, por seu caráter transdisciplinar, foi capaz de absorver esse conceito muito antes da própria medicina ou da psicologia, pois quanto mais individual nossa perspectiva sobre a realidade, menor sua pretensa objetividade.
O mundo da publicidade, que até os anos 50 reconhecia intuitivamente essa limitação, passou a compreendê-la mais sistemática e cientificamente graças aos experimentos psicológicos sobre o comportamento humano, realizados ao longo dessa década e a seguinte, sustentados atualmente em estudos experimentais, observacionais e etológicos. Em nosso meio, Volchan et al. demonstraram, em uma série de elegantes experimentos, como estímulos visuais com conteúdo emocional o capazes de modular o processamento sensorial e as respostas motoras, a ponto de efetivamente modificarem o comportamento humano.
Esse conhecimento tem servido aos propósitos da propaganda do álcool, como de qualquer outra, apesar da negativa reiterada dos órgãos reguladores e dos aparelhos formadores. Infelizmente, a contestação da negativa esbarra justamente na ausência de modernos estudos qualitativos e quantitativos sobre o conteúdo da propaganda e seus efeitos diretos sobre o processo de tomada de decisão, demonstrando empiricamente a relação lógica aqui delineada. Tais estudos cessaram na década de 1970 por falta de financiamento e, não raras vezes, por seu caráter antiético, justamente por implicar na manipulação planejada e direcionada da mente humana no aspecto que lhe é mais caro: sua autonomia.
Do ponto de vista operativo, as estratégias de propaganda são bem sucedidas o apenas por associarem de forma direta o consumo de seu produto com uma série de imagens agradáveis, tornando a mensagem alegre, bonita, erótica ou engraçada, mas porque essa correlação está voltada à criação de memórias afetivas positivas, ou “âncoras”, fundamentais em qualquer processo de tomada de decisões.
Sempre que uma decisão precisar ser tomada, essa ancoragem acabará por determinar o grau de liberdade dessa decisão, na busca de um balanço positivo em nossa economia psíquica. Ou seja, a decisão tenderá a se manter no espectro de uma âncora associada a memórias positivas, razão pela qual a propaganda de álcool trabalha com ícones de prazer e satisfação do imaginário popular (beleza, saúde, força, sexo), que atuam mediados por neurotransmissores diretamente nos núcleos de prazer e reforço positivo (não por acaso, isso lembra os mecanismos da adição).
Assim, o indivíduo exposto tenderá a associar o consumo do álcool com prazer sempre que se colocar em uma situação ou ambiente que recorde as cenas “vivenciadas na propaganda (recall ambiental) ou sempre que necessitar buscar essas vivências para reequilibrar-se psiquicamente. Em qualquer uma das duas situações, o consumo do álcool surge como parte do quadro, seja por seus efeitos psicológicos, seja por seus efeitos psicotrópicos. Não liberdade de escolha.
Por essa razão, a fidelização de marca tende a estar associada a um aumento no consumo per capita de álcool, pois demanda um maior grau de identificação do consumidor com o produto. O álcool passa a fazer parte da própria autoimagem, a constituir um estilo, um jeito de ser, reforçando ainda mais positivamente a memória afetiva que ancora a escolha pelo produto.
Os efeitos da propaganda sobre o consumo de álcool
Os levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil deixam notório o fato de que o consumo de bebidas alcoólicas - especialmente entre os jovens - é preocupante. Os dados que apoiam essa afirmação vêm de vários estudos, incluindo pesquisas com jovens estudantes entre 1987 e 1994, levantamentos entre jovens moradores de rua, dados sobre a admissão e internação em hospitais por dependência e três amplas pesquisas domiciliares ocorridas recentemente.
A recém concluída pesquisa probabilística nacional aponta que dos 36% de meninos adolescentes (14-17 anos) que bebem ao menos uma vez por ano, quase metade consumiu três ou mais doses em situações habituais de consumo. O levantamento nacional também mostra que homens e mulheres adultos bebem com frequências marcadamente diferentes.
Os homens apresentam índice de abstinência 40% menor do que as mulheres (35% para eles e 59% para elas). que se destacar que abstinência nesse levantamento incluiu tanto os indivíduos que relatam nunca terem bebido como aqueles que não beberam no último ano, mas já beberam na vida (cerca de 7% da amostra).
Os dados brasileiros estão em consenso com a avaliação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as regiões mundiais com maior impacto para problemas relacionados ao álcool. De fato, a estimativa de perdas devido a problemas de saúde atribuíveis ao álcool para a região da América do Sul é de 8 a 15% dos anos de vida perdidos por adoecimento ou mortalidade precoce, as mais altas do planeta. Entre os fatores passíveis de modificação que podem ter um impacto no aumento do consumo de álcool está a promoção das bebidas alcoólicas.
O marketing de bebidas alcoólicas é, atualmente, uma indústria que atua globalmente, tanto em países industrializados quanto naqueles em desenvolvimento. As marcas o muitas vezes vendidas mundialmente, mas os mercados são desenvolvidos por meio da sua associação com diferentes esportes, estilos de vida e identidades que variam de acordo com a cultura local. Assim, no Brasil, a cerveja é associada com futebol e carnaval, enquanto nos EUA, por exemplo, essa relação acontece com beisebol e o futebol americano (Super Bowl).
O discurso dos profissionais de propaganda e venda do álcool vai de encontro com a perspectiva da saúde pública que avalia que a publicidade teria influência sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Segundo os profissionais dos grupos de interesse, o objetivo da publicidade não é aumentar o consumo, e sim promover a troca e a fidelidade à marca. Esse discurso apresenta certa variação em situações específicas.
Por exemplo, no Carnaval brasileiro, membros da indústria cervejeira admitem em seu relatório anual o aumento do consumo dessa época do ano associado com um esforço maior de publicidade. Em relação à questão da lealdade às marcas, estudos já demonstraram que apresentar fidelidade a uma marca per se pode predizer consumo em maior quantidade de álcool.
Além disso, se a propaganda aumenta o consumo de determinada marca, porém não diminui significativamente o consumo da marca concorrente, a única possibilidade é que ocorra aumento no consumo global, seja pelo aumento per capita, seja pela adesão de novos consumidores. Esse é um problema adicional, já que uma campanha bem sucedida estimula a concorrência a produzir uma resposta, gerando um “círculo virtuoso” (do ponto de vista das vendas).
Embora recentemente o assunto tenha voltado a ser visto como importante, debates sobre o tema remontam há várias décadas, especialmente nos EUA. Um livro dirigido ao assunto discute as várias “ondas de interesse desde a década de 50. Uma grande diferença na evolução desse movimento seria um distanciamento de discursos mais moralistas, privilegiando argumentos baseados em evidências científicas. Ao longo dos últimos 20 anos, a pesquisa da influência da propaganda no consumo tomou principalmente as formas de estudos econométricos, estudos de consumidores e descritivos.
No Brasil, apenas a indústria de cervejas fatura mais de R$ 20 bilhões por ano e gastou em publicidade, em 2006, mais de R$ 700 milhões (Folha de São Paulo, cotidiano, 22/05/2007). A propaganda, principalmente de cerveja, expandiu-se dos veículos mais tradicionais (televisão, mídia impressa) para o patrocínio de eventos anunciados também pela Internet e através de mensagens de texto em celulares (“torpedos”), por exemplo.
A propaganda de bebidas alcoólicas é regulamentada no Brasil pelo CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária), que separa o álcool em três categorias: destilados, cervejas e vinhos e bebidas ice (misturas de destilado e suco de fruta ou refrigerante com teor alcoólico ligeiramente superior ao das cervejas).
dúvidas quanto à eficácia da auto-regulamentação no Brasil e no exterior e, recentemente, o governo brasileiro parece estar acordando para a importância da restrição da publicidade. Por conta do recente interesse no tema e da relevância do mesmo para o campo de problemas relacionados às bebidas alcoólicas, o objetivo deste artigo é oferecer uma atualização dos estudos internacionais sobre a publicidade do álcool.
Método
Utilizou-se para essa revisão os indexadores Medline, SciELO e PsychoINFO, além do Google Scholar, entre os anos de 1990 e 2008. Os termos consultados foram alcohol advertising”, alcohol policies”, media and alcohol”. Além disso, utilizou-se uma técnica tipo “bola de neve em que os autores mais profícuos na publicação de artigos sobre propaganda de álcool foram contatados para solicitar envio de todos seus trabalhos no assunto, além de sugerirem outros autores conhecidos que também investigam a questão.
Foram obtidos 128 artigos voltados especificamente para o assunto aqui investigado. Após a exclusão de editoriais, trabalhos experimentais e estudos que tratavam de temas tangenciais como contrapropaganda e campanhas de responsabilidade social, restaram selecionados 85 artigos originais e 20 artigos de revisão, além de três livros considerados relevantes pelos autores. Um artigo de cunho econométrico, considerado pioneiro na área e datado de 1980 também foi incluído.
Resultados
1. Estudos descritivos
Uma série de estudos analisa a frequência e conteúdo (apelos) da publicidade sob vários aspectos. Esses estudos iniciaram-se há muitos anos e ainda o realizados, de maneira mais dirigida, até hoje. A hipótese por trás desses estudos é que uma maior exposição à publicidade de bebidas alcoólicas com a utilização de apelos simpáticos aos adolescentes e adultos jovens associa-se com um aumento de consumo entre estes.
Embora a conclusão acima possa ser confirmada em estudos com metodologia mais sofisticada (como nos estudos de consumidores e econométricos), a maioria dos estudos descritivos encontrados parte desse pressuposto e conclui que menores de idade são alvo de campanhas de publicidade de álcool. Assim, Austin e Hust fizeram uma análise de conteúdo e frequência de propagandas de bebidas alcoólicas e não alcoólicas em revistas e televisão.
Os autores verificaram que as propagandas dos dois tipos de produtos usavam apelos parecidos e, dessa maneira, um em cada seis nas revistas e um em cada 14 na televisão pareciam ter como alvo os adolescentes. Em termos de frequência, os autores concluíram que as bebidas alcoólicas eram veiculadas constantemente em revistas e programas associados ao público juvenil.
Afirmações semelhantes a essa o encontradas em estudos do Center on Alcohol Marketing and Youth (CAMY http://camy.org). Por exemplo, Jerningan et al. relatam que mesmo com as restrições existentes nos EUA, quantidades significativas de publicidade de bebidas alcoólicas nos EUA o veiculadas em meios de comunicação para mais jovens per capita do que adultos.
De maneira mais detalhada, e sempre utilizando grandes bancos de dados das empresas de pesquisa de mercado, o mesmo grupo investiga diferenças de exposição entre meninos e meninas. Estudo realizado com dados sobre a exposição a 103 revistas americanas encontrou uma quantidade de propaganda massiva de destilados quando comparados com outros tipos de bebidas alcoólicas.
Também verificaram que meninas adolescentes de 12-20 anos eram mais expostas à publicidade de cerveja e outras bebidas com baixo teor alcoólico do que mulheres jovens do grupo de 21-34 anos. A exposição de meninas a essa publicidade aumentou 216% de 2001-2002, enquanto a de meninos teve um acréscimo de 46%. Outra pesquisa, examinando diferenças na exposição dos jovens à propaganda televisiva entre 1998-2002 encontrou uma maior exposição de meninos do que meninas.
Estudos descritivos de frequência também examinam outros parâmetros além de sexo e idade. Várias pesquisas, principalmente de origem americana, examinam a frequência de publicidade de álcool e tabaco em bairros mais habitados por minorias como os latinos e negros. Assim, Mitchell e Greenberg encontraram mais outdoors sobre bebidas alcoólicas em bairros negros e latinos de New Jersey. Na mesma linha, Hackbarth et al. apontam que, na cidade de Chicago, bairros habitados por minorias (o que nesse caso é sinônimo de pessoas economicamente desfavorecidas) possuíam três vezes mais outdoors de cigarros e cinco vezes mais outdoors de álcool.
Esse estudo foi confirmado pelo mesmo grupo alguns anos depois. Além disso, uma revisão de 1998 conclui que a publicidade de bebidas alcoólicas de maneira geral (não apenas a de outdoors), além da densidade de locais de venda de álcool, “concentram-se de maneira desproporcional em comunidades habitadas por minorias. Finalmente, um estudo bastante recente aponta que outdoors de publicidade em geral encontram-se em bairros habitados predominantemente por negros e que parte importante desses outdoors anunciam álcool ou cigarros. 
É muito mais raro encontrar-se estudos dessa linha fora dos EUA. Uma pesquisa japonesa examinou a frequência de propagandas de álcool anunciadas em revistas semanais. Comparados com dados americanos, a presença de publicidade de bebidas alcoólicas nas revistas japonesas examinadas era mais rara. Estudo australiano examinou a violação de regras de auto-regulamentação publicitária por anúncios de bebidas alcoólicas em 93 revistas populares entre jovens. 
Encontrou-se que, dos 142 anúncios originais (sem contar as repetições e incluindo propagandas e outros eventos promocionais), 52% pareciam violar ao menos uma seção do código de auto-regulamentação. Recente estudo espanhol apontou que a propaganda de álcool é frequente em jornais e revistas nacionais, expondo principalmente os mais jovens.
O único estudo brasileiro publicado com dados sobre o assunto examinou a frequência e conteúdo da propaganda de bebidas alcoólicas na televisão brasileira. As autoras encontraram uma maior frequência de propagandas de álcool do que de cigarros (na época sem restrições de veiculação), de bebidas não alcoólicas e medicamentos; as vinhetas eram mais frequentes que as de quaisquer outros produtos, incluindo alimentos e varejo. Em relação aos temas, os comerciais televisivos apresentavam conteúdos relacionados a humor, relaxamento, símbolos nacionais e outros.
tempos que as estratégias de propaganda e marketing de bebidas alcoólicas vêm se sofisticando. Os efeitos dessa promoção podem ser observados de vários pontos de vista. Um estudo analisou, por exemplo, a prevalência da menção às bebidas alcoólicas em 341 músicas de rap no decorrer de quase duas décadas. Ao observar o grande aumento nesse período às referências ao álcool, geralmente positivas, inclusive com menções a marcas específicas, o autor conclui que esse gênero musical “foi profundamente afetado por forças comerciais e pelo marketing de bebidas alcoólicas”.
Utilizando outro método, Zwarun investigou novas maneiras pelas quais a promoção de bebidas alcoólicas têm sido feita em esportes televisivos especialmente após questionamentos legais ocorrerem. A autora verificou que uma maior ênfase tem sido colocada no que ela denominou de “propaganda não-tradicional” (sinais em estádios, anúncios dos locutores, propaganda de bebidas alcoólicas em comerciais de outros produtos), mantendo a promoção desses produtos bastante evidente.
Finalmente, um último tipo de estudo descritivo tem se ocupado de investigar a eficácia da auto-regulamentação exercida por entidades ligadas à propaganda e/ou indústria das bebidas alcoólicas sobre o conteúdo das atividades promocionais. Esses estudos foram realizados principalmente na Austrália. Babor et al. têm trabalhado recentemente na construção de uma metodologia mais efetiva para realização dessa linha de trabalho, utilizando tanto metodologia descritiva como de consumidor.
2. Estudos de consumidores
Estudos de consumidores são aqueles que utilizam o indivíduo como unidade de análise, ou seja, tentam examinar e prever respostas dos indivíduos, quase sempre jovens, às propagandas de bebidas alcoólicas. A partir do momento que estudos bem desenhados foram encontrando evidências empíricas da influência (mesmo modesta) da propaganda sobre o consumo de bebidas alcoólicas de jovens, a área de estudos de consumidores foi adquirindo importância.
Em uma revisão recente de estudos econométricos e de consumidor, Hastings et al. afirmam que, principalmente esse segundo tipo de estudo “apresenta evidências crescentemente convincentes de que o marketing de bebidas alcoólicas tem tido um efeito no comportamento de beber dos jovens”. Os autores também consideram que os resultados do marketing devem ser vistos em combinação com outras estratégias de promoção tais como maior distribuição e menor preço de produtos.
Os estudos de consumidores o aqueles que utilizam o indivíduo como a unidade da análise, ou seja, tentam examinar e prever as respostas dos indivíduos, quase sempre jovens, às propagandas de bebidas alcoólicas. A maioria dos estudos de consumidores é transversal, mas há uma mais recente leva de estudos longitudinais, com maior possibilidade de apontar causalidade.
De maneira geral, os estudos apontam que, além da exposição, o conteúdo do marketing de álcool “formata a percepção dos jovens sobre as bebidas alcoólicas e as normas de beber. Por exemplo, em uma série de artigos, um grupo de pesquisadores da Nova Zelândia aponta que lembrar e gostar de propagandas de álcool aumentou a frequência do consumo atual de álcool e a expectativa de beber no futuro.
Esses estudos, que utilizaram amostras com idades variadas (de crianças a jovens adultos) e diferentes metodologias (transversal, longitudinal, pesquisa por telefone e domiciliares), apontaram que respostas positivas (gostar) à propaganda de bebidas alcoólicas têm efeito direto e indireto (via expectativas positivas) no consumo de álcool e até em auto relatos de comportamento agressivo relacionado ao álcool. Esses achados, no entanto, variam de acordo com o tipo de bebida alcoólica, idades avaliadas e até o sexo dos indivíduos, sugerindo a complexidade coberta nas relações analisadas.
A variedade de aspectos envolvidos pode ser apreciada, por exemplo, em estudo recente de Austin et al. Os autores, experientes pesquisadores na área de propaganda de álcool, montam um modelo utilizando-se de análise de equação estrutural, relacionando variáveis como identificação, atração/desejo e ceticismo em relação a propagandas de bebidas alcoólicas e à maneira com que essas características podem prever o consumo de álcool por menores de idade.
O modelo final relaciona (positiva ou negativamente) essas características com gostar de produtos de marketing e marcas de bebidas alcoólicas que, por sua vez, prediz consumo de álcool. Os autores afirmam em sua conclusão que o efeito da propaganda sobre o consumo de álcool inclui um processo progressivo de tomada de decisões e que o foco exclusivo na exposição minimiza o impacto das relações.
Em outro estudo, um tanto menos elaborado sobre o assunto, Chen et al. avaliaram características de propagandas de álcool que eram percebidas como atrativas por adolescentes de 10 a 17 anos. Eles perceberam que gostar de elementos específicos da propaganda (história, humor, personagens) relacionava-se com gostar da propaganda de maneira geral e aumentava o desejo e a intenção de comprar o produto. Anúncios mais formais que se direcionavam à qualidade da bebida foram avaliados como menos atraentes pelos adolescentes.
Jovens com diferentes características podem ser afetados de maneiras diversas pelos anúncios de álcool. Em estudo exploratório sobre fatores pessoais de vulnerabilidade, Proctor et al. analisaram as percepções de estudantes universitários sobre duas propagandas de álcool. Pedia-se aos estudantes que avaliassem características dos atores das propagandas, como a quantidade que eles beberiam normalmente ou em situações festivas, sua idade e quão atraentes eles eram.
Os resultados apontaram que características pessoais dos sujeitos, desde sexo e idade, mas principalmente no tocante ao consumo próprio pesado de álcool influenciavam a percepção das propagandas. Nas palavras dos autores: “os achados sugerem que os anúncios apresentando situações de beber com atores jovens podem estar modelando o beber pesado episódico para o grupo de estudantes universitários mais sob risco de ter problemas futuros com o álcool”.
De qualquer maneira, a ênfase em exposição é clara em vários estudos sobre o assunto. O que varia nos estudos mais recentes é a análise de novos tipos de marketing de álcool e maneiras originais de analisar a exposição. Hurtz et al., por exemplo, avaliam com regressão logística em estudo transversal de estudantes de à 8ª séries a exposição a itens de marketing como objetos promocionais e propagandas em locais de venda.
Os resultados apontaram que estudantes mais expostos ao marketing tinham uma maior chance de terem bebido na vida e/ou de beber atualmente. Na mesma linha, McClure et al. verificaram que adolescentes que possuíam produtos de merchandising (ex: camisetas, bonés) de marcas de bebidas alcoólicas tinham maior probabilidade de iniciar consumo de álcool mais precocemente do que os que o possuíam tais itens após o controle para uma série de outras variáveis (demográficas, características de personalidade, estilo parental etc.).
Pasch et al. avaliaram em estudo longitudinal a exposição de adolescentes a um outro tipo de marketing de bebidas alcoólicas, o de outdoors- especificamente perto de escolas. As análises encontraram associação entre a exposição aos outdoors na série e a intenção de consumir álcool na 8ª série, mesmo entre aqueles estudantes que não bebiam na série.
Uma série de pesquisas longitudinais financiadas pelo National Institute of Alcoholism and Alcohol Abuse (NIAAA) trouxe importantes dados para a discussão da relação entre exposição à propaganda e consumo de álcool. Essas linhas de pesquisa são resumidas em um artigo de revisão, além de várias publicações de cada grupo. Todos esses artigos encontraram que quanto maior a exposição à propaganda, maior é o consumo dos adolescentes. Mas cada um trouxe uma contribuição específica.
Assim, Stacy et al. inovaram ao introduzir uma série de maneiras para medir a exposição às propagandas de televisão, além do tradicional auto relato. Os autores criaram, por exemplo, um índice de exposição perguntando aos adolescentes o quanto eles assistiam semanalmente de uma série de programas televisivos, tanto de sitcoms quanto de programas esportivos.
O índice foi criado ao multiplicar essas horas com a quantidade de propaganda de álcool veiculada em cada um desses programas (informação comprada junto a empresas de pesquisa de mercado). Além disso, os autores utilizaram dois outros métodos para avaliar a atenção e a lembrança em relação às propagandas (cued recall memory test e draw-an- event memory test), criando assim um índice possivelmente mais confiável de exposição à propaganda.
Já o grupo das pesquisadoras Collins e Ellickson avaliou uma série de possíveis fontes de propaganda (televisão, rádio, outdoors, revistas, ponto-de-venda, itens promocionais) e sua relação com o consumo de álcool em adolescentes mais jovens (6ª e 7ª séries) e mais velhos (7ª a 9ª séries). Nos dois casos, maior exposição relacionava-se com maior probabilidade de intenções de beber e consumo de álcool. 
No caso dos adolescentes mais jovens, no entanto, essa relação parece ser mais clara, mesmo após o ajuste a possíveis covariáveis. Já o início do consumo de álcool pelos adolescentes mais velhos relacionava-se apenas com exposição em pontos-de-venda (para aqueles que eram o bebedores na 7ª série). Em relação aos que já bebiam na 7ª série, a frequência do consumo de álcool na 9ª série estava relacionada com exposição a propagandas em revistas e locais de venda de bebidas alcoólicas em shows.
Um destaque especial deve ser dado, no entanto, ao artigo de Snyder et al. A pesquisa, que foi ferozmente criticada pela indústria de bebidas alcoólicas, traz, por seu desenho inovador, conclusões centrais sobre os efeitos da propaganda. Entre os pontos fortes desse estudo estão sua amostragem (nacional e longitudinal, embora com nível de aderência criticável) e o fato de ser um estudo tanto de consumidor (explora o auto relato de exposição dos jovens envolvidos), quanto econométrico (utiliza dados de empresas de pesquisa de mercado sobre os gastos em propaganda de cada um dos 24 mercados setoriais envolvidos no estudo).
Os autores concluem que a exposição mensurada tanto por auto relato como por quantidade de dinheiro gasto com propaganda em cada mercado contribui para um maior consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes e jovens. Por causa de seu delineamento, esse estudo, ainda mais quando em combinação com os outros de metodologia longitudinal, aponta uma relação causal entre exposição à propaganda de álcool e seu consumo.
3. Estudos econométricos
Estudos econométricos analisam a quantidade de propaganda de álcool (usada como indicador indireto de exposição) e sua relação com o nível total de consumo de bebidas alcoólicas (usado como indicador indireto dos prejuízos relacionados ao álcool).
Tanto a quantidade de propaganda quanto o nível de consumo de álcool podem ser medidos de diversas maneiras. Um dos métodos mais comuns para mensurar propaganda tem sido a análise de gastos periódicos com custos agregados, ou seja, quanto se gastou em publicidade de álcool em determinado país ou ampla região em determinado período. Da mesma forma, a imposição de banimento ou restrição à propaganda em países ou regiões também foi utilizada em algumas pesquisas como medida da quantidade de propaganda existente. Finalmente, e de maneira menos frequente, medidas transversais mais localizadas podem ser utilizadas.
Em relação às medidas de consumo de álcool, os estudos utilizam desde dados gerais sobre o consumo de álcool em um determinado país até gastos com problemas relacionados ao álcool, como acidentes automobilísticos e frequência de problemas clínicos consequentes ao uso crônico de álcool (como cirrose, por exemplo). Historicamente, os estudos econométricos da propaganda do álcool trazem resultados conflitantes e não é incomum autores entrarem em inflamados debates acadêmicos sobre as conclusões divergentes de seus artigos.
Saffer, um dos autores que mais publica artigos econométricos sobre propaganda de álcool e de cigarro, avalia em revisão recente que uma das razões pelas quais estudos econométricos têm apresentado resultados conflitantes deve-se justamente aos métodos utilizados para medir a quantidade de propaganda. Por exemplo, a relação de propaganda e consumo não é linear porque, a partir de certa quantidade de promoção (nível de saturação), o consumo de álcool passa a não ter mais relação (ser o-responsivo) com a frequência da propaganda. Outro aspecto é que a proibição de propaganda em alguns meios de comunicação pode ter como resultado o aumento de intensidade em outros meios, o que pode afetar o consumo de maneiras não estimadas.
Outras falhas apontadas para os estudos econométricos na revisão realizada por Hastings et al. incluem o fato de que estes tendem a agregar todos os públicos-alvo de propaganda, o que não permite a análise separada de suas variações. Além disso, essa maneira de contabilizar a propaganda minimiza os efeitos das variações na disponibilidade das propagandas ao longo do ano e seus efeitos de curto prazo, bem como mercados com maior número de adultos daqueles com maior número de indivíduos mais jovens. Dessa maneira, esses estudos muitas vezes não dizem nada especificamente a respeito do consumo dos adolescentes e de outros subgrupos de consumidores.
A partir da década de 90, alguns artigos, utilizando-se de amplos bancos de dados e metodologias mais sofisticadas, começaram a apresentar dados mais consistentes. Saffer e Dave utilizaram bancos de dados de duas grandes pesquisas americanas, o Monitoring the Future e o National Longitudinal Survey of Youth de 1997, assim como dados de pesquisa de mercado para avaliar o efeito da propaganda de álcool no consumo de adolescentes e jovens.
Os tipos de bancos de dados utilizados permitiam o controle por idade, etnia e outros dados socio demográficos relevantes. Eles verificaram que uma redução da quantidade de propaganda implicaria em uma modesta redução do consumo de álcool entre os adolescentes. Esses resultados variam por etnia e sexo, o que corrobora os estudos descritivos e de consumidor descritos acima.
Em outro vasto estudo utilizando banco de dados com mais de quatro milhões de americanos, pesquisadores avaliaram quais medidas de controle do consumo do álcool seriam, caso amplamente implementadas, mais eficientes para a prevenção de mortes relacionadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Os autores incluíram entre essas medidas impostos maiores para as bebidas alcoólicas, programas educacionais e familiares, contrapropaganda, restrição da propaganda de bebidas alcoólicas e intervenções para prevenir o ato de dirigir intoxicado.
Foram excluídas duas medidas muito eficientes (idade mínima para beber de 21 anos e tolerância zero para consumo de menores de idade), porque essas medidas tinham sido implementadas em todos os estados americanos. Os resultados mostram que a restrição completa da propaganda de álcool e o aumento do imposto de produtos alcoólicos seriam as duas intervenções mais eficientes para reduzir o consumo entre os jovens e, dessa maneira, resultar em uma redução no número de mortes entre adultos.
Conclusão
Seja pela intensidade e frequência com que bombardeia o potencial ou atual consumidor, tornando-se quase onipresente, seja pelos efeitos neurocomportamentais consequentes à sua interferência nos circuitos emocionais, o certo é que a publicidade de bebidas alcoólicas é um dos importantes fatores influenciadores dos hábitos de consumo de álcool da população, em particular entre os mais jovens. Seu papel estratégico não pode e não deve ser menosprezado. 
Características como quão atraentes as propagandas são para esse segmento e sua exposição a elas relacionam-se com uma maior expectativa de consumo futuro e com um consumo maior e mais precoce por adolescentes. Essa opinião se sustenta em estudos recentes e na reserva de conhecimento disponível sobre o tema, tanto do ponto de vista econométrico e de efeitos individuais quanto neuroeconômico.
No Brasil, a publicidade de álcool, principalmente cerveja, é bastante apreciada por sua qualidade e criatividade, e os adolescentes e adultos jovens parecem estar especialmente expostos a ela, que os tem como alvo preferencial.

O conhecimento atual sobre o tema indica que a redução da exposição à publicidade tem impacto positivo e proporcional, ainda que o de forma linear, sobre o consumo de álcool, principalmente entre os mais jovens, justamente a população mais vulnerável. Além disso, outras medidas regulatórias da oferta do produto, seja por meio da sobretaxação, seja por meio da restrição na instalação e funcionamento dos pontos-de-venda têm se demonstrado eficazes na redução do consumo de álcool e, consequentemente, dos danos associados a esse consumo.

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