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9/09/2011

Associação entre transtornos relacionados ao uso de álcool e transtornos alimentares



Recentemente, muitos veículos de comunicação têm abordado a “anorexia alcoólica”, “alcoolrexia” ou “drunkorexia” (junção da palavra drunk, que significa bêbado em inglês, e anorexia nervosa, um transtorno alimentar). Apesar deste termo ter se tornado popular, ele não é um termo médico oficial e não denomina uma doença ou síndrome específica.

Mas a que se refere a “drunkorexia”? Geralmente, este termo é utilizado para indivíduos com transtornos alimentares que diminuem a ingestão de alimentos e fazem o uso nocivo do álcool. O que ocorre, muitas vezes, é que pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool (abuso e dependência) também apresentam transtornos alimentares, e vice-versa.

Transtornos relacionados ao uso de álcool

A Dependência do álcool é definida no IV Manual Diagnóstico Estatístico (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria como a repetição de problemas decorrentes do uso do álcool em pelo menos 3 das sete áreas de funcionamento, ocorrendo conjuntamente, em um período mínimo de 12 meses. Uma ênfase especial é atribuída à tolerância e/ou sintomas de abstinência, condições associadas a um curso clínico de maior gravidade (Quadro 1).

A dependência ocorre em homens e mulheres e em indivíduos de todas as raças e classes sócio-econômicas. O diagnóstico prediz um curso de problemas recorrentes decorrentes do uso do álcool e um conseqüente encurtamento da vida por uma década ou mais.

Na ausência de dependência ao álcool, o indivíduo pode receber o diagnóstico de abuso de álcool se ele apresentar problemas repetidos decorrentes do uso do álcool em pelo menos uma das 4 áreas relacionadas ao viver: esfera social, interpessoal, legal e problemas ocupacionais ou persistência do uso em situações perigosas como por ex. beber e dirigir. (Quadro 2)

Quadro 1. Critérios para Dependência do álcool - DSM-IV
Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:

1.                   tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
2.                    
3.                   (a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado
4.                    
5.                   (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância.
6.                    
7.                   abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
8.                    
9.                   (a) síndrome de abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B dos conjuntos de critérios para Abstinência das substâncias específicas)
10.                 
11.                (b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
12.                 
13.                a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.
14.                 
15.                existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância.
16.                 
17.                muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos.
18.                 
19.                importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
20.                 
21.                o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool).

Quadro 2. Critérios para Abuso do álcool - DSM-IV
A - Um padrão mal-adaptativo de uso de substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por um (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um período de 12 meses:

1.                   uso recorrente da substância resultando em um fracasso em cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso de substância; ausências, suspensões ou expulsões da escola relacionadas a substância; negligência dos filhos ou dos afazeres domésticos).
2.                    
3.                   uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico (por ex., dirigir um veículo ou operar uma máquina quando prejudicado pelo uso da substância).
4.                    
5.                   problemas legais recorrentes relacionados à substância (por ex., detenções por conduta desordeira relacionada a substância).
6.                    
7.                   uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substância (por ex., discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas corporais).
8.                    
B - Os sintomas jamais satisfizeram os critérios para Dependência de Substância para esta classe de substância.


Transtornos alimentares

Os transtornos alimentares são perturbações severas do comportamento alimentar, identificados especialmente entre as mulheres. Dentre os transtornos alimentares, duas síndromes são mais conhecidas: a anorexia nervosa e a bulimia nervosa.

A anorexia nervosa, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças 10 (ICD-10) da Organização Mundial de Saúde (OMS), é um transtorno caracterizado pela perda de peso intencional - por meio de diminuição na ingestão de alimentos, indução de vômitos ou purgação (uso de laxantes, por exemplo), exercícios físicos excessivos, ou uso de inibidores de apetite ou diuréticos.

Há distorção na percepção do próprio corpo e medo excessivo de engordar, mesmo quando a pessoa está abaixo do peso (Índice de Massa Corporal igual ou inferior a 17,5), e uma desordem generalizada do sistema endócrino - podendo causar amenorréia (interrupção da menstruação) nas mulheres, e perda de interesse e redução da potência sexual nos homens.

Já a bulimia nervosa é uma síndrome caracterizada pela recorrência de ingestão excessiva de alimentos de forma compulsiva, com perda de controle, e preocupação exagerada com peso, que faz com que o indivíduo adote métodos extremos para compensar a ingestão dos alimentos, como: indução de vômitos, uso de laxantes e excesso de atividades físicas.

Tanto a anorexia nervosa como a bulimia nervosa são mais comuns entre adolescentes e mulheres jovens - cerca de 0,5 a 3% das mulheres sofrem de transtornos alimentares, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais IV (DSM-IV). Embora as causas fundamentais da anorexia nervosa e da bulimia nervosa permaneçam ainda desconhecidas, sabe-se que fatores biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares contribuem para a sua causalidade.

É importante notar que não é necessária a presença de todos os sintomas destes transtornos alimentares para que se estabeleça uma associação negativa ao uso nocivo de álcool; basta apenas um sintoma importante, como dieta severa ou de risco, preocupação excessiva com o peso, insatisfação com o corpo e comportamentos compulsivos ou compensatórios com a alimentação.

Associação entre transtornos relacionados ao uso de álcool e transtornos alimentares

Pelo fato dos transtornos alimentares serem mais prevalentes entre mulheres jovens (entre 18 e 24 anos), também é preciso ressaltar que as mulheres são mais vulneráveis aos efeitos do álcool do que os homens, ilustrando a importância do diagnóstico e tratamento da co-ocorrência dos transtornos relacionados ao uso de álcool e transtornos alimentares. Uma mesma quantidade de álcool geralmente afeta a mulher mais rapidamente do que o homem (mesmo levando-se em conta as diferenças no peso corporal), por apresentar características fisiológicas diferentes.

A mulher tem menos água e mais gordura em seu corpo do que o homem; assim, o álcool torna-se mais concentrado na mulher. Além disso, as mulheres também apresentam menores níveis das enzimas aldeído desidrogenase e álcool desidrogenase, responsáveis pelo metabolismo do álcool - ou seja, o álcool permanece no corpo da mulher por mais tempo.

A freqüência do uso de álcool, bem como a prevalência dos transtornos relacionados (abuso e dependência), é alta entre pessoas com distúrbios alimentares. Estima-se que 16% dos indivíduos com transtornos alimentares também sofrem de abuso ou dependência de álcool, sendo que a bulimia nervosa está mais associada aos transtornos relacionados ao uso de álcool do que os demais transtornos alimentares.

De acordo com estudos científicos, a relação entre os transtornos alimentares e os transtornos relacionados ao uso de álcool é de mão dupla, parecendo haver maior influência dos transtornos alimentares sobre os transtornos do uso de álcool, do que o recíproco.

Muitas vezes, os indivíduos com transtornos alimentares, como a anorexia, bebem para amenizar a dor e a angústia de não “poder” comer, enquanto outros ainda acreditam que a bebida não engorda ou que ajuda a controlar a fome. Essa sensação de que o álcool diminui a fome ocorre porque o álcool aumenta a liberação de leptina, uma substância associada à sensação de saciedade. Entretanto, as bebidas alcoólicas fornecem calorias, mas poucos nutrientes13, o que pode levar as pessoas, que realizam o consumo de álcool em detrimento ao de alimentos, a quadros graves de desnutrição, entre outros problemas advindos da alimentação inadequada - o organismo desprovido de alimento fica suscetível ao desencadeamento de uma série de doenças. Ainda, quando se está com estômago vazio, o álcool é absorvido mais rapidamente e exerce seus efeitos mais intensamente, além de poder ocasionar gastrites e úlcera.

No Brasil há pouquíssimos estudos com relação à incidência de transtornos alimentares concomitante aos transtornos relacionados ao uso de álcool. Há somente alguns dados sobre a prevalência de transtornos alimentares; por exemplo, sintomas de anorexia nervosa foram apresentados por 13,3% de estudantes (7 a 19 anos, ambos os sexos) de escolas públicas do interior de Minas Gerais e em 15,6% de adolescentes (mulheres de 10 a 19 anos) do Município de Florianópolis, Santa Catarina.

A co-ocorrência de transtornos relacionados ao uso de álcool e de transtornos alimentares deve ser tratada seriamente. Segundo o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, o abuso e dependência do álcool atingem, respectivamente, cerca de 1% a 4% das mulheres (18 anos ou mais). Além disso, 14% das mulheres adolescentes entre 18 e 25 anos bebem ocasionalmente (1 a 3 vezes por mês), e 6% bebem freqüentemente (1 a 4 vezes por semana).

O indivíduo deve buscar ajuda com profissionais da saúde quando ocorrem situações nas quais o álcool ou o transtorno alimentar possam influenciar negativamente a rotina, funções acadêmicas e/ou profissionais e as relações pessoais.

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