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8/22/2014

ÁLCOOL: O exterminador do Aparelho Digestivo

Gastrite alcoólica

Inflamação do revestimento da mucosa do estômago causada pelo álcool. Isto acontece caracteristicamente após uma alcoolização abusiva (ver beber excessivo) e está caracterizada por erosões, eventualmente hemorrágicas, da mucosa. 

Os sintomas incluem dor na parte superior do abdômen. A gastrite alcoólica é comumente acompanhada por esofagite. Na maioria dos casos, esta situação é autolimitada e desaparece com a abstinência

Doença do refluxo gastresofágico

O consumo intenso de bebidas alcoólicas está associado à esofagite de refluxo por diversas razões. O etanol prejudica a função do esfíncter inferior do esôfago, reduzindo seu tono, além de levar a um aumento dos relaxamentos espontâneos do. Sabe-se que os relaxamentos transitórios e espontâneos do EIE constituem um dos fatores mais importantes na fisiopatologia da DRGE, por permitirem maior contato entre o ácido gástrico e a mucosa esofágica. 

Alguns estudos sugerem que as alterações esofágicas se relacionam ao tipo de bebida alcoólica ingerida, em detrimento da ação isolada do etanol puro, denotando a ação de outras substâncias no processo fisiopatológico.

Outro mecanismo de associação entre álcool e DRGE decorre do fato de algumas formas de bebidas de menor teor alcoólico, como cerveja e vinho, aumentarem a produção do HCl gástrico, contribuindo para que o refluxo seja potencialmente mais agressivo ao epitélio esofagiano. 

Além disso, o etanol tem efeito lesivo direto sobre o epitélio, destarte prejudicando a resistência mucosa à agressão representada pelo ácido. Apesar da passagem do álcool pelo esôfago ser rápida durante o consumo, as alterações no epitélio esofágico causadas pelo etanol são permanentes. O modo pelo qual o etanol altera o epitélio esofágico e predispõe à lesão ácida é complexo. 

Estudos mostram que o álcool aumenta a permeabilidade tanto da membrana celular quanto de junções intercelulares para a entrada de H+, fato que poderia explicar maior risco à lesão pelo ácido após o consumo alcoólico(3). Nesses casos, observa-se hipomotilidade esofagiana por redução na amplitude das contrações distais, levando à redução da depuração esofágica.

Além das alterações acima descritas, foi relatado também aumento de amplitude das contrações do terço médio do esôfago, bem como alta frequência de ondas não-peristálticas. Essas alterações podem ser atribuídas aos efeitos agudos e subagudos do etanol sobre as células musculares lisas do esôfago.

Câncer

O álcool aumenta o risco de câncer de esôfago, pois prolonga o tempo de contato com carcinógenos, em virtude de promover alterações da motilidade esofágica, além de levar a alterações epiteliais do esôfago que podem predispor ao desenvolvimento de lesões precoces. O incremento do risco de câncer está diretamente relacionado à quantidade de álcool ingerido e ao tipo de bebida consumida.

É interessante considerar que apesar da abundância de evidências epidemiológicas associando a ingestão de álcool e câncer, nenhum experimento mostrou ser o etanol isoladamente carcinogênico. Existem provavelmente outros carcinógenos ambientais associados ao surgimento do câncer, como o tabagismo e fatores nutricionais. 

Nesse âmbito, demonstrou-se que o etanol pode induzir ao câncer ao permitir proliferações mais extensas e desenvolvimento maligno de lesões esofágicas induzidas por produtos químicos e carcinógenos, como a N-nitrosometilbenzilamina (NMBzA), um carcinógeno específico do esôfago. 

Além disso, sabe-se que a promoção de lesões por outros carcinógenos, induzida pelo álcool, está associada ao aumento dos produtos da peroxidação lipídica, que podem se ligar ao DNA e levar à iniciação do desenvolvimento tumoral.

O etilismo crônico sabidamente pode levar à má nutrição, favorecendo a transformação de pró-carcinógenos em carcinógenos, além de interferir nos mecanismos de defesa da mucosa, por deficiência de substâncias protetoras da mucosa, como a riboflavina, vitamina A e ferro(10-12). 

Por outro lado, existem evidências de que uma dieta pobre em vegetais e frutas, bastante frequente em etilistas crônicos, é fator de risco para desenvolvimento de carcinoma epidermóide de esôfago, bem como a deficiência de folato, levando a alterações na metilação do DNA, com consequente comprometimento de sua integridade e de sua reparação.

É interessante lembrar que com a presença de um alelo mutante da enzima aldeído-desidrogenase-2 (ALDH2*2) o risco de câncer torna-se ainda maior. No Japão, local de importantes trabalhos sobre câncer de esôfago, cerca de 40% da população possui alelo mutante. 

Nesses casos, o organismo não consegue metabolizar devidamente o acetaldeído e sua concentração sérica torna-se de 6 a 19 vezes maior, em caso de heterozigose ou homozigose para o alelo mutante, respectivamente. 

A degradação ineficiente no esôfago do acetaldeído originado da mucosa, da saliva, de bebida alcoólica e de origem sistêmica pode explicar esse risco elevado, pois o acetaldeído reage de maneira covalente com o DNA, originando "adducts" de DNA. 

A presença de ALDH2 inativo é um fator de risco importante para outros tipos de câncer além do esofágico, como de cavidade oral, orofaringe, hipofaringe e laringe. 

Tem sido proposto que o esôfago de Barrett, qual seja, metaplasia intestinal completa precursora de adenocarcinoma esofágico, poderia estar relacionado com a ingestão de álcool, uma vez que o álcool predispõe à lesão da mucosa esofágica e exacerba o refluxo gastroesofágico. 

Sabe-se, contudo, que o consumo de álcool não necessariamente predispõe ao desenvolvimento da metaplasia colunar no esôfago de pacientes com refluxo gastroesofágico intenso, mas está fortemente associado ao desenvolvimento de adenocarcinoma em pacientes com esôfago de Barrett já estabelecido.

A má higiene bucal, que é fato comum em etilistas crônicos, aumenta a microbiota de aeróbios, responsáveis pela conversão de álcool a acetaldeído, fato que aumenta a concentração salivar de acetaldeído e dessa forma eleva o risco de câncer. 

Além disso, se o consumo de etanol for superior a 40 g/dia, a produção de saliva é diminuída pela metade, aumentando sua viscosidade. Desse modo, a depuração esofágica, que constitui elemento de defesa à esofagite de refluxo, é reduzida.

Síndrome de Mallory-Weiss

Alguns estudos demonstraram que 40% dos pacientes com essa síndrome são etilistas crônicos. Cerca de 15% dos sangramentos do trato digestivo alto são decorrentes de fissuras que ocorrem em portadores da síndrome de Mallory-Weiss. 

A lesão da mucosa está localizada na zona onde, durante o vômito, o gradiente de pressão entre o abdome e a cavidade torácica é mais alto, precisamente localizada na junção gastroesofágica ou, em presença de hérnia hiatal, na área da mucosa gástrica adjacente ao cárdia. 

Estudo realizado na Alemanha em 5.958 necropsias entre 1997 e 2001 revelou que sangramento como causa de morte devido às fissuras presentes na síndrome de Mallory-Weiss ocorreu em nove casos (0,15%), oito dos quais associados ao abuso alcoólico crônico.

Convém mencionar que a ingestão aguda de álcool provavelmente não tem relação com o sangramento originário da ruptura de varizes de esôfago em pacientes com hipertensão portal.

Estômago

O álcool induz diversas alterações gástricas morfológicas e funcionais. Com efeito, o etanol prejudica os mecanismos de defesa da mucosa gástrica, por alterar a composição e liberação de muco e bicarbonato, além de interferir na renovação do epitélio gástrico.

Os mecanismos defensivos da mucosa gastrointestinal são alterados pela ingestão de bebidas alcoólicas. Um desses mecanismos, a camada de muco e bicarbonato que protege a mucosa gástrica de traumas mecânicos por alimentos e agentes irritantes, é fortemente agredida pelo álcool, levando à inibição na secreção de bicarbonato. 

Ocorre interferência na formação e composição do muco, com inibição da síntese, do transporte e do processamento das glicoproteínas do muco gástrico. A aderência de mucina ao epitélio gástrico é controlada pela interação específica do carboidrato entre a mucina e o proteína ligadora de mucina epitelial (MBP). 

A ligação entre a mucina e a MBP depende da presença de oligossacarídeos da mucina. O consumo de álcool, tanto agudo como crônico, afeta o alongamento das cadeias de carboidrato da mucina, contribuindo desse modo para sua depleção na superfície epitelial, o que inevitavelmente leva à lesão da mucosa gástrica.

O álcool atua também em outro mecanismo de defesa gástrica, qual seja, a renovação epitelial. O epitélio gástrico se renova completamente a cada três dias, mas sob a ação do etanol esse processo torna-se muito comprometido. Com efeito, a descamação que ali ocorre sob ação do álcool está acima da capacidade regenerativa do estômago, predispondo ainda mais às lesões do epitélio.

O etanol pode ser considerado um agente causador ou potencializador na formação de úlceras pépticas, embora existam controvérsias quanto aos mecanismos patogênicos nesse caso.

Demonstrou-se que o consumo de álcool aumenta os efeitos deletérios dos anti-inflamatórios não hormonais (AINEs), como aspirina e ibuprofeno, agindo assim como um potencializador do sangramento de úlceras pépticas por uso de AINEs.

O álcool foi apontado como fator de risco para hemorragia gastrointestinal nos indivíduos com consumo excessivo, qual seja, de quatro ou mais doses por dia. Ainda assim, essa observação deve ser tomada com reservas, já que em alcoólatras a hemorragia do trato gastrointestinal alto, na maioria das vezes, é resultado de úlcera péptica ou de outros problemas relacionados à hipertensão portal. 

Lesão gástrica pelo etanol foi considerada causa de sangramento em apenas 0,01% dos pacientes com sangramentos leves e autolimitados. Existem evidências de que a endotelina-1 pode estar envolvida no processo hemorrágico. A endotelina-1 é um potente peptídeo vasoconstritor derivado das células endoteliais gástricas. 

É sabido que sua concentração aumenta significantemente após ingesta de álcool com concentração de 40%, tendo sido observada correlação significante entre sua concentração e hemorragia gástrica avaliada através do exame endoscópico. Foi também observado que sua concentração estava mais elevada no corpo gástrico do que no antro.

A relação entre o dano produzido pelo álcool e o estresse tem sido estudada. A instilação de álcool a 40% no estômago de ratos submetidos a estresse por condicionamento físico foi fator condicionador importante do aparecimento de lesões hemorrágicas gástricas.

Acreditava-se que o álcool poderia ser fator de risco para o câncer gástrico. A maioria dos trabalhos mais recentes, contudo, tem revelado que o álcool efetivamente não é fator de risco isolado.

O etanol possui efeito variável sobre a motilidade gástrica, a depender da concentração. Em baixas concentrações, como na cerveja e no vinho, o etanol diminui a amplitude e a frequência das contrações fásicas das células de músculo liso gástrico em cães. 

Em altas concentrações, como no uísque e no rum, o etanol causa contração tônica do músculo liso gástrico em animais, por mecanismos que envolvem a proteína quinase-C e tirosina-quinase, além da fosfolipase A2 e as vias da cicloxigenase. 

Mostrou-se que o consumo de bebidas com baixo teor alcoólico aumenta de maneira significante o esvaziamento gástrico em humanos, enquanto alto teor alcoólico o diminui.

Em relação à absorção gástrica, é interessante notar que quanto maior a atividade da ADH (álcool desidrogenase), menor a absorção de etanol. A erradicação da Helicobacter pylori aumenta a atividade da ADH antral, provavelmente por restauração da integridade da mucosa.

Bebidas com baixo teor de álcool estimulam a secreção gástrica, enquanto as de alto teor têm ação inibitória. Acreditava-se que as bebidas de baixo teor alcoólico estimulavam a secreção ácida do estômago por elevar os níveis séricos de gastrina. 

Estudos recentes mostram que esse aumento independe da intervenção da gastrina, pois ocorre pela elevação da concentração intracelular de cálcio nas células parietais, via acetilcolina, e pela liberação de histamina pelas células enterocromafins-símile. 

Estudos mostram ainda que as bebidas alcoólicas produzidas por fermentação, tais como cerveja, vinho e champanhe, são os mais potentes estimulantes da secreção ácida do estômago, enquanto aquelas que são produzidas por fermentação e destilação, tais como uísque, conhaque e rum, não possuem ação tão intensa. 

A explicação desse achado reside no fato de que as substâncias não alcoólicas estimulantes da secreção ácida presentes nessas bebidas são produzidas principalmente durante o processo de fermentação, sendo removidas durante a destilação.

A permeabilidade gástrica aumenta se houver ingestão aguda de etanol. Estudos realizados com marcadores de permeabilidade gastrointestinal em ratos, como sucrose e 51Cr-EDTA, demonstraram aumento significativo após a ingestão de álcool. A interpretação desses achados, entretanto, não é conclusiva.

Duodeno

Existem controvérsias quanto aos efeitos da ingestão crônica do álcool na mucosa duodenal em homens. Alguns estudos não apontam mudanças morfológicas na mucosa, enquanto outros demonstram alterações ultraestruturas e histológicas. 

Interessante estudo endoscópico em etilistas crônicos não mostrou alterações significantes do epitélio duodenal, embora tenha encontrado diminuição da renovação de enterócitos por inibição da atividade das mitocôndrias. 

Além disso, foi demonstrado que o abuso crônico de álcool pode induzir fibrose dos vilos duodenais, associada à transformação das células justaparenquimatosas do vilo em células subepiteliais ativadas miofibroblasto-símile. 

Estas células são capazes de produzir componentes diferentes da matriz extracelular, aumentando especialmente o depósito de colágeno do tipo III. Esse achado pode explicar o afinamento da membrana basal do vilo duodenal encontrado em etilistas crônicos por morfometria.

O abuso crônico de álcool pode ainda influenciar consideravelmente o sistema imune associado ao trato gastrointestinal, aumentando a permeabilidade da mucosa gastrointestinal às macromoléculas que agem como antígenos. 

Estudos revelam aumento do número de linfócitos B, provavelmente por essa razão. O número de macrófagos encontrado, entretanto, foi menor que o normal, sugerindo verdadeiro enfraquecimento do sistema imune inespecífico.

Não se sabe se o etanol é efetivamente fator de risco para úlcera duodenal, já que existem estudos que vão ao encontro dessa hipótese, enquanto outros não a confirmam.

Intestino delgado

O consumo crônico e abusivo do álcool, que se manifesta comumente por diarréia e emagrecimento, leva ao desenvolvimento de má absorção no intestino delgado. De fato, a má absorção intestinal foi comprovada em aproximadamente 60% dos dependentes de álcool pela diminuição de absorção de d-xilose, vitamina B12 e presença de esteatorréia. 

A administração de álcool em macacos com dieta adequada, durante 24 meses, demonstrou ocorrência significante de deficiência de ácido fólico65, elemento essencial para a manutenção da integridade morfofuncional da mucosa. 

Nesses casos, o principal sintoma consiste na ocorrência de fezes amolecidas. As fissuras anais e o prurido anal, que se encontram presentes em indivíduos com consumo prolongado de álcool, provavelmente acham-se relacionados à diarreia crônica.

A diarreia em etilistas crônicos é decorrente de alterações estruturais e funcionais do intestino delgado. A mucosa apresenta achatamento das vilosidades, e os níveis das enzimas digestivas estão frequentemente diminuídos. É importante lembrar que tais alterações costumam ser reversíveis após um período de abstinência etílica. 

Em nível microscópico, o consumo de etanol por dois meses ocasionou deformações em mitocôndrias, dilatação do retículo endoplasmático e alteração do aparelho de Golgi. Também foi observado que a ingestão de alimentos com cerveja ou vinho branco ocasionou tempo de trânsito intestinal mais lento do que aquele resultante da observação com álcool puro em jejum. 

Os responsáveis por essa alteração permanecem desconhecidos, mas é licito considerar que a ingestão alcoólica juntamente com alimentos é menos geradora de aceleração do trânsito intestinal do que quando o álcool é ingerido isoladamente.

Em resumo, os mecanismos responsáveis pelo efeito do álcool no intestino delgado não são totalmente conhecidos, provavelmente ocorrendo o envolvimento de vários fatores. A ocorrência de miopatia intestinal também é relacionada ao consumo de álcool, embora a fisiopatologia do processo não esteja plenamente esclarecida. 

Admite-se que esteja relacionada com a inibição da síntese proteica, consequente à ação do aldeído acético e do etanol, considerados potentes inibidores de síntese proteica.

Cólon e reto

A deficiência nutricional de ácido fólico e o consumo crônico de álcool têm sido associados a aumento do risco de desenvolvimento de câncer colorretal, embora os mecanismos pelos quais ocorre esse fato não estejam claramente estabelecidos.

Algumas observações epidemiológicas indicam que a depleção moderada de ácido fólico, qual seja, com manutenção de nível sérico dentro da faixa da normalidade, é suficiente para aumentar o risco de câncer colorretal. 

Assim, indivíduos com baixos níveis séricos de ácido fólico e de metionina e consumo alcoólico maior do que 20g/dia têm risco sete vezes maior de desenvolvimento de câncer de cólon distal. Estudo experimental em ratos, entretanto, demonstrou que a deficiência moderada de ácido fólico aumenta a incidência de displasia colônica e carcinoma apenas quando associada ao carcinógeno dimetilidrazina. 

É interessante observar que estudos epidemiológicos sugeriram associação positiva entre ingestão de álcool e câncer de reto. Pesquisas envolvendo modelos animais de consumo crônico de álcool produziram resultados conflitantes, conforme o desenho de estudo. No âmbito molecular, temos que o acetaldeído, metabólito tóxico do etanol, também é produzido pelos microrganismos fecais. 

Como se sabe, esses organismos encontram-se em maior número no cólon distal, quando comparado ao cólon proximal. Nesse caso, a maior produção de acetaldeído no cólon distal e reto poderia explicar o papel do álcool, particularmente no desenvolvimento do câncer retal. A elevada concentração colônica de acetaldeído pode, por outro lado, contribuir na patogênese da diarreia induzida pelo etanol.

Estudos clínicos recentes demonstraram probabilidade três vezes maior para neoplasias malignas de estômago e cólon entre dependentes de álcool com acetaldeído desidrogenase-2 inativa. 

Dessa maneira, esses indivíduos teriam maior dificuldade para metabolizar o acetaldeído. O acetaldeído, em concentrações observadas na luz colônica, pode destruir o ácido fólico e contribuir para a carcinogênese coloretal. 

Esses achados sugerem que alguns tipos dessas neoplasias estão também associados a aumento acentuado dos níveis de acetaldeído. Outros mecanismos foram aventados no processo de carcinogênese associado ao álcool. 

Assim, o efeito tóxico local, acarretando hiperproliferação e transformação maligna, tem também sido demonstrado em experimentação in vitro, com influência sobre a diferenciação de células intestinais humanas, notadamente da linhagem enterocítica. 

A indução do citocromo P450E1 e aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, bem como alterações do metabolismo do retinol e do ácido retinóico são também considerados importantes fatores que afetam os processos celulares de diferenciação e regeneração.

Alguns trabalhos já sugeriram que a deficiência de folato predisporia ao desenvolvimento de neoplasia colorretal pela depleção de grupos metil instáveis e consequente hipometilação do DNA(75). 

Sabe-se que a S-adenosilmetionina (SAM), doadora proximal do grupo metil para a metilação do DNA, é formada a partir da metionina. A metionina, por sua vez, é sintetizada por reação de transmetilação entre homocisteína e metiltetraidrofolato. 

Em vista disso, foi proposto que a deficiência de folato e/ou metionina podem ser causas potenciais de diminuição dos níveis de SAM, acarretando hipometilação do DNA. Em recente estudo de corte, os resultados obtidos sugerem que a ingestão de folato e de álcool pode estar associada a mudanças na promoção de hipermetilação em casos de câncer coloretal esporádico. 

Embora exista forte correlação inversa entre a metilação do DNA e a expressão de diversos genes, além de aumento da transcrição de proto-oncogenes, o papel desse fenômeno na carcinogênese permanece incerto. 

Desse modo, mesmo com funções a serem elucidadas, a metilação do DNA parece constituir importante mecanismo de modulação da expressão gênica e provável ligação patogenética entre fatores dietéticos e carcinogênese.

Existem também sugestões de que a ação promotora da carcinogênese imputada ao álcool poderia decorrer de hiperproliferação celular induzida por alterações metabólicas de lipídios e eicosanóides, o que acarretaria a multiplicação seletiva de células previamente iniciadas.

Convém mencionar o papel protetor de certas substâncias, principalmente prostaglandinas, ainda que o mecanismo de ação citoprotetora não esteja totalmente esclarecido. Assim, em estudo experimental, foi demonstrado que o uso de 16,16-dimetilprostaglandina E2 promoveu estabilidade de microtúbulos e consequente proteção contra o etanol em linhagem de células colônicas humanas denominada CaCo-2. Tais resultados indicam que a organização e estabilização de microtúbulos podem desempenhar papel essencial no mecanismo protetor induzido por prostaglandinas.

Em estudo mais recente, o mesmo grupo demonstrou que a estabilização do citoesqueleto se dá por ação direta de prostaglandinas, bem como através da transdução de sinal via proteína quinase C e/ou estimulação do efluxo de cálcio intracelular.

Conclusão

Os efeitos do álcool sobre o tubo digestório são altamente deletérios, concorrendo para severas alterações morfológicas e funcionais. Tal fato, juntamente com a possibilidade de comprometimento de outros sistemas orgânicos, demonstra a importância do conhecimento fisiopatológico e da abordagem correta desses pacientes.